Luisa Stefani é a tenista brasileira mais perto de uma vaga nas Olimpíadas de Tóquio
LuisaStefaniCBT CBT/Divulgação A tenista Luisa Stefani aparece dentro de uma quadra de tênis rebatendo uma bola. Ela está vestida com blusa azul e short preto e também usa uma faixa branca na testa para segurar o cabelo.

Entrevista: Luisa Stefani projeta top-10 nas duplas, vaga em Tóquio e conta que já foi reprovada em seleção para boleira no Miami Open

Publicado em Tênis

Havia três décadas que uma brasileira não alcançava o top-40 do ranking mundial de tênis. Aos 23 anos, a paulistana Luisa Stefani foi uma das principais tenistas de duplas de 2020, terminando na 32ª posição do WTA, entidade que rege o tênis feminino. Após dividir-se entre o tênis universitário dos Estados Unidos enquanto dava os primeiros passos no circuito profissional entre 2015 e 2018, ela disputou o primeiro ano integralmente como profissional apenas no ano passado. Nesse curto período, já tornou-se uma especialista em duplas, somando 15 títulos de duplas pela ITF, dois WTA Challengers 125 e dois títulos WTA.

Foi apenas no ano passado que Luísa Stefani experimentou jogar ao lado da americana Hayley Carter. O entrosamento foi quase imediato e os resultados surgiram rapidamente. A dupla conquistou dois títulos de nível WTA — Tashkent, em 2019, e Lexington, em agosto deste ano — e passou a jogar junta. Antes disso, a brasileira ainda não havia firmado uma parceria fixa na carreira. No fim desta temporada, a americana sofreu uma lesão no Roland Garros e decidiu encerrar a temporada mais cedo para se recuperar. A brasileira, então, disputou o último torneio ao lado da canadense Gabriela Dabrowski, fechando o ano com a melhor marca da carreira no ranking internacional e com expectativas altas para 2021.

Em entrevista ao Elas no Ataque, após passagem por Brasília para disputar o circuito profissional nacional, Stefani falou como a mudança com os pais para os Estados Unidos ainda adolescente marcou a carreira dela, lembrou da clínica que fez com Maria Esther Bueno, ícone do tênis brasileiro, quando tinha 12 anos — e da honra que sente ao ouvir que o jogo dela lembra o da ídola. Luísa também não escondeu o sonho de disputar as Olimpíadas de Tóquio, em 2021. Para se classificar, porém, precisa estar entre as 10 primeiras do ranking mundial. Outra possibilidade seria ter uma parceira compatriota bem qualificada o suficiente para ser habilitada pela soma de ranking das duas.

 

Você quebrou um jejum de 38 anos em que uma brasileira não chegava às quartas de final de um Grand Slam, no US Open. Como é ser uma tenista brasileira conquistando espaço no cenário mundial?

É um sentimento muito especial poder estar trazendo visibilidade ao tênis feminino e poder trazer o meu nome para o radar, ainda mais no cenário das duplas. É um momento que tenho que tirar proveito e espero que anime mais jogadoras, para que uma puxe a outra para podermos elevar o nosso nível e o nome do tênis feminino brasileiro mundo afora. São algumas das coisas mais positivas que essa temporada trouxe para mim.

 

Você disputou sua primeira final de nível Premier em Ostrava, subindo para a 32ª  posição do ranking de duplas. Como avalia essa temporada?

É o melhor ano da minha carreira, com resultados excelentes. Os meus objetivos do ano foram alcançados. Eu queria jogar todos os torneios de Grand Slam… Com a pandemia, o de Wimbledon não foi possível e os outros foram com algumas adaptações, mas, ao mesmo tempo, foi um ano de muito aprendizado, que consegui jogar em alto nível, competir de igual para igual, ganhar bons jogos e chegar longe nos torneios. Isso demonstra a melhora, de pouco a pouco, na minha carreira. Mostra que estou subindo consistentemente para chegar onde eu quero: nos grandes torneios, Grand Slam e adquirir o meu espaço como brasileira, que a gente sabe que o tênis feminino no país precisa crescer ainda mais.

 

Como observa as conquistas do tênis feminino por maior igualdade de condições, como premiações e visibilidade, e como você se vê inserida nele? 

O tênis masculino no Brasil já vem com uma cultura maior, ainda mais nas duplas. Sempre tivemos grandes nomes nas duplas e no tênis feminino já fazia um bom tempo que não tinha uma brasileira tão bem ranqueada. Isso é só o começo, muito mais do que uma boa posição no ranking mundial, é mostrar que é possível, o que traz visibilidade. Aparecer na televisão durante um Grand Slam foi um grande passo. Porque a gente sente falta da visibilidade, não só no tênis feminino, mas no tênis em geral no Brasil. Me sinto feliz por estar fazendo parte dessa mudança. Espero que daqui para frente só melhore mais.

Você se mudou com a sua família para os Estados Unidos bem nova. Como a mudança impactou o seu jogo e a sua vida pessoal?

A mudança foi um grande divisor de águas na minha carreira como pessoa e atleta. Eu mudei com a minha família para os Estados Unidos com 14 anos, em 2011. Lá, o estilo do tênis é totalmente diferente, a cultura e a quantidade de meninas que eu tinha para treinar e competir era muito maior, uma das coisas que mais me ajudou naquele período. Jogar em quadra rápida em vez de jogar no saibro, que no Brasil é o principal tipo de quadra, foi uma grande mudança. Aprender a jogar mais agressiva, ou seja, indo para frente, na rede, buscando o voleio. A mudança para a quadra rápida com certeza afetou muito a minha maneira de jogar e competir, além da oportunidade de competir com muitas outras meninas. Quando eu morava no Brasil, eu não tinha tantas oportunidades, a não ser quando viajava para torneios nacionais ou sul-americanos. Quando cheguei nos EUA, saí da minha zona de conforto, não sabia falar inglês, precisei me virar, o que refletiu em um amadurecimento na quadra também e fez a diferença na minha carreira.

 

O que você recomenda para as jogadoras mais jovens que sonham em se profissionalizar no tênis? 

Uma das primeiras coisas que recomendo para jogadoras juvenis do Brasil é sair da zona de conforto e viajar, jogar nos Estados Unidos e na Europa, onde se disputa o nível mais alto do tênis, para sentir o nível da competição e aprender com eles. Não pode deixar passar a oportunidade de jogar fora, não dá para ficar no conforto de ficar no Brasil. O estilo de jogo é diferente, o estilo de quadra. E, se quiser ser um tenista profissional, vai precisar saber conviver com as viagens, ficar longe de casa, é o estilo de vida. Ter essas experiências desde pequeno vai ajudar muito no futuro, pois é um amadurecimento e uma oportunidade de sentir que a competitividade fora é diferente da que temos no Brasil, isso não é um defeito do Brasil, só é um fato que temos de lidar e aproveitar a oportunidade de aprender fora, onde realmente está o maior poder do tênis e os melhores jogadores.

 

Você jogou um torneio no Brasil com tenistas brasileiros profissionais e juvenis. Qual a importância de competições como essa no país?

É um torneio muito legal, promovido pela CBT (Confederação Brasileira de Tênis) e pelo BRB (Banco de Brasília). O melhor é poder mesclar as jogadoras que disputam o circuito profissional com as meninas que, principalmente neste ano, não tiveram a oportunidade de competir tanto. Assistir de perto, treinar junto, conversar e pegar um pouco das nossas experiências e passar para elas foi muito legal. O torneio também teve transmissão da Band, que é um grande feito para o tênis nacional. Isso tudo é muito positivo e espero que aconteça ainda mais para a gente poder jogar em casa, no Brasil, que a maioria da gente não tem essa oportunidade tantas vezes ao ano há tempos. Poder estar perto do nosso tênis é bem especial.

 

Chegou um momento que você precisou escolher entre jogar direto o circuito profissional ou ir para o tênis universitário nos Estados Unidos. O que pesou na sua decisão?

Foi uma decisão bem difícil, uma das maiores da minha carreira. Era na época de terminar o juvenil e decidir se eu iria para o esporte universitário ou não. Por estar nos Estados Unidos, pude visitar as faculdades para ver de perto como era o tênis universitário, porque eu não tinha a mínima ideia. E de poder conviver um pouco mais com pessoas que já haviam ido para o universitário e ver o quão grande era e como era boa a oportunidade de poder jogar e estudar ao mesmo tempo. No fim da minha carreira juvenil, eu estava com ranking bom, mas, ao mesmo tempo, faltavam alguns recursos ainda no meu estilo de jogo e recursos financeiros para sustentar um circuito profissional. Por isso ter disputado o tênis universitário foi a melhor decisão. Não foi fácil na época, porque eu queria jogar tênis profissional e era só isso. Mas olhando para trás percebo que foi o melhor, meus pais me incentivaram muito a jogar no universitário também. Brinco que foi por livre e espontânea pressão fazer o tênis universitário. Essa experiência não volta mais, mas foi fundamental para a minha carreira, crescimento e amadurecimento dentro e fora das quadras. (começou o curso de Publicidade).

 

Quando você entrou para o tênis universitário, as regras haviam acabado de mudar, certo?

No primeiro ano que eu fui para a universidade, tinha essa nova opção na divisão 1 de trancar o curso. Ou seja, eu podia sair depois de jogar a primeira temporada universitária, disputar o circuito profissional e, quando eu terminasse de jogar profissionalmente, poderia voltar para a universidade e terminar os meus estudos com a bolsa acadêmica. Pensei em jogar um ano de universitário para garantir um plano B para a vida, caso eu sofra uma lesão ou algo não dê certo como jogadora profissional. Disputei o tênis universitário por um ano, fiquei um segundo ano e, na terceira temporada, eu já estava certa que era hora de jogar no profissional por mais que só faltasse um ano e meio para me formar em Publicidade. Então tranquei a faculdade, mas pretendo voltar para concluir o meu curso futuramente, quando terminar a minha carreira.

 

A bolsa universitária para esportistas é algo comum nos Estados Unidos. Essa é uma alternativa que você recomenda aos brasileiros que pretendem seguir carreira também no tênis profissional? 

Eu recomendo. Primeiro, porque o tênis está virando um esporte em que o pico de melhor resultado vem ocorrendo mais para a frente, entre os 25 a 30 anos, no feminino e no masculino. Antigamente, o pico da carreira no feminino acontecia bem mais cedo. Segundo, por poder disputar o tênis universitário com bolsa é uma oportunidade também de aprender a trabalhar em equipe, a amadurecer e se conhecer neste período, dos 18 aos 22 anos, o que acho muito importante para o crescimento pessoal. Terceiro, pela parte financeira, principalmente saindo do Brasil. Tênis é um esporte difícil, que precisa de apoio de uma equipe e a parte financeira é um dos maiores desafios para o tenista em qualquer parte do mundo. A bolsa de estudos, com a oportunidade de morar fora e toda a experiência que a pessoa terá, eu recomendo muito. É importante saber para onde ir e escolher as prioridades. E entender que não significa ter de escolher entre o tênis universitário ou o profissional e que não tem caminho certo. Tem gente que vai se dar bem no universitário, tem quem vai emplacar direto no profissional. Para mim, o tênis universitário é uma experiência muito válida que tem de ser considerada pelos juvenis.

 

É um desafio encontrar uma parceira fixa no jogo de duplas?

É uma parte bem interessante. Eu tive algumas parceiras com quem joguei várias vezes. Quando se tem uma parceira fixa, se consegue construir mais e melhorar. Mas depende muito do ranking. Agora, estou em uma boa fase. Em 2019, comecei o ano passado jogando com várias parceiras diferentes e arrisquei. Eu e minha parceira americana Hayley Carter combinamos de jogar só uma gira juntas na Ásia e, desde o primeiro treino, o primeiro torneio, os nossos jogos se encaixaram. Nós jogamos bem e tivemos bons resultados. A parceria surgiu dessa forma. Não tem segredo, nem milagre, Pode ter um plano de tentar achar alguém que acredite que vai dar certo com o seu estilo de jogo, mas tem de jogar e testar para ver se dá certo. Agora, ter uma parceira fixa com certeza vem com vários benefícios.

Quais são suas principais referências no tênis? 

No tênis feminino, eu sempre gostei muito da Kim Clijsters, desde pequena, e sempre fui fã do Roger Feder. As minhas referências atualmente, quanto mais eu assisto ao tênis feminino, mais gosto de ver a Ashleigh Barty jogar, que tem um jogo diferente, com muita variação, assim como a Bianca Andresco. Eu gosto muito de ver a Karolína Muchová, da República Tcheca, jogar também. Eu não diria que tenho uma referência só. Muita gente brinca que eu lembro um pouco o jogo da Maria Esther Bueno, o que é uma honra ser comparada com ela. Quando eu tinha uns 12 anos, fiz uma clínica com ela em Bragança Paulista que foi muito legal. Ela é um ícone, uma ídola no tênis brasileiro. Mas eu gosto mais de me inspirar em um estilo de jogo do que em alguém em particular. Ainda mais no feminino, que vem crescendo e eu adoraria ver alguém jogando com mais variação, subindo mais à rede, fazendo voleio, que é o jeito que eu gosto de jogar e de assistir.

 

Quais são as suas próximas metas? Olimpíadas de Tóquio, em 2021? 

Uma das metas que estão mais na minha cabeça é qualificar para as Olimpíadas, uma meta difícil, mas possível. Vou trabalhar, seria realmente um sonho. Era para ser neste ano, mas o fato de ter adiado pode ter sido positivo para mim, por ter mais tempo para me qualificar. Para isso, eu preciso estar na top-10 no ranking mundial, que é outra meta que tenho. Na lista das próximas metas, então, estão me qualificar para as Olimpíadas, qualificar entre as 10 melhores do mundo de duplas e ganhar um Grand Slam. São grandes metas e grandes sonhos, tudo junto. Cada vez mais trabalhando e vendo que é possível, atingindo uma coisa de cada vez. A minha outra meta de 2021 é jogar mais simples e começar a crescer a minha carreira de simples também.

 

Soube que você foi negada em um teste para ser boleira no Miami Open quando se mudou para os Estados Unidos. Esse episódio ficou marcado para você?

É engraçado falar disso, porque eu e meu irmão fomos para um teste para ser boleiros do Miami Open quando éramos pequenos. Mas eles fazem todo um treinamento e devia ter de 1 mil a 2 mil crianças para só 300 vagas. E eu e meu irmão não fomos chamados. Mesmo sabendo que eram muitas pessoas para poucas vagas, lembro que a gente ficou chateado: ‘Caramba, nem boleiro a gente conseguiu ser’. Então uma das minhas metas é jogar no Miami Open e, quando eu ver os boleiros, vou lembrar dessa história, vai ser bem legal e gratificante. Neste ano, eu estaria lá e não deu por causa da pandemia, então vou ter que esperar para o ano que vem. Vai ter um gostinho especial.

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