Aumento dos Crimes de Ódio é Assustador

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Brasil: a casa grande dos horrores

Com certa tristeza, penso em que tipo de nação, de sociedade, forma, e informa, o povo brasileiro. Todo ele. De todas as classes e estratos sociais. Pois, vêm de todos os lados, neste país, os ataques físicos, morais e psicológicos, os espancamentos e os assassinatos contra pessoas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais, travestis, e intersexuais) – a homo/lesbo/transfobia; contra pessoas indígenas, negras, imigrantes (de países da América Latina, da Ásia, do Oriente Médio ou da África) – o racismo e as fobias contra povos que buscam ajuda e asilo; e contra as mulheres – o machismo e a misoginia.

LGBTIs protestam em São Paulo (2017) contra o juiz do DF que liberou a “cura gay”. Foto: Nelson Almeida/AFP

O Brasil é, há décadas, o campeão mundial em assassinatos e violência contra pessoas LGBTI. Na semana passada, foram divulgadas estatísticas que mostram o crescimento assustador desses crimes de ódio. Somente em 2017, foram quase 450 assassinatos de pessoas LGBTI, com aumento de 30% em relação aos registros de 2016. O país figura, também há décadas, entre o quarto e o quinto lugares em violências e assassinatos de mulheres por questões de gênero (feminicídios), com uma morte violenta a cada 1h15 (entre 13 e 15 casos diários).

E, desde sempre, esta é a nação que mais mata e violenta os direitos humanos e civis de cidadãos e cidadãs pretos ou pardos, indígenas e, de maneira interseccional, das pessoas mais pobres – as populações das periferias urbanas, das favelas, e as do campo. Principalmente, os povos tradicionais indígenas e quilombolas.

Há séculos, o Brasil causa perplexidade por sua violência, seus preconceitos, suas fobias sociais, e seus modos de ferir e depreciar os direitos humanos, civis e de cidadania. Entretanto, causa especial espanto os retrocessos neste Século 21. É temerária a alienação de grande parte da população. É vil e terrível a veia fascistóide que toma conta das redes sociais e suas mídias, em seus valores e premissas de convivência nos âmbitos público e privado.

Os casos notificados e incluídos nas estatísticas oficiais do ano passado somam 445 assassinatos de pessoas LGBTI em todo o país. Há os que são sub ou não notificados como crimes de ódio nos registros policiais. O estado que mais matou foi São Paulo (59), seguido de Minas Gerais (43) e Bahia (35). Foi o período com maior número de crimes desde o início das pesquisas, há 37 anos.

Isso significa que a cada 20 horas uma pessoa gay morre de forma violenta por motivação homolesbotransfóbica no país. O grupo formado pelas travestis aparece em segundo lugar nas estatísticas: 132 perderam a vida. Uma delas é Dandara dos Santos, agredida e assassinada no Ceará, que está em 4º lugar no ranking do ódio. O caso Dandara foi um dos mais noticiados de 2017 no mundo, pela brutalidade e pelo requinte de crueldade e ódio do crime.

O relatório Pessoas LGBT Mortas no Brasil, do Grupo Gay da Bahia (GGB), divulgado na semana passada (17), apresenta dados relevantes sobre as dificuldades da população queer no país. Houve crescimento de 30% dos assassinatos em relação a 2016, que registrou oficialmente 343 casos.

A situação piora, anualmente, devido ao claro avanço do conservadorismo, de (neo) fundamentalistas fascistoides e machopatas que saíram do armário nos últimos tempos. Especialmente, entre 2016 e 2017. Quando as leis e as liberdades democráticas são desrespeitadas em níveis de governo, da política, e no âmbito judicial e midiático, o que esperar do resto da sociedade? O Brasil de agora parece uma nau à deriva. Sem capitão, ou capitã, nem timoneiro/a.

Dandara, 42, foi espancada e morta a tiros em agressão gravada em vídeo, que foi divulgado nas redes sociais. Foto: Arquivo Pessoal

As leis estão aí. Como a Maria da Penha, para os casos de feminicídios, estupros e outras violências contra as mulheres. Há leis contra o racismo e contra as diversas formas de discriminações com base em cor, etnia, idade, religião, ou deficiências físicas/mentais. E é visível a urgência em aprovar o projeto de lei que criminaliza a homofobia. Este roda pelo Congresso Nacional há 12 anos, mas as bancadas BBB – da Bíblia (religiosos), da Bala (segurança) e do Boi (ruralistas) – fazem de tudo para não votar ou para barrar tal projeto.

Para além dos crimes de ódio contra mulheres e LGBTI, o Atlas da Violência 2017, lançado este mês pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que jovens (homens) negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no país. A população negra corresponde à maioria (78,9%) dos 10% de indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios.

Atualmente, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, a população negra tem chances 23,5% maiores de ser assassinada em relação às pessoas brancas, já computado o efeito da idade, da escolaridade, do sexo, ou do estado civil e do bairro de residência. “Jovens negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra”, atesta o estudo.

Outro dado revela a persistência da relação entre o recorte racial e a violência no Brasil. Enquanto a mortalidade de mulheres não-negras (brancas, amarelas e indígenas) caiu 7,4% entre 2005 e 2015, entre as mulheres negras o índice cresceu 22%.

Nos casos de estupros, os dados oficiais brasileiros formam estatística da ocorrência de um caso a cada 11 minutos. Isso nos registros divulgados, pois é sabido que a imensa maioria dos casos nem chega às delegacias. O Ipea divulgou, entre 2013 e 2014, estimativa de que os números de estupros e outras violações sexuais podiam chegar a mais de 527 mil casos por ano, no país. Ou seja, a média real seria de um estupro a cada 15 segundos. O pior de tudo: 70% das vítimas são crianças e adolescentes. É uma nação de pedófilos – doença colateral do machismo, pela sensação de poder, de dominação de pessoas vulneráveis.

Para reeducar esta sociedade, algo a longo prazo dada a selvageria em que vivemos, as políticas públicas nacionais devem passar, em primeiro lugar, pela estabilidade dos valores democráticos e pelo respeito às leis. Há que se compreender que uma nação civilizada e que se quer desenvolvida prima pelo acato à equidade de direitos, às diversidades, à igualdade e às liberdades individuais.

Li em artigo publicado no jornal francês Libération, pelo badalado espanhol (nascido Beatriz) Paul B. Preciado, filósofo transgênero que propõe uma revolução onde se questione a diferença sexual e as hierarquias raciais e de gênero que dão visibilidade aos insubmissos, tradicionalmente deixados à margem da sociedade: trabalhadoras/es sexuais, (i)migrantes, atrizes pornô, lésbicas, as transexuais e os transexuais, em suma, a queer nation:

“(…) Gostaria de me manifestar enquanto contrabandista entre dois mundos: o ‘dos homens’ e o ‘das mulheres’. Deixe-me dizer-lhes, do outro lado do muro, que o quadro é muito pior do que a minha (anterior) experiência como lésbica me permitiu imaginar. Desde que vivo como-se-eu-fosse-homem no mundo dos homens (consciente de encarnar uma ficção política), consegui verificar que a classe dominante (masculina e heterossexual) não abandonará seus privilégios porque enviamos muitos tuítes ou demos alguns gritos. É preciso aprender a desejar liberdade sexual”.

Ao tomar como exemplo o que tem ocorrido em nações que enveredam para retrocessos inaceitáveis, como a brasileira, concordo com Preciado quando defende a estética queer ante a estética heterossexual. Para ele, a “estética grotesca e assassina da heterossexualidade” renaturaliza diferenças sexuais e coloca homens na posição de agressores e mulheres (ou as pessoas às margens) na de vítimas “dolorosamente agradecidas ou felizmente incomodadas”.

Se somos, em nossas performances políticas (nos âmbitos público e privado), construtos sociais e culturais, podemos buscar a felicidade na História, com legitimações das diversidades, da igualdade, e das liberdades. Mais amor, por favor!

Sandra Machado

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