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Caí na bagaceira

O primeiro impulso ao chegar foi o de dar meia-volta. Não reconhecia nada nem ninguém naquele ambiente que mais lembrava uma festinha improvisada na garagem da casa de alguém.
O que minha lembrança não reconhecia era a lista de convidados. Eu, que vivo reclamando da monotonia trazida pela globalização quando viajo, me senti, pela primeira vez, uma estrangeira, mesmo estando a 19km de casa.
Nunca vi tanto homem junto. Para qualquer lado que eu me virasse, eles estavam lá: sarados, calças apertadas, braços expostos. Mas nenhum deles me olharia, fato. Em nada adiantaria o efeito do meu visual meio “dominatrix bandida”, com meu macacaquinho de couro e sandálias gladiadoras até a metade das pernas. Como hetero, estava pisando pela primeira vez em uma festa gay.
Era testosterona pura. A coluna de sustentação virou mastro improvisado de pole dance. Qualquer parede vazia era apoio para amassos de tirar o fôlego: homem com homem, mulher com mulher. Em dupla, em trio. Nunca vi tanta sensualidade escancarada e desejos devassados. O cheiro de perfume amadeirado de tantos homens reunidos se misturava com o suor, cada vez mais intenso.
Bondes de mulheres engatadas umas nas outras me atropelavam. Rapazes mostravam corpos elásticos que iam até o chão com uma desenvoltura de fazer inveja a qualquer diva menina.
A cachaça da caipirinha era barata, mas a música, boa. Logo, as breguices musicais me fizeram me desligar dos convidados. Aquela não era minha turma, mas o som me levou aos melhores anos da minha adolescência. Tava no inferno? Abracei o capeta com força. Decidi me divertir e dançar.
Tentei imitar, sem sucesso, os passinhos daqueles dançarinos exibidos. Quem se importava? Dançar é bom. Cantar alto uma música conhecida, sem ninguém te dar ouvidos, melhor ainda. Ninguém se importava comigo. Estavam todos interessados em suas próprias performances individuais.
Podia fazer o que quisesse e dancei. Fui mais vezes até o chão do que fiz agachamento todo esse ano na academia. Soltei a voz. Um moço me conduziu na hora do sertanejo. Do jeito que ele veio, foi embora. Não  estava interessado em sensualizar, só em me fazer dançar.
Relembrei os passos da dança da vassoura. Ri sozinha. Entendi que a Xuxa era na verdade a primeira filósofa que conheci na vida ao ouvir “Lua de cristal”. Quem mais falaria antes dos meus 10 anos de idade que “tudo que tiver que ser será…”?
Então, deixei ser. Suei como há tempos não acontecia. Afinal, estava no inferno e ali era quente para cacete.
Escreva: fsduarte@hotmail.com
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Flávia Duarte

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Flávia Duarte

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