Maraci Sant’Ana: “Por mais charmoso e encantador que um homem seja, o que ele pensa a respeito das mulheres está bem ali”

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À QUEIMA-ROUPA// Maraci Sant’Ana, psicóloga clínica, responsável pelo grupo Para sobreviver a um grande amor, de terapia para mulheres que estão vivendo ou tentando sobreviver a um relacionamento amoroso difícil e titular do blog Consultório sentimental, do Correio

Por Ana Maria Campos

Por que as mulheres estão morrendo mais? Muito se fala numa epidemia de feminicídios…
Não creio que o número de feminicídios tenha aumentado. Acredito que agora se fala de forma clara sobre isso e os casos têm sido amplamente divulgados pela imprensa, por isso fica em nós essa impressão. Não faz muito tempo, o feminicídio só virava notícia se acontecia em famílias ricas. Em famílias pobres, era considerado quase normal, como se fizesse parte do pacote da pobreza, da falta de grana, da baixa instrução, o que não rendia manchete. Isso ainda acontece, mesmo porque não dá pra publicizar seis feminicídios por hora só no Brasil. E esse número certamente é subestimado. Não dá pra contar os feminicídios que não chegam ao conhecimento de ninguém ou que não são denunciados.

O que passa na cabeça de um homem que atira para matar na própria mulher, muitas vezes a mãe de seus filhos?Depende. Muitos são machistas, movidos pelo sentimento de que a mulher é sua propriedade, que lhe deve obediência, lealdade, gratidão. Esses acreditam que matar uma mulher que não aceite se submeter, que queira fugir ao seu controle, e que possa vir a ser transferida para o rol de bens de outro homem, pode ser a única saída “honrosa” para ele. Outros são misóginos, movidos pelo ódio, aversão, desprezo, repulsa às mulheres e a tudo que tem a ver com o sexo feminino. Esses acreditam que, se uma mulher o desagrada de alguma forma, merece morrer, mesmo porque não fará nenhuma falta.

Qual é o sinal que a mulher deve perceber para se afastar de um homem que pode vir a matá-la?
É preciso estar atenta desde o começo de qualquer relacionamento. Por mais charmoso e encantador que um homem seja, o que ele pensa a respeito das mulheres está bem ali. Só é preciso ter olhos para ver e ouvidos para ouvir. A maneira como ele se refere e trata as mulheres de suas relações – avó, mãe, filhas, ex-namoradas, ex-mulheres, vai dizer muito sobre ele. Por mais que o discurso dele seja de respeito às mulheres, como ele pensa de verdade vai aparecer nas atitudes, nas entrelinhas. Se ele se mostra machista ou misógino, o perigo existe. E, se ele já foi ameaçador ou violento com alguma outra mulher, ela deve procurar se afastar imediatamente. E é como dizem: aquele que ameaça hoje, pode agredir e até matar amanhã.

As mulheres têm vergonha de contar que vivem uma relação abusiva?
Têm muita vergonha. Elas costumam assumir a culpa pelo insucesso do relacionamento. Sentem como se estivessem sofrendo abuso por não serem boas o bastante nem para escolher um bom companheiro nem para estar à altura dele. Algumas chegam a buscar ajuda não para entender o que lhes está acontecendo ou para aprender a se proteger, mas para tentar ser mulheres melhores. E há aquelas que sentem vergonha de não conseguirem resolver o problema, por mais absurda que seja a situação.

Como definir a violência psicológica?
É aquela em que o homem agride a mulher mesmo sem tocá-la fisicamente, com palavras que a ofendem, atitudes que a humilham, e até supostos conselhos, dados como se fossem para ajudar a mulher a se transformar num ser melhor, mas que derrubam a autoestima dela e deixam marcas profundas, sentimento de inadequação e de ser alguém que “não tem jeito”. Muitas vezes, a violência psicológica é pior do que a física. Se uma mulher leva um soco, fica claro pra ela que foi agredida. Se o marido vive chamando-a de idiota, talvez ela não entenda isso como violência.

Qual, na sua opinião, é a saída para essa epidemia de feminicídios?
Eu considero que a saída para nos livrarmos de todas as nossas mazelas é a educação. Acredito que esse assunto precisa ser exaustivamente debatido, inclusive nas escolas. As crianças hoje têm aula de balé, de artes marciais, de natação, de xadrez, de música etc. Por que não aulas em que serão debatidos temas que ajudarão a formar pessoas melhores, cidadãos melhores? Discutir com as crianças, desde cedo, questões que terão um enorme impacto na vida delas, como as ligadas ao gênero, é absolutamente imprescindível e pode salvar vidas.

Ana Maria Campos

Editora de política do Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital no Correio Braziliense.

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