Quando ainda nem sonhava tornar-se jogadora de vôlei, Ariane Helena despertou o interesse de um professor da escola por causa da altura que tinha. Aos 25 anos, medindo 1,91m, a oposta é o destaque do Brasília Vôlei e figura como a maior pontuadora geral da Superliga 2020/2021, com 227 acertos. À frente no quesito, inclusive, de Polina Rahimova, do Azerbaijão, e da campeã olímpica Tandara, atleta em quem Ariane espelha-se “desde que se conhece por gente no vôlei”.
Quis o destino que a jovem jogadora de Guarulhos-SP recebesse a proposta de trabalhar com Rogério Portela, o técnico que fez parte da formação da Tandara nas categorias de base justamente em Brasília. Em entrevista ao Elas no Ataque, ela conta como avalia o momento especial em que desponta no cenário nacional do vôlei e como se prepara para realizar o sonho de um dia integrar a Seleção Brasileira.
Após a retomada das competições de vôlei no Brasil, a pandemia não poupou o time da capital federal logo no começo da Superliga A. O surto no grupo contribuiu para a queda de desempenho e, consequentemente, na tabela até a zona de rebaixamento. O novo coronavírus, porém, pegou praticamente todas as equipes em diferentes momentos do campeonato.
A volta por cima do Brasília se deu em 2021. Até o momento, o representante do DF conquistou quatro vitórias em cinco jogos. Na oitava posição, a última a garantir a classificação aos playoffs do torneio, o time soma 16 pontos, com seis vitórias e nove derrotas.
Diante dos desafios impostos pela pandemia, Ariane não perde o foco em mostrar trabalho, principalmente diante de adversários comandados por treinadores consagrados, como é o caso do jogo da próxima segunda-feira, às 19h, contra o Sesc Flamengo, do técnico Bernardinho, no Sesi Taguatinga. As partidas ainda não contam com a presença de público.
Em 2021, o Brasília Vôlei mostra um desempenho bem diferente do que ocorreu no ano passado, quando figurou na zona de rebaixamento. O que fez o time virar a chave?
Eu acredito muito no trabalho que está sendo feito pelo Rogério e a comissão técnica. Sabíamos que seria uma Superliga muito competitiva, apesar de tudo, e o Rogério vem trabalhando a nossa equipe desde agosto. Sabíamos o que enfrentaríamos e que também era questão de momento até o nosso jogo encaixar. E, agora, estamos conseguindo trazer o espetáculo para o torcedor de Brasília. Estamos em uma crescente e ainda temos muito para evoluir como grupo e individualmente. Tem muitas coisas boas para acontecer na nossa equipe e é uma honra fazer parte disso e trazer alegria para o torcedor brasiliense.
A primeira fase da Superliga vai se encaminhando para a reta final e o Brasília Vôlei se aproxima da vaga para os playoffs. Como avalia o nível da temporada e quais são os objetivos do time?
A Superliga está muito parelha, desde os cinco grandes que brigam na parte de cima da tabela até o meio da classificação para baixo. Jogos disputadíssimos em que o detalhe de quem erra menos leva vantagem. Para nós, todos os jogos são desafios importantes que estão ajudando na nossa classificação. Estar entre os oito primeiros é mais um objetivo alcançado. Antes, o nosso objetivo era sair da zona de rebaixamento, depois era se distanciar dessa zona e, agora, é nos mantermos entre os oito melhores para nos classificarmos para os playoffs, tentando uma subida na tabela. Mas isso vai depender dos nossos resultados em quadra e dos outros times também.
Esta é uma temporada atípica por conta da covid-19. Acredita que a pandemia colaborou para esse maior nivelamento entre os clubes na competição?
A pandemia veio de uma forma que ninguém esperava e acabou comprometendo todo mundo. Sabemos que a covid-19 não é brincadeira, que ainda existe e que precisa ter todo o cuidado, mas isso acabou nivelando um pouco mais a Superliga. Quando o Brasília ganhou do Osasco, percebemos que conseguimos ganhar de time grande. Temos totais condições de enfrentar o time que for de igual para igual. Temos de fazer o nosso trabalho como equipe e obedecer tática e tecnicamente para as coisas darem certo.
Os protocolos sanitários adotados não foram capazes de evitar os surtos de covid-19 nos times. Como foi para o Brasília Vôlei?
O Brasília pegou a covid-19 no começo da Superliga. Querendo ou não, o nosso time não sofreu tanto no meio do campeonato como alguns clubes vêm sofrendo, agora, com a remarcação de jogos e tudo mais. Mas, para todos, o retorno após pegar a covid é muito complicado. Por mais que o atleta tenha ficado assintomático, como foi o meu caso, sentimos muito em ter de ficar tanto tempo paradas. No nosso caso, apesar dos jogos remarcados e das dificuldades pela infecção no início da competição, depois, conseguimos pegar uma constância e uma crescente grande, que é o diferencial do nosso time agora.
De que forma esse contexto de adaptações à pandemia tem impactado você dentro de quadra?
Essa temporada está sendo muito atípica. Não esperávamos que fosse atingir tantas pessoas. Sentimos muito a falta dos torcedores no ginásio. Eu sou uma atleta que gosta de jogar com torcida, chamando e trazendo o público para dentro da quadra. E não tê-los está fazendo uma falta muito grande. Mas sabemos, neste momento, que o cuidado e o respaldo pela vida do ser humano é muito mais importante. Se for necessário ficar três, quatro Superligas sem torcida, que assim seja para podermos voltar com total segurança. Eu fiquei muito ansiosa para retornar aos treinos. A data para a reapresentação teve de ser adiada três a quatro vezes, ficávamos naquela ansiedade de não saber se o campeonato vai terminar, se nessas viagens estamos correndo o risco de levar o vírus para dentro de casa. Tem uma preocupação, mas é a vida do atleta.
Esse sentimento começou na temporada passada, quando você disputava a Superliga B com o Brasília Vôlei. Como foi lá?
A pandemia chegou ao Brasil no começo do ano passado. Estávamos disputando as quartas de final da Superliga B quando começou o lockdown, o campeonato foi encerrado e conseguimos o acesso para a elite. Ficamos na ansiedade de não saber se teria Superliga, quando poderia voltar a treinar, a pandemia piorou em todo o mundo, com a situação muito tensa. Ficamos paradas de março a setembro, o que é muito tempo para uma atleta. Então, tivemos de nos reorganizar e nos adaptarmos. Eu malhava e estudava em casa, assistia aos jogos de outras temporadas para poder aprender mais e melhorar.
Você costuma estudar seus jogos?
Eu costumo estudar tanto os meus jogos quanto de outras adversárias, porque temos aquelas atletas em que nos inspiramos e vejo para aprender o que posso melhorar, o que posso levar de diferente para os treinos e o que tenho de manter. Para qualquer atleta, acho que é importante se autoavaliar para saber onde está errando e estar preparada para mudanças, para melhorar no que precisar.
E quais são as atletas que te inspiram?
Inspiro-me muito na Tandara, eu me vejo muito nela. Eu gosto de jogar como ela, com a torcida, com vibração, puxando o time. Desde que eu comecei a jogar vôlei, desde que eu me conheço por gente no vôlei, ela é uma pessoa em quem eu me espelho muito. A forma que ela se comporta dentro de quadra é grandiosa.
Você vem se destacando em uma Superliga que tem nomes consolidados, como Polina Rahimova e Tandara Caixeta. Como você enxerga essas jogadoras e como se prepara quando as enfrenta?
Tem atletas do meu time que se inspiram na Jaqueline. Eu, na Tandara. Acho a Polina uma jogadora excepcional e que tem muito a agregar à minha carreira. Rola uma ansiedade quando vamos jogar contra elas, o coração dá aquela acelerada, bate o frio na barriga, mas tenho consciência de que estou jogando contra uma atleta com a carreira formada. Ela é minha inspiração fora de quadra. Dentro da quadra, ela vai ser minha adversária e vou fazer de tudo, com a equipe, para ganhar. Fora de quadra, é uma pessoa sensacional, divertida, com alto-astral e um papo muito bacana. Mas, dentro de quadra, vou dar o máximo para mostrar o meu trabalho e que estou chegando no mercado.
Você vive uma fase muito boa na carreira, é o destaque do Brasília Vôlei e a maior pontuadora geral da Superliga, com 227 pontos. Como avalia o seu momento?
Eu gradeço muito a Deus por tudo que vem me proporcionando, agradeço a toda a equipe, ao trabalho do Rogério e da comissão, porque é uma conquista individual fruto de uma esforço coletivo, em grupo. Estou muito feliz de mostrar quem é a Ariane. A intenção é ganhar cada vez mais espaço na Superliga para que, no futuro, eu tenha porta de emprego muito maior do que as que vêm aparecendo.
Você veio para o Brasília Vôlei em 2019, para disputar a Superliga B. O que te atraiu no time?
Antes de vir para o Brasília, eu estava jogando a Superliga A pelo Balneário, que acabou o projeto. Conheci o Rogério Portela. Eu já havia jogado a Superliga B pelo Coritibano no ano anterior e a Andressa, minha empresária, me falou dessa proposta. Sempre tive vontade de trabalhar com o Rogério. Quando apareceu a oportunidade, aceitei. Sou muito de energia e senti uma sensação muito boa quando a minha empresária me passou essa proposta e estava com o coração tranquilo de aceitar. Desde então, Brasília e a torcida me acolheram muito bem, sinto-me em casa. Representar Brasília na temporada passada, na Superliga B, garantindo o acesso e, hoje, estar representando bem também na Superliga A é o maior presente que eu poderia ter.
Você citou o técnico Rogério Portela e a jogadora Tandara Caixeta, que se conheceram nas categorias de base, em Brasília, e compartilharam outras experiências profissionais. Vocês trocam muitas histórias?
Sim, o Rogério conta bastante história na intenção de incentivar e mostrar que qualquer pessoa pode chegar. A Tandara mesmo falou que ele é uma pessoa supergente boa. Sempre rola essa troca de experiências nos bastidores.
Como você começou a jogar vôlei e como foi o início da carreira?
Comecei a jogar vôlei pela minha escola e, depoism joguei pela cidade. Foi por meio de uma amiga que fazia parte do time de vôlei da escola. Ela me levou para assistir ao treino e o professor se interessou pela minha altura, mas eu fui, simplesmente, porque a minha estava indo. Até eu começar a pegar gosto e entender um pouco melhor. O meu técnico me levou para jogar no time da minha cidade, Guarulhos (SP), onde joguei por quatro anos, até eu atuar federada pelo Pinheiros, onde fiz a minha base e fiquei por quatro anos. Depois, joguei mais dois anos no ADC Bradesco, onde finalizei a minha categoria de base.
Como foram suas experiências nas categorias de base da Seleção Brasileira?
Fui convocada em 2012, 2014 e 2015. Em 2014, jogamos o Sul-Americano, em que conquistamos o título na Colômbia. No ano seguinte, ficamos em segundo lugar no Mundial, em Porto Rico.
Alimenta o sonho de também chegar à Seleção Brasileira adulta? Como administra essas expectativas na carreira?
Todo atleta sonha com Seleção e o título olímpico. Comigo não seria diferente. Sei que tem muito chão pela frente e muitas coisas para serem conquistadas. Mas eu sonho e venho trabalhando constantemente com a minha psicóloga para estar com a mente e o corpo preparados para quando isso acontecer. Não se sabe quando, mas eu sei que vai, porque estou trabalhando para isso. É questão de esperar o momento certo.
Qual a importância da Superliga para alcançar seus objetivos? A competição conta com técnicos que atuam na Seleção, como José Roberto Guimarães e Paulo Coco, treinador e auxiliar da equipe brasileira feminina, além de Bernardinho, ex-técnico do time masculino.
Vejo a Superliga como uma vitrine muito grande para qualquer time no Brasil e fora. Jogar um torneio em que o técnico da Seleção pode te avaliar quando for te enfrentar é uma oportunidade muito grande. Assim como jogar contra o Bernardinho, porque todo mundo tem o sonho de trabalhar com ele. Mostrar o meu trabalho e o que sou capaz para grandes técnicos, fazendo o que gosto, é muito gratificante.
Um recado para quem gosta de esporte, de vôlei e torce por você…
Gostaria de incentivar as pessoas que gostam de esporte para continuar praticando. O esporte mudou a minha vida e, com certeza, pode mudar a sua e de muitas pessoas. Para as muitas empresas e pessoas que têm condições de investir no esporte, façam isso. Faz uma diferença absurda para nós, que queremos levar o melhor do que temos a oferecer a qualquer lugar que possamos ir por meio do nosso trabalho.
Quem é ela: Ariane Helena
Posição: oposta
Altura: 1,91m
Idade: 25 anos
Nascimento: Guarulhos-SP
Clubes anteriores: Guarulhos, Pinheiros, ADC Bradesco, Uniara, Araraquara, Curitibano, Bauru e Camboriú