Como caso Simone Biles ajuda a entender por que mulheres não denunciam abuso sexual

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Uma das maiores sensações dos Jogos Olímpicos do Rio-2016, a ginasta Simone Biles revelou ter sido vítima de abuso sexual cometido por Larry Nassar, ex-médico da Federação de Ginástica dos Estados Unidos (a USA Gymnastics). Aos 20 anos, Simone tornou o crime público por meio de uma carta postada nas redes sociais nesta segunda-feira (16/1). Ao descrever os sentimentos por trás de uma denúncia, a ginasta ajuda a entender alguns dos motivos que levam mulheres a levarem anos, por vezes, décadas para expor suas histórias.

A ginasta campeã olímpica McKayla Maroney, por exemplo, revelou ter sido vítima do médico oito anos após ter sido molestada pela primeira vez, quando tinha apenas 13 anos. Também da seleção de ginástica dos Estados Unidos, a tricampeã olímpica Aly Raisman denunciou o médico em novembro de 2017. Recentemente, no entanto, Aly Raisman acusou a Federação de ginástica dos Estados Unidos de ter falado para ela ficar quieta sobre o assunto.

São pelo menos 140 vítimas de Nassar, entre ginastas, dançarinas, patinadoras artísticas e alunas atletas da Universidade do Michigan. As primeiras acusações de abuso sexual contra ele se tornaram públicas em setembro de 2016. O médico foi condenado a 60 anos de prisão em dezembro de 2017, por conta de posse de imagens de pornografia infantil. Em julho de 2017, confessou ser culpado por três acusações do mesmo motivo — ele estava preso desde dezembro de 2016 por causa da pornografia infantil.

“Precisamos saber por que isso aconteceu há tanto tempo com muitas de nós. Precisamos garantir que algo assim nunca mais aconteça”

Simone Biles, sobre abuso sexual que sofreu de médico

O medo é uma das respostas para os muitos fatores de as vítimas do médico Larry Nassar e tantas outras vítimas de abuso e violência sexual se manterem em silêncio. “Não tenho mais medo de contar a minha história”, escreveu Simone Biles, logo no primeiro parágrafo da carta em que tornou público o crime sofrido. A ginasta conquistou cinco medalhas na primeira Olimpíada que disputou, quatro delas de ouro.

Os medos são muitos. Em matéria publicada pela BBC que lista 11 motivos que levam mulheres a deixar de denunciar casos de assédio e violência sexual, quatro deles referem-se ao medo. Primeiro, há o receio de que ninguém acredite na denúncia. Em casos de crimes sexuais, raramente há testemunhas ou provas documentadas, restando apenas a palavra da mulher, ainda vista com desconfiança pela sociedade.

Há também o medo de o assediador se vingar com represálias ou agressões a própria vítima ou a pessoas próximas à ela; o medo de perder o emprego ou não conseguir novas oportunidades profissionais; o medo de enfrentar processos judiciais e não dar em nada; além do medo de reviver a experiência traumática.

Simone Biles, por exemplo, lamenta que terá de frequentar o mesmo centro de treinamento onde foi abusada para realizar o sonho de competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. “É extremamente difícil reviver essas experiências e me parte o coração mais ainda pensar que terei de passar por isso para realizar meu sonho de ir às Olimpíadas de Tóquio.”

Sentimento de culpa e a banalização do assédio sexual

Não são raros os episódios em que meninas e mulheres acreditam que a culpa do assédio ou violência sexual é dela própria. Ocorre que a sociedade e as instituições questionam as atitudes das mulheres em casos de crimes sexuais, como as roupas que usavam e o local que frequentavam no momento do ocorrido, deslocando a análise do violador para a vítima.

“Há muitas razões pelas quais tenho relutado em compartilhar minha história, mas agora eu sei que não é minha culpa”, disse Simone Biles, em um dos trechos da carta, antes de descrever a sensação que a consumiu por anos.

“Por muito tempo, perguntei-me: “Eu era tão ingênua? Foi culpa minha? Agora eu sei a resposta para essas perguntas. Não, não foi minha culpa. Não, eu não vou e não devo levar a culpa que pertence a Larry Nassar, USAG e outros”

Simone Biles

Por trás da culpa se esconde comportamentos naturalizados em uma sociedade que tem uma cultura machista enraizada. “A banalização e normalização do assédio sexual fazem com que muitas mulheres não consigam identificar o ato como assédio sexual”, diz artigo da BBC, que consultou a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Silvia Chakian, do GEVID (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica) para listar os motivos que levam vítimas a não denunciarem crimes sexuais.

Simone Biles reforça não ser normal qualquer tipo de tratamento “especial” vindo de um médico de uma equipe confiável. “Esse comportamento é completamente inaceitável, nojento e abusivo, especialmente vindo de alguém que me falou que eu podia confiar”, escreve.

Campanha ‘Me Too’ encoraja mulheres a denunciar

O problema é antigo, mas a temática ganhou força em 2017, por meio de uma campanha disseminada nas redes sociais chamada ‘Me Too’ (Eu também, em inglês) — as primeiras acusações contra Larry Nassar se tornaram públicas um ano antes, em setembro de 2016. Em outubro de 2017, ao menos 20 atrizes, modelos e assistentes quebraram um silêncio que perdurava três décadas. Elas divulgaram que foram assediadas ou estupradas por Harvey Weinstein, magnata do cinema americano e cofundador da Miramax.

Ver colegas ginastas participarem da campanha ‘Me Too’ também encorajou a campeã olímpica Simone Biles. “Depois de ouvir as valentes histórias de minhas amigas e outras sobreviventes, eu sei que essa experiência horrível não me define”, escreveu Simone, já no fim da carta que revelou o assédio sofrido pelo médico Nassar.

“Não deixarei aquele homem, e os outros que o permitiram, roubar meu amor e alegria”

Simone Biles

Maíra Nunes

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