Emily Lima não é mais a técnica da Seleção Brasileira de futebol feminino. Mas entrou para a história como a primeira mulher a assumir o comando da equipe e ainda motivou uma “rebelião” entre as jogadoras. Em entrevista ao Blog Elas no Ataque, Emily exalta a debandada em forma de protesto e revela analisar duas propostas fora do Brasil e uma no país.
Jogadoras com mais de uma década defendendo a camisa verde-amarela, Cristiane, Fran e Rosana anunciaram aposentadoria em protesto à demissão de Emily após apenas 10 meses de trabalho e 56,4% de aproveitamento. Junto aos comunicados divulgados nas redes sociais, as atletas reivindicaram por mais valorização, respeito, transparência e participação das atletas e das mulheres no futebol feminino.
Novo técnico da Seleção feminina, Vadão declarou que as manifestações não são contra ele e que mantém as portas abertas da Seleção à Cristiane. Por ironia, o próximo compromisso da Seleção é um torneio amistoso na China, país onde Cristiane atua pelo Changchun Yatai. Na competição, o Brasil enfrentará China, México e Coreia do Norte. A convocação é nesta sexta-feira (29/9).
Como está se sentindo com a repercussão da sua saída do comando da Seleção e a reação das jogadoras que se aposentaram?
É um pouco triste, porque essas meninas mereciam ir para uma última Copa do Mundo, uma última Olimpíada e conquistar a tão sonhada medalha de ouro que elas tanto trabalharam e brigaram. Mas chegou a hora de elas se valorizarem, de buscarem o respeito e o direito delas. É respeito mesmo a palavra, depois vem várias outras reivindicações, o que é fundamental para elas, tanto como pessoa quanto como atleta. Pena que por enquanto só foram três, mas são três nomes de peso, cada uma delas tem mais de 10 anos de Seleção Brasileira.
“Pena que por enquanto só foram três, mas são três nomes de peso, cada uma delas tem mais de 10 anos de Seleção Brasileira”
A aposentadoria em forma de protesto é uma atitude de coragem.
São atletas mais velhas, que já passaram por muitas situações e essa última foi a gota d’água para que elas falassem chega. Ou fazemos alguma coisa agora ou nada vai mudar.
As jogadoras que se aposentaram já são mais experientes e em um ano de renovação da Seleção, por ser início de ciclo olímpico. O prejuízo é tão grande assim?
Com certeza elas vão fazer falta em todos os aspectos, tanto como pessoas quanto como atletas. A experiência que elas têm acrescenta muito. Qualquer jogadora que sair da Seleção fará falta, mas a vida tem de seguir. Muitas ainda são reféns por serem atletas da CBF e, infelizmente, a gente não tem uma força como nos Estados Unidos, em que todas juntas conseguem conquistar as coisas. Infelizmente, nossa cultura é diferente.
Como era a sua relação com as jogadoras?
Foram quase 10 meses e minha relação com as atletas era somente dentro de campo. Claro que batia um papo fora, mas muitas vezes era sobre futebol. E acho que o próprio trabalho fez criar o respeito delas comigo e com toda a comissão. Ganhamos isso tratando todas iguais, independentemente se era Cristiane, Marta, Bárbara ou qualquer uma delas. O respeito foi uma soma por tudo isso.
Em abril de 2018 tem Copa América, o torneio mais importante de 2018. Como avalia as chances de o Brasil conquistar as vagas para a Copa do Mundo de 2019 e para as Olimpíadas de 2020?
A Copa América é uma competição considerada tranquila.Dá para se classificar, a não ser que eu esteja muito enganada em relação ao futebol feminino. Mas eles acreditam que a mudança de técnico foi no momento certo, na hora certa. Eu só tenho de torcer por conta das atletas.
Como avalia seu trabalho e da comissão técnica nos 10 meses que estiveram no comando da Seleção?
Nós recebemos a Seleção a Seleção em nono no ranking, chegamos até a sétima posição no ranking. Isso em junho. Depois, com a última atualização, caímos para oitavo. Conseguimos mudar pontuação. Em relação às atletas, vimos que elas saíram de uma média de 15%, 16% de percentual de gordura para 13%. E os testes de saltos também apresentaram melhoras.
Além do trabalho diretamente com a equipe principal da Seleção, você aplicou treinamentos regionais de observação.
Sempre vi a Seleção muito concentrada na região Sudeste do país e sabia que daria para buscar talentos em outras regiões. Quando cheguei na Seleção, fizemos um mapeamento do que nós tínhamos no Brasil em relação à competições, atletas e dados gerais mesmo do futebol feminino. Nesse mapeamento, vimos que vários outros estados poderiam nos ajudar e somar para a Seleção. De 27 estados, tivemos 19 competições regionais, ou seja, tinha muita atleta jogando futebol no país.
Qual exemplo de resultado desses treinamentos regionais?
No Sudeste, haviam algumas atletas que não estavam indo para a convocação, como a Maurine, que passou a ser convocada e ter uma sequência na Seleção. Esse foi um resultado positivo.
Como avalia a Seleção no momento em que você assumiu, após conquistar a quarta colocação nas Olimpíadas do Rio, em 2016?
Quando cheguei, as jogadoras não tinham mais o prazer de estar lá e de vestir a camisa da Seleção. Em 10 meses, nós conseguimos fazer com que elas entendessem que representavam uma nação e que muitas atletas tinham elas como espelho. Isso com trabalho e muita conversa para mostrar a importância delas para a modalidade e para as futuras atletas. Como pode uma atleta que está saindo das Olimpíadas não ter mais vontade de estar na Seleção?
“Quando cheguei, as jogadoras não tinham mais o prazer de estar lá e de vestir a camisa da Seleção”
Esse comportamento também foi visto em relação a Cristiane, Fran e Rosana, que anunciaram aposentadoria da Seleção em protesto à sua demissão?
As três estavam muito desanimadas, cada uma por seu motivo. Fomos diretamente na ferida de cada uma. A Fran, por exemplo, chegou com um percentual de gordura em 17% e me disse que nunca ninguém conseguiu fazer com que ela atingisse o percentual ideal. A cada convocação, ela abaixava 1% do percentual de gordura dela, até chegar em 14% e me abraçou. Eram conversas diárias. Com a Cristiane, falamos que ela poderia ser a artilheira da Copa América, do Mundial e das Olimpíadas. Ela disse que não tinha mais esse sonho, mas nós acreditávamos e incentivamos ela.
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