Convido vocês, leitoras e leitores, para o lançamento do meu livro Entre Santas, Bruxas, Loucas e Femmes Fatales – (más) representações e questões de gênero nos cinemas (Editora Appris), nesta segunda-feira (20), em Brasília. Após muita transpiração, para além de inspiração e de anos de pesquisas, publicamos este trabalho que desnuda os problemáticos estereótipos (interseccionais) de gênero e o quanto a história das produções audiovisuais, desde sempre, está ligada às outras formas do fazer artístico e literário no que tange aos olhares das sociedades patriarcais e cargas de preconceitos, fobias e segregacionismos.
Ao longo do livro, por meio de estudos de caso e críticas, são recontadas as teorias e as histórias dos cinemas produzidos para as massas, para as grandes bilheterias e audiências, bem como as produções independentes, em geral realizadas por cineastas “periféricos” ao eurocentrismo: é o cinema de “sotaque”, com olhares de mulheres e homens fronteiriços, que transbordam hibridismos culturais, transnacionais, e seus exílios internos e externos. As(os) leitoras(es) terão surpresas com os “apagões”, omissões, sobre as mulheres que fizeram parte ativa na criação das narrativas audiovisuais como as conhecemos até hoje.
A equipe editorial acredita que esse trabalho chega ao mercado brasileiro em momento propício a suprir antigas carências, e consequente demanda, na literatura sobre os cinemas e demais produções audiovisuais (séries, novelas, dos canais de TV e de streaming digital), em relação aos papeis das mulheres e suas diversidades. Isso tanto à frente como por trás das câmeras. Embora seja marcante, há décadas, a abundante crítica feminista e de gênero sobre o mercado audiovisual em países europeus, norte-americanos, e em boa parte do mundo, o Brasil ainda hoje ressente-se dessa lacuna, tanto nos meios acadêmicos como na crítica especializada, e entre pessoas cinéfilas ou leigas.
São abordadas e aprofundadas questões fundamentais sobre a influência massiva das produções audiovisuais em comportamentos, políticas (sociais, culturais e de governos), economias, religiões, e nos cotidianos das sociedades globais e locais. Para as análises e os recursos de estudos de caso e críticas, foram repassadas as técnicas e teorias fílmicas, e as histórias dos cinemas mundiais, tanto os produzidos para as grandes bilheterias – em especial o de Hollywood – como os chamados “independentes”, os produzidos e distribuídos em menor escala. A pesquisa é, em essência, fundamentada nos estudos de gênero e feministas.
Há que se ressaltar que já existe um considerável corpo teórico e crítico sobre o cinema feminino e/ou feminista, inclusive com foco interseccional etnorracial, de orientação sexual, de gerações, ou de classe, em países do Norte e mesmo em algumas nações do Sul global, desenvolvido ao longo de décadas. Entretanto, no Brasil, os cursos superiores, e as pessoas interessadas nos temas, ainda dependem de traduções ou da literatura em línguas estrangeiras para estudar a fundo as representações femininas, as questões críticas, as estatísticas, e os modelos e estereótipos nos cinemas, nas TVs e nas atuais produções em canais de streaming digital, como a Netflix e o Hulu.
É claro, ainda há muito a ser feito, a ser mudado, no Brasil e mundo afora, mas passos em novas direções estão sendo dados nos cinemas, em suas práticas, teorias e histórias. Como exemplo, as novas gerações de cineastas e pesquisadoras que trabalham pela visibilidade e pelo reconhecimento das mulheres nas mídias. E o aumento significativo da presença feminina, inclusive das diversidades ou “minorias”, como roteiristas, produtoras, diretoras, editoras ou cinegrafistas, além de novos papeis modelo para as atrizes.
Em nossa contemporaneidade, as mulheres tendem a mudar a “cara”, as representações e os estereótipos, das produções audiovisuais. Promover maior equilíbrio entre os gêneros. No livro, as estatísticas mais atuais demonstram que, embora ainda em percentuais pequenos, já há uma filmografia importante que passa no Teste de Bechdel-Wallace – basicamente, um teste elaborado há 30 anos, nos Estados Unidos, para classificar filmes que destacam ao menos duas personagens femininas significativas ou principais, e que elas mantenham diálogos que contemplem assuntos inteligentes, que não girem em torno de um homem, por exemplo.
O recurso a farto material bibliográfico, arquivos e museus, e extensa filmografia, consegue oferecer uma cartografia do poder masculino e das formas representativas deste poder no imaginário e na prática da narrativa cinematográfica. Destaca-se que, apesar dos recentes avanços em produções que narram e dão crédito aos modelos de mulheres na História ou nas mitologias, como em Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, EUA, 2016) ou em Mulher-Maravilha (Wonder Woman, EUA, 2017), as estruturas de poder ainda repetem, perversamente e com intensidade, os estereótipos femininos arcaicos que fomentam os lucros da indústria do audiovisual. Por meio do mecanismo da simplificação, apagam diferenças sociais e culturais, e perpetuam preconceitos e violências de toda ordem em diversas sociedades do mundo contemporâneo globalizado.
Como dito na sinopse do livro, as histórias contadas sobre o cinema comprovam que, via de regra, filmes são produzidos por e para o fitar/olhar masculino (male gaze) dominante, que é imperial por ter lastro no poderio econômico, político e militar/físico/sexual, o que remonta à própria definição de imperialismo: é másculo, branco, territorialista, expansionista e dominador, por princípio. Seria o pensamento histórico de que “Europa” é o significado do continente branco, anglo-saxônico (ou ariano), masculino, de razão e ação ativas e criadoras. Os outros povos seriam estrangeiros e relegados às margens, às fronteiras.
O meio fílmico propicia percepções profundas por abranger e estimular todos os sentidos humanos, e tem sido veículo das ausências e marginalidade do feminino. As mulheres são relegadas ao silêncio, às omissões, ao estelionato de seus talentos e realizações, e às representações equivocadas e maldosas. E, em geral, há surpresas, mesmo por parte de especialistas em audiovisual, com os silenciamentos históricos sobre as mulheres que construíram “outros” cinemas mundiais, tanto quanto suas inovações narrativas audiovisuais, sendo que permanecem vivas e recorrentes ainda neste século 21.
Tentei uma narrativa fluída, que dialogue com quem lê, marcando pontos de fuga, intersecção e encontros, para que o livro possa ser lido por inúmeros cinéfilos, estudantes, professores/as, pesquisadores/as, e público leigo, ao mostrar que o cinema tanto recebe como oferece imagens, ideias, figuras, modelos de ordem e rebeldia. Pois é nessa rebeldia lúdica e inteligente que podemos resgatar filmes feitos por mulheres, para mostrar a possibilidade de outro Cinema, assentado na história dos e das silenciados/as, das esquecidas pela historiografia oficial e “oficialesca”. Enfim, ajudar a refazer outras histórias dos cinemas e das mulheres.
Doutora em História – Cinema, Teorias de Gênero e Feministas, Políticas de Representação Audiovisual, Transnacionalismo/culturalismo, Universidade de Brasília (UnB); mestra em Cinema e Vídeo (Master of Arts in Film and Video) pela The American University, Washington, D.C., EUA; e Jornalismo (UnB). Integrante do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar Vozes Femininas (CNPq/UnB). Foi professora visitante do Decanato de Extensão (DEX-UnB) e docente das faculdades de Comunicação da UnB, do UniCeub, do Iesb e do UniEuro. Tem publicado artigos acadêmicos em revistas científicas e capítulos de livros em áreas inter e multidisciplinares sobre cinemas, produções audiovisuais para TV/streaming digital, Gênero, Feminismos, História, Pos-Colonialismo e Estudos Culturais. Em 2019, inicia seu projeto de Pós Doutorado na Universidade de Cádiz, Espanha.
Lançamento: Entre Santas, Bruxas, Loucas e Femmes Fatales – (más) representações e questões de gênero nos cinemas. Editora Appris, 365 páginas.
Data: 20 de maio de 2019
Local: Restaurante Carpe Diem – CLS 104, Bloco 1
Horário: 19h
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