O Brasil afunda na escalada do Fascismo

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Atentados milicianos remetem à primeira metade do século 20

“O barulho seco no lado direito do ônibus provocou silêncio. Pedras de novo, pensei. Pedras, alguém falou. O ruído foi diferente.” Com essas palavras, a jornalista Eleonora de Lucena, 60 anos,  ex-editora-executiva da Folha de S. Paulo, e que hoje dirige o site tutameia.jor.br,  inicia seu relato, publicado hoje na própria Folha, sobre o atentado contra a Caravana da Cidadania, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A jornalista afirma que carros da Policia Militar do Paraná passaram pela Caravana, minutos depois dos barulhos dos tiros, mas não acompanharam nem pararam o comboio, o qual se deslocava entre as cidades de Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul.

A apenas um quilômetro do destino, o motorista do ônibus em que ela e outros jornalistas estavam parou. Pneu furado. Desceram. Miguelitos (ganchos de metal) nos dois pneus da direita. “Logo identificamos as marcas dos projéteis”, conta Eleonora. “Foi um atentado”, afirma.

Marcas de balas e os “miguelitos” usados para furar os pneus. O objetivo: parar a Caravana para facilitar os tiros.

Por que a PM passou pelo comboio e nada fez? Queriam verificar algo? Saber de algo? Aliás, por que as policias dos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná estão absolutamente inertes frente aos ataques de fascistas, “bolsonaristas”, aprendizes de um nazi-fascismo tropical tosco, mas extremamente violento, contra a caravana do PT?

Já agrediram e hospitalizaram mulheres – inclusive, uma mãe (que tem câncer) acompanhada de sua criança-, e bateram e arremessaram pedras e ovos em militantes, em jornalistas e em políticos que seguem o comboio. Imagens de “capitães do mato”, ou proprietários rurais, chicoteando trabalhadores e trabalhadoras, que eles arbitrariamente ainda tratam como escravos/as, já rodaram o mundo, via agências da imprensa internacional e as do Brasil, mas nada, zero, foi feito pelos governos estaduais e o federal. Nenhuma medida, e quase nenhum policiamento, para garantir as liberdades coletivas e individuais de ir e vir, dos direitos democráticos.

Ruralista ataca, com chicote, trabalhador que militava pela Caravana de Lula, na Universidade Federal de Santa Maria (RS). Foto: UOL Notícias

Estamos, nós todos e todas, no Brasil, vivendo um prenúncio de nova ditadura militarista, extremista e fundamentalista. “A escalada fascista subiu mais um degrau. Grupos ultradireitistas não enxergam limites”, ressalta Eleonora Lucena. Para quem não sabe, o nazismo alemão registra, em seus anos iniciais, entre as décadas de 1920 e 1930, exatamente o mesmo modus operandi. Milícias de (extrema) direita, armadas (com pedras, paus, facas, cassetetes e armas de fogo), a atacar qualquer grupo discordante da “nova ordem”, de grupos como a Schutzstaffel (em português, “Tropa de Proteção”), abreviada como SS, ϟϟ (em alfabeto rúnico), que foi uma organização paramilitar ligada ao partido nazista e a Adolf Hitler.

Tais paramilitares supostamente “protegiam” cidadãos e cidadãs alemães contra exatamente os mesmos grupos que (hoje) os milicianos preconceituosos e imbecilizados do Brasil supõem seus inimigos: “comunistas”, “socialistas”, pessoas LGBT, imigrantes (e migrantes brasileiros do norte e do nordeste), ou pessoas de religiões, raças e etnias diversas das do “puro sangue” ariano/saxônico, como as judias, negras, muçulmanas, enfim, o “resto” da humanidade.

“Lincha, é comunista!”, ouviu a jornalista Eleonora, ao receber uma ovada na cabeça quando saía do hotel onde estava hospedado o ex-presidente Lula, sábado passado, em uma das pequenas cidades sulistas pelas quais passou a caravana. “Vi isso crescendo nos últimos dias. Adeptos de Bolsonaro, ruralistas, pessoas violentas que gritam e xingam (…) O país precisa reagir. O atentado não foi só contra Lula. O projétil foi contra a Democracia. Democratas precisam aprender com a História e formar uma frente ampla contra o fascismo”, conclama a jornalista.

Lula chama de nazismo os atentados contra sua caravana pelo Sul

Ela tem toda a razão. Principalmente, porque logo após o atentado, que já era notícia nos principais jornais do mundo, como o New York Times, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), presidenciável que é investigado por atos de corrupção nos casos do metrô e do rodoanel paulistas, afirmou de forma categórica e brutal que o “PT colhe o que planta”.

A declaração reflete de maneira fiel o que está registrado nas redes sociais por parte de militantes da (extrema) direita, ou dos que “odeiam o PT”. Algo como “deveria ter acertado o Lula” ou “pena que não mataram o cara”. Fascismo. Ódio descomunal e frívolo, motivado por crenças que beiram o fanatismo e que atuam no sentido de destruir adversários políticos, sociais e/ou econômicos. Frente à intensa reação pública contra o discurso desumano, o pessedebista Alckmin mudou o tom, nesta quarta-feira (28), sobre o ataque à caravana Lula.

O governador publicou nas redes sociais que “é papel de homens públicos pregar a paz e a união”. Além de ser um retrógrado machista, que só conclama os “homens” públicos a fazerem algo, o remendo fica pior que o soneto porque soa super falso. Ele manteve o ataque pessoal a Lula, como se fosse culpa do petista o atual nível de barbárie pelo qual passa o Brasil. Pela divisão do país.

Algo completamente cínico se lembrarmos que foi o senador Aécio Neves (PSDB-MG), outro denunciado por corrupção e derrotado nas eleições presidenciais, quem incitou o clima de disputa e ruptura com o PT e com as esquerdas. Sem contar que foi ele o principal articulador, logo após a derrota nas urnas, juntamente com a cúpula do PMDB, da deposição da presidenta reeleita Dilma Rousseff, sem indícios nem provas de corrupção ou de crime de responsabilidade.

O fato é: o que se iniciou com um impeachment que supostamente percorreu todos os trâmites legais, com a aprovação do Supremo Tribunal Federal (STF) e a condução do então presidente da Câmara, agora presidiário, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje chega às raias da selvageria. E tudo o que está ocorrendo no país nas últimas semanas pode levar às “desculpas” por parte da direita, especialmente do ultra impopular governo Michel Temer, a ventilar ou a promover a suspensão das eleições deste ano. Um novo golpe na democracia é algo que vem sendo temido e debatido há tempos por intelectuais do Brasil e mundo afora.

Após o atentado que assassinou a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), que era contra a intervenção militar no Rio de Janeiro, Michel Temer reforçou o discurso sobre a “necessidade” da intervenção. Ou seja, usou o atentado contra a combativa vereadora pelos direitos humanos, especialmente, nas favelas e periferias, para justificar seu ímpeto pela militarização no país. Aliás, o governo federal simplesmente não dá notícias sobre as “investigações” do caso Marielle. Passadas duas semanas, a imprensa internacional e o PSOL cobram, sem respostas, a solução sobre a responsabilidade pela autoria do assassinato.

Agora, após a repercussão mundial dos ataques à caravana Lula, novamente o governo aventa tal necessidade, dado o caos e a divisão política do Brasil. Até outubro, a sociedade brasileira viverá um limbo, um suspense, sobre seu destino e seu frágil regime democrático.

Se alguém acredita que essas sejam apenas ilações alarmistas, basta ler o que o colunista de O Globo, Ricardo Noblat, publicou nesta quarta-feira (28):

“Um ministro muito próximo do presidente Michel Temer duvida que haja eleições em outubro próximo. Acha que o agravamento do quadro de tensão política no país não permitirá.” — Blog do Noblat (@BlogdoNoblat) March 28, 2018

Ou seja, já há balões de ensaio sendo soltos pelo próprio governo Temer para testar a sociedade. Ver até onde podem chegar. Experimentar, inclusive, o humor dos militares e suas reações. Um colunista político do porte do Noblat, que é da geração do próprio Temer e o conhece há muito, não publicaria algo assim caso o governo não quisesse que fosse jogado no ventilador.

O Brasil corre o risco de viver um novo golpe de Estado, desta vez com os militares, com tudo. E talvez ter que se submeter, à força, a um prolongamento do governo Michel Temer. Este sabe muito bem que não tem chances de vencer as eleições. Sua candidatura, já anunciada, não alcança a aprovação, ou intenção de votos, de 3% do eleitorado. Sua assessoria já deixou passar informações de que o objetivo da candidatura seria principalmente para que Temer possa se defender dos ataques de outros candidatos e candidatas. Certamente, ele será a “Geni” (da canção de Chico Buarque) das próximas eleições.

Candidatos à presidência, Manuela D’Ávila (PCdoB), Lula (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) reuniram-se em ato pela democracia, no encerramento da caravana no sul do país, em Curitiba, hoje (28). Para o ex-presidente, a imprensa foi conivente e responsável pelo ódio no Brasil.
A ex-presidenta Dilma Rousseff (PT)

Denúncia Internacional

A presidenta deposta Dilma Rousseff divulgou em seu blogue, na noite de terça-feira (27), uma nota em que comenta o atentado a tiros sofrido pela caravana do ex-presidente Lula no Paraná. No texto, Dilma classifica o ataque como “inaceitável” e prometeu denunciar a tentativa de intimidação mundo afora:

“O atentado ocorrido no final da tarde desta terça-feira, 27 de março, contra um ex-presidente da República do país é grave e ocorre num momento difícil para o Brasil. A tentativa de intimidar o presidente Lula e a Caravana Lula pelo Brasil, com tiros e agressões, é inaceitável. Não estamos mais nos anos 50 do século passado, ou na ditadura militar, quando a eliminação física de adversários políticos era uma constante no Brasil e na América Latina. Essa prática não pode ser tolerada. Tais ataques não vão intimidar democratas e militantes políticos. O fascismo é intolerável e será denunciado por todos nós, que acreditamos na justiça social e na política como instrumento de transformação da realidade. Toda solidariedade a Lula e aos integrantes da Caravana que estão sendo agredidos. Denunciaremos em todos os cantos do Brasil e do mundo essa tentativa torpe de calar a todos os que se opõem ao arbítrio e ao Estado de Exceção no Brasil.”  Dilma Rousseff

Moro e a Prisão dos Holofotes

O Brasil deve ser um dos poucos países do mundo, senão o único, em que um juiz de primeira instância, de uma vara qualquer em seu imenso território, arroga-se o direito, e o estrelismo proporcionado por uma imprensa oportunista, de cobrar atitude específica de um/a ministro/a do Supremo Tribunal Federal (STF). Notem que nem mesmo o juiz italiano Francesco S. Borrelli, responsável pela famosa Operação Mãos Limpas, jamais comportou-se com tamanha desfaçatez.

Aliás, como bem ressalvam alguns juristas brasileiros e italianos, é um acinte comparar a Lava-Jato brasileira com a operação ocorrida na Itália, entre 1992 e 1996. Até mesmo porque o juiz Borrelli evitava a imprensa e os holofotes como o diabo foge da cruz. De todos que formaram a equipe italiana, apenas um promotor, Antonio Di Pietro, gostava de aparecer na imprensa. Mais tarde, foi obrigado a deixar a magistratura após um episódio com Paolo Berlusconi, irmão do ex-premiê Silvio, segundo relatos dos jornais Corriere della Sera e La Repubblica. Di Pietro, e essa parece ser a única semelhança com membros da operação brasileira, ingressou definitivamente na política, há alguns anos.

Bom, o fato é que, para coroar sua cruzada “contra a corrupção”, e aparecer ainda mais nas mídias, o juiz Sérgio Moro, e trupe curitibana, quer que o STF decida pela prisão logo após a confirmação de penas contra réus em tribunais de 2ª instância. Acontece que isso é inconstitucional no Brasil. Moro sabe disso, apesar de jamais ter feito o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ter sua formação bastante questionada.

O desejo do juiz é claramente direcionado ao caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu pedido de liminar, em exame no STF, para o Habeas Corpus. Isso é irônico, pois Lula parece ser o único político brasileiro que teve todo o seu processo – denúncias, investigações, interrogatórios, julgamentos em 1ª e 2ª instâncias – realizado em tempo ultra recorde na história do Judiciário brasileiro. E agora o STF é cobrado de forma desavergonhada para que não reconheça o direito de um cidadão aos preceitos constitucionais, em cláusula pétrea, em vigor no país.

O próprio STF já deveria ter julgado – caso a presidenta da Corte, ministra Cármen Lúcia, houvesse pautado – as liminares concedidas às Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43 e 44 pela legitimidade constitucional, ou não, e condicionar o início do cumprimento da pena de prisão ao trânsito em julgado (nas cortes superiores). A matéria foi liberada pelo ministro Marco Aurélio Mello, para ir a plenário, desde dezembro passado. Os Juristas pela Democracia emitiram carta aberta, aos ministros e ministras do Supremo, na qual protestam e dão parecer contra a prisão após decisão de 2ª Instância, que fere a Constituição Federal.

O colunista de O Globo, Bernardo Mello Franco, publicou artigo onde conta que o ministro Marco Aurélio culpa a ministra Carmem Lúcia pelas pressões e pelo desgaste que a Corte vem sofrendo, nas últimas semanas, devido ao caso do ex-presidente Lula:

Na opinião de Marco Aurélio, a decisão de Cármen expôs o Supremo às tensões da guerra política. Ele insiste que era melhor ter julgado as duas ações genéricas que questionam a prisão de réus condenados em segunda instância. “O desgaste para o tribunal está terrível. Isso demonstra que a estratégia da presidente foi falha. Foi muito ruim julgarmos só o caso do ex-presidente. Agora estamos pagando um preço incrível”, afirmou o ministro.

A mesma opinião tem o colunista Janio de Freitas, da Folha de S. Paulo. Para ele, a arbitrariedade aberta pela possibilidade de prisão enquanto a pessoa ainda está em julgamento e pode recorrer aos tribunais superiores fere os princípios lógicos e está sujeita a vontade da pessoa dos juízes, em detrimento de uma cláusula pétrea que a Constituição Federal traz em seu Artigo 5º. (Leia aqui o artigo)

Ou seja, o STF apenas poderia mudar o entendimento sobre a prisão de qualquer réu ou ré, após o trânsito em julgado nos tribunais superiores, caso o Legislativo aprove uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que modifique a cláusula pétrea constitucional. O casuísmo exibicionista, de pura propaganda política, do juiz Moro e de seu séquito de promotores curitibanos, não pode interferir nessa decisão do STF, ou em uma eventual votação da PEC no Legislativo. Nem tampouco a imprensa brasileira. Isso é papel da sociedade civil e do eleitorado. São os que devem propor, argumentar, debater e convencer seus e suas representantes no Congresso Nacional.

Um trabalho de monitoramento da internet, realizado pela pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e antropóloga Adriana Dias, detectou um crescimento de quase 170% no número de páginas virtuais com conteúdo neonazista em português, espanhol ou inglês entre 2002 e 2009 – de 7,6 mil para 20,5 mil. Além disso, fez uma análise sobre a origem de internautas que baixavam um número expressivo (superior a 100) de materiais com cunho discriminatório.

O cruzamento de informações permitiu à especialista estimar o número de simpatizantes do ideário extremista no Brasil. Os Estados do Sul lideram o ranking da intolerância, cujo topo é ocupado por Santa Catarina e seguido por Rio Grande do Sul e Paraná. Características culturais e históricas podem ter relação com a maior prevalência dos grupos de ódio nessa região, de forte imigração europeia. Os seguidores da cartilha neonazista costumam defender a “superioridade” da raça branca sobre as demais e a perseguição contra pessoas negras, judias e LGBTI.

Os dados compilados pela pesquisadora indicam ainda que há comunidades de orientação neonazistas em 91% das 250 redes sociais monitoradas pela antropóloga, e que o número de blogs sobre o assunto cresceu mais de 550% no período. Além de refletirem o crescimento da própria internet nos últimos anos, esses números sugerem que a facilidade para troca de informações de maneira relativamente anônima segue atraindo fanáticos – e fornecem uma pista sobre o perfil de quem propaga a violência no mundo virtual.

Sandra Machado

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