O que mudou no futebol feminino após um ano da Copa da França?

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Há um ano, a maior Copa do Mundo de Futebol Feminino começava a mostrar a força da modalidade. Com recordes de públicos e audiências, a Copa da França 2019 derrubou tabus que insistiam em menosprezar as mulheres nos gramados. A competição teve mais de 1 milhão de ingressos vendidos e transmissão de mais de 200 emissoras de TV. Resultado: 1 bilhão de telespectadores. Mas o que realmente mudou nos campos de futebol brasileiros passada a euforia criada pela Copa?

Jogadoras e gestoras da modalidade confirmam que foi possível notar uma mudança ao se olhar para o futebol feminino. A visibilidade que o esporte ganhou com o sucesso do Mundial de 2019 foi o ponto de partida para que melhorias pudessem acontecer. Para Aline Pellegrino, ex-jogadora e coordenadora do departamento de Futebol Feminino da Federação Paulista de Futebol (FPF), o maior impacto da última Copa do Mundo feminina foi de promover a credibilidade e a visibilidade do futebol jogado pelas mulheres em alto nível.

“A cobertura feita na Copa do Mundo da França, com um volume inédito de profissionais envolvidos, ajudou a ampliar o engajamento entre público e Seleção Feminina. Me chamou bastante atenção a atuação da mídia impressa, que publicou nos jornais muitas informações referentes ao futebol feminino”, avalia Aline Pellegrino. A gestora ressalta que, pela modalidade estar em processo de desenvolvimento, a visibilidade é um dos pilares estratégicos mais fundamentais.

Na avaliação de Tamires, meia atacante e lateral esquerda do Corinthians e da Seleção Brasileira, que atuou nos campos durante o Mundial da França, a Copa abriu os olhos de confederações e federações da modalidade para algumas coisas no Brasil. “Eu não falaria que foi uma pressão, mas o olhar de profissionalismo dado ao futebol feminino pela FIFA é um motivo para as confederações e federações olharem e pensarem que também precisam fazer o seu dever”, pontuou a jogadora.

O sucesso da Copa do Mundo da França foi confirmado pela audiência dos jogos, que registraram 1 bilhão de telespectadores em todo o mundo. No Brasil, em especial, o potencial da modalidade ficou evidente. A disputa com maior audiência da competição teve o país em campo: 59 milhões de pessoas assistiram a Brasil x França, pelas oitavas de final (35 milhões só no Brasil). Na final, entre Estados Unidos e Holanda, o Brasil foi o país com mais audiência mesmo sem estar em campo, com 19,935 milhões de telespectadores.

O potencial do futebol feminino fica evidente

No Brasil, meses após o Mundial, jogos decisivos do Campeonato Paulista começaram a chamar atenção do público e da mídia. “Tenho certeza que [a visibilidade da Copa] ajudou muito na forma como São Paulo e Corinthians olharam a final do Campeonato Paulista Feminino 2019, que acompanhei de perto com a FPF”, aponta Pellegrino.

A partida em que o Corinthians sagrou-se campeão sobre o São Paulo, em Itaquera, foi marcada pelo recorde de público entre clubes no Brasil, com 28.609 pessoas presentes. Os jogos decisivos do Paulista foram disputados no Estádio Morumbi e na Arena Corinthians, que apresentam estrutura muito boa e passaram a serem cotados também para a competição feminina.

“Esse foi um Mundial que deu uma reviravolta realmente na maneira das pessoas olharem para o futebol feminino. A gente colocar quase 30 mil pessoas na final de Campeonato Paulista foi surpreendente, incrível”, lembra Tamires.

O estádio cheio foi um reflexo da mensagem sobre o potencial do futebol feminino passada durante a Copa da França. “A Copa passou a mensagem de que a modalidade tem público para consumir, tem engajamento, tem atletas de alto nível e espaço para crescimento, e tem, principalmente, um trabalho diário a ser desenvolvido, com objetivos também a longo prazo”, pontua Pellegrino.

Nova técnica na Seleção: a 1ª estrangeira

Pia Sundhage foi apresentada pelo presidente da CBF, Rogério Caboclo | Lucas Figueiredo/CBF

O primeiro reflexo da Copa diretamente na Seleção, foi a contratação uma profissional com renome internacional para comandar a Seleção Brasileira feminina principal: a sueca Pia Sundhage. No currículo, a treinadora tem duas medalhas olímpicas de ouro (Pequim-2008 e Londres-2012), e um vice-campeonato na Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2011.

Durante a Copa de 2019, as técnicas provaram o potencial das mulheres também em cargos de liderança. Das oito seleções que chegaram às quartas de final, cinco eram treinadas por mulheres. E, vale lembrar, a inglesa Jill Ellis tornou-se a primeira técnica bicampeã mundial, com os Estados Unidos.

“Foi uma atitude muito acertada do presidente da CBF de trazer uma técnica com o gabarito da Pia, uma técnica muito respeitada. Demonstrou que ele quer realmente que o futebol feminino no Brasil evolua”, elogia Tamires. “A gente sabe que tem muitas coisas a serem construídas, mas foi um passo muito importante pós-Mundial para ter esperança de que as coisas vão acontecer realmente”, completou a jogadora.

A estrutura oferecida às atletas da Seleção feminina também mudaram. “Questão de viagens, logística, questão do dinheiro mesmo destinado ao futebol. Tem alguns pontos que melhoraram depois do Mundial”, lista Tamires. As próprias convocações passaram a ser realizadas com coletivas de imprensa. Por parte da imprensa televisiva, parte passou a transmitir as convocações e o impacto pode ser percebido nas redes sociais, com o crescimento de publicações de quem passou a acompanhar e repercutir as notícias.

A luta pela igualdade continua

Tamires atua no futebol feminino brasileiro pelo Corinthians | Foto: Bruno Teixeira/Corinthians

Apesar de comemorar as novas conquistas, as jogadoras, gestoras e amantes do futebol feminino sabe que a luta por igualdade está longe de acabar. Tamires reforça a mensagem que já é compreendida por todos nos bastidores.

“De passo em passo a gente está alcançando algumas coisas aí, mas isso não quer dizer que não falta muita coisa. A nossa luta sempre vai ser para a gente ter os nossos próprios patrocinadores, ter o nosso próprio investimento, para o futebol feminino caminhar com suas próprias pernas”, avalia a jogadora do Corinthians.

Na visão de Nayeri Albuquerque, presidente do Minas Brasília, único representante do Distrito Federal da Série A do Campeonato Brasileiro feminino desde 2019, o espaço e visibilidade conquistados durante a Copa “foi algo momentâneo”.

“No cenário Brasiliense, embora a modalidade tenha alcançado visibilidade, o próprio governo do DF não sabe que Brasília tem um representante na série A e que vem trilhado bons resultados”, lamenta Nayeri. Na primeira divisão, metade dos 16 clubes são paulistas e a outra metade de outros sete estados. Fora de São Paulo, a realidade do futebol feminino é bem mais dura.

O próprio Corinthians, que tem a melhor estrutura para o futebol feminino no Brasil, passou a assinar a carteira de todas as atletas somente em janeiro de 2020. Isso porque o vínculo empregatício com CLT é artigo raro entre as jogadoras que atuam no país.

A realidade da maioria delas é trabalhar com contrato de um ano de duração, ou até mais curto. No Brasil, foram dados os primeiros passos para a profissionalização da modalidade. Visibilidade de Copa do Mundo e Olimpíada sempre ajudam, mas o caminho ainda é longo.

A falta de investimento é o principal desafio, principalmente para que ele seja seja constante para além do período restrito à Copa do Mundo e Olimpíadas, que ocorrem apenas de quatro em quatro anos. “Vimos alguns investimentos de ocasião de marcas, que também contribuíram para essa visibilidade, mas é importante que as parcerias não ocorram somente de 4 em 4 anos”, reivindica Pellegrino.

Por Maria Eduarda Cardim e Maíra Nunes

Maria Eduarda Cardim

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