Entrevista Beth Gomes: fora da Paralimpíada do Rio por reclassificação, campeã mundial mira ouro em Tóquio

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Beth Gomes se sagrou campeã e recordista mundial do lançamento de disco em novembro de 2019. Agora, a atleta mira o ouro nas Paralimpíadas de Tóquio-2020 aos 55 anos

Beth Gomes, você foi campeã no lançamento de disco dos Jogos Parapan-Americano de Lima e do Mundial de Atletismo de Dubai em 2019. Como foi a sensação?

Foi um ano de muitas alegrias, muitas conquistas depois de passar por tantas turbulências com reclassificação. Veio coroar minha carreira no esporte paralímpico. Foi um feito grande por eu também poder estar na Seleção Brasileira com a minha treinadora, Rosiane Faria, e ela poder estar do meu lado nesses grandes feitos da minha carreira. Foi um momento de muita alegria.

O ouro no Mundial foi acompanhado do terceiro recorde seu só em 2019. Tudo isso aos 54 anos. Qual o segredo para ganhar o apelido de fênix?

O nosso coordenador, que é um dos técnicos do atletismo, me chama assim. Sou conhecida como fênix, porque cada dia eu me reinvento. O segredo é muita vontade, muito querer, o esporte corre nas minhas veias e como eu tenho paralisia por causa da esclerose múltipla, todo dia eu driblo ela. Porque é uma doença autoimune, degenerativa, e eu sempre digo que ela é minha amiga, tem de andar do meu lado, mas eu tenho de vencê-la.
Me dedico bastante, cumpro todas as planilhas que a treinadora passa. Essa é a longevidade para uma atleta de 55 anos.

As mudanças de classificação te deixaram fora das Paralimpíadas do Rio-2016. Agora, como está a expectativa para Tóquio-2020?

É um ano de bastante treinamento e foco para poder chegar em Tóquio e fazer o grande feito de pegar uma medalha para o Brasil, se possível o ouro. Está sendo um momento mágico da minha carreira, pelo que eu passei em 2016. Estava dentro das Paralimpíadas do Rio e, por uma infelicidade, os classificadores internacionais tiraram a minha categoria e fiquei fora das Paralimpíadas porque a prova do arremesso de peso da categoria que me colocaram, a F55, não foi realizada. Se tivesse sido disputada, eu teria chances de medalhas. Mas tudo isso já passou, eu dei a volta por cima e estou bem para as Paralimpíadas de Tóquio, a minha primeira pelo atletismo.

Você já disputou uma Paralimpíada, em Pequim-2008, mas foi com a seleção Brasileira de basquete em cadeira de rodas, como foi a experiência?

Quando saiu a convocação para a Paralimpíada de Pequim e eu estava na lista para defender o meu país foi uma sensação muito maravilhosa, um sonho realizado de defender as cores do meu país dentro das Paralimpíadas. É uma emoção muito grande que jamais vai sair de dentro de mim, da minha história.

Desde os 27 anos você convive com a esclerose múltipla. Como é lidar com essa doença?

Eu convivo com a esclerose múltipla, mas sempre penso em como vou estar amanhã. Porque um surto, que pode trazer sequelas, é sempre inesperado. A possibilidade de a doença me deixar em uma cama me preocupa, como eu já vivi em 2003. Eu fiquei tetraplégica, mas graças a Deus e à medicação consegui reverter o quadro. Em dois dias, voltei a enxergar e os movimentos da tetraplegia foram voltando dentro de um mês. Isso me preocupa todos os dias, porque não sei se amanhã vou estar bem, se terei um surto. Mas lógico que tenho um tratamento todo específico para mim e que eu levo a sério para que eu possa estar sempre em boa performance na minha patologia. Cada dia, a gente mata um leão para estar com foco. E nós conseguimos nos reinventar nos treinamentos, criando técnicas e novos movimentos para que eu possa lançar e arremessar.

Até descobrir a doença, com 27 anos, você era guarda civil municipal em Santos e jogava vôlei. Como foi o baque da doença?

Eu tive uma queda em que fraturei a tíbia quando a doença começou a se manifestar. Mas para mim o vôlei foi minha vida, eu jogava desde os 14 anos. No momento em que o médico me disse que eu não poderia mais jogar, foi a morte pra mim. Eu não aceitava. A minha profissão como guarda civil também seria afetada. E eu pensava que se eu não podia fazer mais nada, então era melhor morrer. Pensava que essa doença iria acabar comigo. Fiquei dois anos em depressão, tentei tirar minha vida, eu não aceitava. Foi quando em 1996 eu conheci o esporte paralímpico e me chamaram pra jogar basquete sobre rodas.

Como o esporte te ajudou a lidar com a esclerose múltipla?

De primeira eu rejeitei o convite de jogar basquete em cadeira de rodas. Dizia que se eu não posso jogar vôlei, também não poderia jogar basquete. E eu não gostava de basquete. Não fui na semana que me chamaram, mas depois fui ver como era esse esporte. Os treinamentos do basquete sobre rodas eram na mesma quadra em que eu fui tricampeã de vôlei nos Jogos dos Funcionários Públicos com o time da guarda civil em Santos. Quando eu entrei na quadra. passou todo aquele filme, revivi todo o momento do meu último campeonato de vôlei, teve muito choro. E eu comecei a gostar do basquete. Com dois meses virei titular da equipe do Santos, que jogava o Campeonato Paulista masculino, depois fui contratada pelo São Paulo para jogar na equipe feminino. E depois já entrei na Seleção Brasileira, em que disputei as Paralimpíadas de Pequim em 2008 e fiquei até 2010. 

Qual a importância social que você tem por ser uma atleta paralímpica no Brasil?

O esporte é muito importante na vida de todo atleta, nos traz a vida social, a vida profissional, traz saúde. Por meio de tudo isso podemos nos profissionalizar como um atleta de alto rendimento e mostrar um legado para nossas crianças, sejam portadores de deficiência ou não. É uma oportunidade também de mostrar o quanto o esporte nos traz benefícios, a importância de tirar um jovem adolescente da rua, das drogas, dos crimes. Passar essa experiência para tantas pessoas vulneráveis que podem ser salvas.

Maíra Nunes

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