Caso Carol Solberg: Até onde a CBV pode limitar o discurso político de atletas?

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Nos Estados Unidos, a maior liga de basquete do mundo foi obrigada a adiar uma rodada dos playoffs por causa de protestos dos jogadores da NBA e da WNBA pelo ataque sofrido por Jacob Blake, cidadão negro que foi alvejado com sete tiros nas costas pela polícia norte-americana. Na Fórmula 1, Lewis Hamilton também liderou protestos contra o racismo. Pela mesma causa, jogadores e jogadoras se ajoelharam nos campos de futebol. No último domingo (20/9), uma manifestação política chegou às quadras de vôlei de praia do Brasil. A jogadora Carol Solberg soltou um “Fora Bolsonaro” em entrevista transmitida ao vivo pela televisão durante a etapa de abertura do Circuito Brasileiro 2020/2021.

A atitude foi repreendida pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e pela Comissão Nacional de Atletas da entidade. Ambas afirmaram não serem favoráveis a “nenhum tipo de manifestação de cunho político em competições esportivas”. Na internet, esse foi assunto que dominou o meio. Mas até onde as entidades esportivas podem limitar o discurso político e social dos atletas? E como isso fica acordado sem restringir a liberdade de expressão?

A advogada Daniela Teixeira explica que transmissões de eventos esportivos costumam ser totalmente regulamentadas, com acordos assinados entre os participantes e os órgãos ou empresas envolvidas. Caso Carol Solberg tenha assinado algum termo que explicitasse a proibição de manifestação de cunho político, ela teria descumprido uma norma e poderia ser punida contratualmente, sem poder alegar o direito à liberdade de expressão. “Agora, criminalmente, a atleta não pode sofrer nenhum tipo de punição, pois a liberdade de expressão dela é garantida pela Constituição”, esclarece a advogada.

A jogadora de vôlei de praia Ângela Lavalle confirmou, sem dar detalhes, que existe um termo em que os atletas precisam concordar antes de participar das competições, assim como ocorre em campeonatos internacionais: “Nós assinamos um termo de compromisso que abrange muita coisa”. A CBV não respondeu sobre a existência ou não de restrições a manifestações políticas ou sociais por parte dos participantes nos torneios organizados por ela.

“Mas no mundo inteiro os atletas sempre fizeram manifestações políticas. Recentemente, jogadores da NBA se recusaram a jogar em protesto à violência policial contra negros nos Estados Unidos. Atos políticos acontecem desde as Olimpíadas do Adolf Hittler (nos Jogos Olímpicos de Berlim-1936, um grupo de atletas negros liderados por Jesse Owens ganhou várias provas do atletismo). Acho que é do jogo”, opina a advogada Daniela Teixeira.

As manifestações desse tipo são tão recorrentes no meio esportivo que o Comitê Olímpico Internacional disponibiliza uma Carta Olímpica com um conjunto de regras e guias para a organização dos Jogos Olímpicos. Na última versão desse documento, atualizado em 2013, a regra 50 estabelece que manifestações políticas são permitidas fora do campo de jogo, da Vila Olímpica e das cerimônias de medalhas, de abertura e de encerramento. Por escrito, deixa claro que tanto atletas quanto qualquer outra pessoa credenciada, como treinadores, têm a oportunidade de expressar opiniões em coletivas de imprensa e entrevistas, e por meio de mídia digital ou tradicional.

Repreensão da CBV e da comissão de atletas

De um lado, atletas e personalidades que não acreditam que o esporte seja o lugar adequado para manifestações de cunho político ou social critcaram a manifestação de Carol Solberg, demonstrando insatisfação com o presidente da República. A Comissão Nacional de Atletas do Vôlei de Praia da CBV ressaltou que “lutará ao máximo para que este tipo de situação não aconteça novamente”, em carta assinada pelos presidente e vice-presidente da comissão, o ex-jogador Emanuel Rego e Harley Marques, respectivamente; e os membros Josi Alves, Barbara Seixas e Oscar Brandão.

Emanuel foi secretário nacional de alto rendimento do governo de Jair Bolsonaro de maio de 2019 a junho de 2020. O campeão olímpico que era responsável pelo Bolsa Atleta foi exonerado do cargo após críticas da sua esposa, a ex-jogadora de vôlei e senadora Leila Barros (PSB-DF), ao governo federal por meio das redes sociais. Atualmente, Emanuel concorre como vice na chapa de Rafael Westrupp à presidência do Comitê Olímpico do Brasil (COB).

Na mesma linha, a CBV destacou que “tomará todas as medidas cabíveis para que fatos como esses, que denigrem a imagem do esporte, não voltem mais a ser praticados”. Questionada pelo
Elas no Ataque, a entidade não esclareceu quais seriam essas medidas. “Não sou ativista, mas me sinto na obrigação de me posicionar e é lamentável e curioso que eu possa ser punida por exercer a minha liberdade de expressão contra esse desgoverno”, Disse Carol Solberg à Folha de S. Paulo. A atleta também criticou a conduta diferente da CBV com o ato dela em comparação à manifestação política do Wallace e do Maurício, em favor de Jair Bolsonaro, no Mundial de vôlei de 2018.

A relação do Banco do Brasil

Na internet, as pessoas que desaprovaram a atitude da Carol Solberg nas areias de Saquarema impulsionaram um coro pelo fim do patrocínio do Banco do Brasil à jogadora. Mas, desde 1991, a estatal é a maior patrocinadora da CBV, que organiza a competição nacional e estampa a marca nos uniformes de uso obrigatório pelos competidores nas partidas das competições nacionais de vôlei do país. A Carol, em si, não recebe patrocínio direto do banco, diferentemente da atual parceira, Talita, que é sargento do Exército e recebe Bolsa Atleta.

Por outro lado, a hashtag #VaiCarol se espalhou como um manifesto de apoio à jogadora e à liberdade de expressão. “Parabéns Carol!! Seu grito é nosso também!”, publicou a ex-jogadora de vôlei Isabel Salgado, mãe da atleta e uma das responsáveis por encabeçar o movimento Esporte pela Democracia, ao lado do ex-jogador de futebol e atual comentarista Walter Casagrande. Os dois compartilharam a mensagem do grupo: “Nós, do movimento Esporte pela Democracia, treplicamos aqui de maneira singela: a única medida cabível à CBV é seu silêncio em respeito à liberdade de expressão”.

A repercussão não se restringiu ao campo esportivo. O deputado federal Valmir Assunção (PT-BA) se solidarizou com Carol Solberg nas redes sociais. “Se liberdade de expressão vale para que atletas do vôlei fizessem campanha para Bolsonaro, o mesmo vale para quem não aguenta mais descaso com o esporte, o meio ambiente, a saúde pública”, publicou. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ) destacou a falta de cuidado com as palavras também: “A CBV foi racista ao usar o termo “denegrir” e foi antidemocrática ao reprimir a fala de Carol contra Bolsonaro. Viva as meninas do Vôlei”.

Por que denegrir é considerado um termo racista

Segundo o dicionário impresso Aurélio, denegrir significa tornar negro, escuro, enegrecer, escurecer. No sentido figurado, a palavra assume o significado de macular, manchar; ou ainda de desacreditar, desabonar, infamar. Portanto o termo é considerado racista porque usa a palavra que significa “tornar negro” ou “escurecer” com uma conotação pejorativa.

Maíra Nunes

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