Neste Dia especial, dedicado com carinho, amor e atenção às Mães, o Blog da Igualdade publica artigo da socióloga Ana Liési Thurler*, mãe solo, doutora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), autora do livro Em Nome da Mãe – o não reconhecimento paterno no Brasil (Editora Mulheres, 2010). Atualmente, ela repensa essa pesquisa, e tem projeto para outro livro sobre o tema mães solo e as demandas pela universalização dos Direitos Reprodutivos, redistribuição de poder entre mulheres-mães e homens-pais, e políticas públicas para aumentar a eficácia do Estado, suprir a carência de creches, e debater preconceitos de toda ordem na sociedade brasileira.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017, mais de 57 milhões de lares brasileiros são chefiados por mulheres, o que significa algo em torno de 40% das famílias do país. Desse total, aproximadamente 57% das famílias chefiadas por mulheres com filhos/as vivem abaixo da linha da pobreza. Entre as mulheres negras, a proporção sobe para 64,4%.
Hoje, 26,5% de brasileiras e brasileiros são considerados pobres, segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS-IBGE), que segue o parâmetro adotado pelo Banco Mundial para definir a pobreza: famílias que vivem com até US$ 5,5 (R$ 25) por dia, por pessoa no domicílio. Dentro desse grupo de brasileiros/as, há um outro: o das mulheres que sustentam sozinhas a casa com filhos/as de até 14 anos. Segundo o levantamento do IBGE, 56,9% dessas mulheres estão abaixo da linha da pobreza. E se a raça for levada em conta, o cenário piora: 64,4% das mães negras vivem nessas condições de (extrema) pobreza.
Ana Liési Thurler*
Mães solo traduzem modos de vida contemporâneos que mulheres — sendo mães — podem ter. É importante e necessário dar visibilidade às mães solo que dedicam cuidados a uma criança, seja filha ou filho biológico, seja filha ou filho adotivo. A expressão “mãe solteira” — até recentemente consagrada — associa a maternidade a um estado civil, sugere falta, carência, não acolhendo a pluralidade de situações que, atualmente, podem envolver a maternidade.
Definitivamente, a maternidade não é um estado civil. Essa vinculação interessa ao patriarcado, que pretende legitimar nascimentos havidos estritamente no interior do casamento, o que fere frontalmente nossa Constituição de 1988. Nela, foi banida toda adjetivação para filhos e filhas. Até então, falava-se em “filho ou filha legítimo/a”, “filho/a ilegítimo/a”…
Há uma modalidade de experiência de maternidade solo, fundada no exercício da liberdade. Isto é, a mulher escolhe viver essa experiência. Pode se dar com a adoção de uma criança; ou gerando filhos por inseminação artificial, sem parceiro ou parceira; ou, ainda, quando em um relacionamento ocorre a gravidez e o parceiro não manifesta disposição de assumir a criança, mas a mãe opta por levar adiante a gravidez e ter a criança como mãe solo.
Há outra possibilidade em que, ao contrário, a condição de mãe solo não resulta de uma escolha, não é fundada na liberdade. São os casos mais comuns na sociedade patriarcal brasileira. Os de mulheres cujos companheiros, ao terem notícia da gravidez ou após o nascimento da criança, abandonam ambos a mulher e o bebê. Essas mães tornam-se sós na criação das crianças.
Hoje há uma pluralidade de famílias completas e incríveis: duas mães, dois pais, mãe ou pai solo. Pai e mãe constituem somente uma das possibilidades. Quanto ao estado civil, mãe solo pode ser divorciada, casada ou solteira. O pai saiu de cena, deixou de participar por iniciativa própria ou por circunstâncias, como é o caso da população encarcerada masculina.
Segundo o IBGE, mães são chefes de família em mais de 40% dos lares brasileiros, significando em torno de 60 milhões de domicílios. Entre essas, 57% vivem abaixo da linha da pobreza. Com o recorte racial, as desigualdades se agravam. Entre as mães negras, 65% dos lares vivem abaixo da linha da pobreza. Lembremos que núcleos constituídos por um homem sem cônjuge, com filho/a, representa apenas 3,6% de nossas famílias.
As mães solo são guerreiras. Elas nutrem, amam, cuidam, maternam, educam, protegem. Não contam com o apoio do pai que, muitas vezes, esquiva-se mesmo do reconhecimento legal, formal do filho, na certidão de nascimento. E a mãe solo se torna a responsável financeira pela criança.
Mães solo encaram preconceitos, enfrentam discriminações para encontrar trabalho. São milhões de mães solo no Brasil. Guerreiras, poderosas, lutam para criar brasileirinhas e brasileirinhos face à ausência do Estado, a raridade de creches, os preconceitos de toda ordem, em uma sociedade sexista, patriarcal, que agrava suas condições de vulnerabilidade.
Celebremos essas heroínas! Cultivemos a empatia, desencorajemos discriminações. Salve nossas mães solo! Elas têm o maior merecimento e nós temos o direito a crescer e a reeducar-nos permanentemente.
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* Doutora em Sociologia, pesquisadora da UnB, feminista, mãe solo, autora de Em nome da mãe – O não reconhecimento paterno no Brasil.
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