Hoje, 29 de agosto, é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. A data foi criada por militantes/ativistas lésbicas brasileiras, durante o 1° Seminário Nacional de Lésbicas – Senale, em 1996, e, a partir dela, foi também estabelecido Agosto como o mês do orgulho das mulheres LBT.
Os motivos para a criação do dia (ou do mês) da visibilidade são muitos. O principal é que entre todas as bandeiras de lutas dos movimentos de pessoas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersex), sobretudo contra as múltiplas violências sofridas devido à LGBTfobia, as mulheres lésbicas, bissexuais e trans são as mais invisibilizadas e deixadas ao léu, a descoberto. Até mesmo pelos movimentos que deveriam prover assistência. Quiçá, então, pelo resto da sociedade brasileira, a nação mais violenta do mundo em relação aos LGBTI.
Obviamente, isso se dá pelo machismo misógino que domina as sociedades patriarcais, e não deixaria de estar presente, também, em parte dos gays e, infelizmente, em parte das próprias mulheres. A misoginia é uma chaga social, que deve ser tratada como o que é: doença. O resultado dessa opressão múltipla é que as mulheres lésbicas/trans/bissexuais são assassinadas, violentadas, estupradas, espancadas e ridicularizadas publicamente, ou no espaço privado, no país. E são obrigadas, na prática, ao silenciamento, ao sofrimento solitário, e à invisibilidade nas estatísticas e na vida cotidiana. Dificilmente, podem contar com atendimento adequado por parte das autoridades públicas – nas áreas de segurança policial, judicial, ou mesmo da assistência social e de saúde mental. E, o pior, tampouco são acolhidas em suas famílias.
Essa realidade foi agravada no Brasil, de 2016 para cá, com o fim das políticas públicas nacionais voltadas especificamente à população feminina (e/ou interseccional – como as mulheres LBT, as negras, as indígenas e demais diversidades étnicas e de classes sociais), com a extinção das secretarias especiais de Políticas para as Mulheres e a da Igualdade Racial, pelo governo Temer. Um descaso flagrante para com os segmentos mais vulneráveis da população.
Infelizmente, há muitos motivos que justificam a criação dessa data, pois nossa sociedade ainda ignora a realidade das mulheres lésbicas, negando a representatividade lésbica em diversos espaços, ou inviabilizando pesquisas e ações sociais próprias para a realidade dessas mulheres. As mulheres lésbicas são alvo de violência simbólica, verbal, psicológica, física e econômica em todos os espaços: a família, a rua, os hospitais, a escola, o trabalho. Essa opressão imposta pela sociedade patriarcal causa muito sofrimento, podendo provocar a negação da própria sexualidade, afastamento de familiares, a construção de uma vida dupla e, em alguns casos, suicídio. Dentre as expressões mais extremas de violência contra lésbicas existe uma enorme ocorrência do chamado estupro “corretivo”, prática cruel que é movida pela intolerância à orientação sexual das mulheres lésbicas. É importante ressaltar que as mulheres lésbicas negras e/ou periféricas estão ainda mais vulneráveis a essas diferentes formas de violência. (Portal CAMTRA)
Segundo dados sobre a violência contra pessoas LGBTI, divulgados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), o monitoramento da violência nas Américas mostra que o Brasil concentra mais da metade dos assassinatos de pessoas LGBTI no continente.
Entre janeiro de 2013 e março de 2014, a CIDH constatou em seu Registro de Violência o assassinato de, pelo menos, 594 pessoas lésbicas, gays, bi, ou trans (ou percebidas como tal), sendo 336 casos apenas no Brasil. Houve, ainda, 176 vítimas de ataques graves, embora não letais, à integridade, aparentemente relacionados com a orientação sexual, identidade de gênero e/ou expressão de gênero. O relatório foi emitido em janeiro de 2015, e a pesquisa foi acompanhada da preocupação do órgão em combater a LGBTIfobia no continente.
Nessas condições adversas, as mulheres lésbicas correm o risco particular de violência devido à misoginia e à desigualdade de gênero na sociedade. Por meio de seus diversos mecanismos de monitoramentos, historicamente, a CIDH tem recebido informações sobre a vulnerabilidade das mulheres lésbicas a atos de violência sexual, ou de violência intrafamilar. No entanto, é grande a subnotificação de informações sobre esses atos.
Do total de casos de violência (letais e não letais) contra pessoas LGBT, naquele período, 55 foram contra mulheres lésbicas, ou percebidas como tais. Elas foram vítimas, ainda, de “estupro corretivo”, ou estupro para puni-las, com a intenção de “mudar” sua orientação sexual. Também foram alvo de espancamentos coletivos por causa de manifestação pública de afeto; e de ataques com ácidos; ou de entrega forçada a centros que se oferecem para “converter” sua orientação sexual – uma falácia e total desconsideração às orientações das organizações mundiais de saúde mental.
“As pessoas não entendem que identidade de gênero e orientação sexual são coisas diferentes e que não necessariamente caminham juntas. Dentro de casa elas estão expostas ao controle da sexualidade. Então, uma mulher lésbica sofre cárcere em casa para que ela não possa se relacionar, a violência sexual de irmãos, pais ou outros homens para que ela “aprenda” a gostar de um pênis, que é o estupro corretivo. Nos casos das travestis e transexuais, elas são bastante vítimas de violência sexual, por causa de um senso comum que diz ‘ah, é isso que você gosta?’, então, elas são estupradas para desestimular esse processo. É também violência quando no ambiente familiar lhe tiram o nome social ou quando a mídia vai falar sobre essa travesti ou a transexual e sem nenhuma necessidade expõe o nome de registro dela, ou quando colocam sempre um tratamento masculino.
Os índices de suicídio de adolescentes LGBT são elevadíssimos, porque você tem a própria questão de entender a sua sexualidade, a sua identidade, e essa relação de exclusão. É violência isso também.” Rute Alonso da Silva, advogada e presidente da União de Mulheres do Município de São Paulo.
Segundo a Agência Patrícia Galvão, a associação de preconceitos resulta em graves violações de direitos humanos cometidas em larga escala. A Agência mantém um dossiê em seu site sobre a Violência contra Mulheres Lésbicas, Bis e Trans. Nele, divulga os dados que, por meio de seus diversos mecanismos de monitoramentos, historicamente, a CIDH acumulou de informações sobre a vulnerabilidade da população LGBT a atos de violência sexual ou familiar e constatou que, em todo o continente americano, as mulheres LBT correm o risco particular de violência devido à misoginia e à desigualdade de gênero na sociedade.
O documento da CIDH aponta ainda o fator “violência médica” contra as pessoas transexuais e intersex, em especial a intervenção cirúrgica para “normalizar” seus corpos, particularmente os genitais, que é o resultado de protocolos médicos aprovados pelo Estado, e não são divulgados pela imprensa nem denunciados pelas famílias ou pelas organizações civis.
A violência familiar e a autolesão também são abordadas nos dados da CIDH, que constatou casos de suicídio, deflagrados, em sua maioria, de acordo com as fontes que documentam essa violência, por rejeição familiar, desaprovação dos pais, ou bullying na escola. Ainda de acordo com as informações recebidas, as pessoas LGBTI jovens são mais propensas à autolesão e a cometer suicídio pela falta de aceitação de sua orientação sexual ou identidade de gênero por parte da família e da sociedade como um todo.
Mesmo em termos de estatísticas, as mulheres lésbicas enfrentam a omissão das autoridades brasileiras. As últimas tentativas de mapear a violência contra elas, no Brasil, são de 2013. Porém, os casos específicos das mulheres LBT estão difusos. A possibilidade da violência, em casa e fora dela, é um dado difícil de ser mapeado, devido à conjugação dos vários preconceitos que elas enfrentam.
De acordo com o Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil (SDH, 2013), em 2012, foram registradas pelo poder público 3.084 denúncias, de 9.982 violações relacionadas à população LGBT no Brasil, sendo que em uma única denúncia pode haver mais de um tipo de transgressão. O número representa um aumento de 166% em relação ao ano anterior.
Desde os anos 1990, sobretudo a partir da criação da data pela visibilidade lésbica, as ações são coordenadas por entidades como ABGLT, Liga Brasileira de Lésbicas, Rede Afro LGBT, Rede de Lésbica Negras (Candace), Sapatá, Núcleo de Gênero e Sexualidade da Universidade Estadual da Bahia, Núcleo de Pesquisas em Sexualidade da Universidade Federal do Tocantins, e, mais recentemente, também pela Diretoria da Diversidade da Universidade de Brasília (DIV-UnB), e por novas associações lesbo-feministas como a Coturno de Vênus (Brasília).
Em 2003, após a morte da ativista lésbica Rosely Roth, houve também a iniciativa de consagrar o dia 19 de agosto como o dia nacional do orgulho lésbico. Nesse dia, em 1983, ativistas lésbicas lideradas por Rosely e acompanhadas de participantes de outros movimentos sociais ocuparam o Ferro’s Bar, em São Paulo, em resposta às agressões lesbofóbicas ocorridas ali, algumas semanas antes.
Naquele ano, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias – CDHM, do Congresso Nacional, soltou nota em que afirmava ser aquele “o dia nacional da visibilidade lésbica, que marca um momento de lutas e resistência. A histórica discriminação das pessoas LGBT, materializada muitas vezes em assassinatos, agressões físicas e verbais tem limitado acesso aos direitos.(…) A ausência de políticas incisivas de combate ao chamado “estupro corretivo”, motivado pela intenção lesbofóbica de corrigir a orientação sexual das lésbicas, e a invisibilização das mulheres lésbicas mesmo quando os debates LGBT estão em voga, são questões que merecem atenção especial e batalhas por transformação”.
Em nossa contemporaneidade, já no século 21, é prá lá de absurdo que as mulheres, lésbicas, bis, trans – ou mesmo as heterossexuais – ainda tenham que esconder ou mascarar suas orientações, gostos, comportamentos, preferências, ou atitudes e desejos, pessoais, profissionais – privados e públicos –, por medo. O receio de ataques físicos, morais e psicológicos. E os prováveis boicotes em suas vidas profissionais e/ou particulares. Ainda não há muito a comemorar, mas a força das mulheres lésbicas é saudável, é apaixonante, e torna-se VISÍVEL!
“Lésbica, sapata, fancha. Sapatão. Somos, não importa o nome, mulheres que amam mulheres. Mulheres que se relacionam, sexual e afetivamente, com mulheres. E só com mulheres. Não importa a classificação que se queira dar, não somos enquadráveis. Somos muitas. De todos os jeitos, cores, trejeitos, números, vestimentas. Nós existimos. Temos amores, famílias, trabalhos, dores, delícias. Temos corpo, temos rostos, temos história. Andamos pelo mundo, estamos nos bares, nos ônibus, em um lugar bem perto de você. E já é hora de não nos escondermos mais. De transitarmos por aí como somos. De amarmos livremente, sem estarmos confinadas em guetos ou armários empoeirados. Porque já basta de lesbofobia! DIA 29 DIA DA VISIBILIDADE LÉSBICA. E dia de ser visível é todo dia! SAPATÃO PRESENTE. #visibilidadelésbica Dra. Silvia Badim, professora da UnB.
Veja os vídeos da Campanha ‘Livres & Iguais’ da ONU, lançada em 2016, para apoiar o Dia Nacional da Visibilidade de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, celebrado nacionalmente. “As Nações Unidas promovem conscientização contra o preconceito nas redes sociais e alertam para formas de violência naturalizadas contra esse público”.
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