À Queima Roupa
José Geraldo de Sousa Júnior, Professor da Faculdade de Direito; ex-Reitor da UnB (2008-2012)
“Com a redemocratização e a Constituição participativa que se lhe seguiu, a sociedade civil brasileira ampliou a reserva utópica para o seu protagonismo político. Não há retorno”
A carta pela democracia foi um ato contra o presidente Jair Bolsonaro?
A carta, e seus desdobramentos, como no Ato da UnB, visam à defesa da democracia, da Constituição, do Processo Eleitoral, do Estado Democrático de Direito. O que se passa é que o presidente tem se revelado o mais contundente agressor a esses fundamentos. Logo é contra ele também. Aliás, ele vestiu a carapuça na sua forma de reação.
Por que foi necessário promover um ato para reafirmar a importância da democracia?
Porque as agressões chegaram ao limite do inaceitável. Basta ver o episódio da convocação dos embaixadores para desqualificar o processo eleitoral brasileiro, logo celebrado pelos diplomatas estrangeiros; a tentativa de forçar um monitoramento militar do processo eleitoral, sendo que a Constituição atribui ao Judiciário essa competência; por fim, a violência que é estimulada pelo mau exemplo de quem tem o dever de respeitar a Constituição.
Vivemos perigo contra a normalidade democrática?
Sim. O perigo é real porque os atos de sabotagem e de agressão são reais. Lembremos o último 7 de setembro e o sequestro da Esplanada por ativistas que pediam intervenção militar e dissolução do STF. Não são jogos de guerra, há toda uma ação orientada para armar (em sentido estrito de política armamentista) e financiar ações quando se constata a atribuição de concessões e de remuneração compensatória à lealdade de apoiadores.
Há risco de violência nas eleições?
O risco é iminente. Em assassinato recente o Ministério Público mandou reabrir inquérito para caracterizar a motivação política do homicídio. Em audiência no TSE, integrantes da Coalização em Defesa do Processo Eleitoral, entre eles representantes sindicais de servidores do Judiciário e da Segurança, fizeram relato dramático ao Ministro Presidente, revelando não só preocupação com a segurança do processo, mas fatos ocorridos. Pediram que o TSE encaminhasse, por exemplo, a suspensão de porte de armas durante o período de votação e apuração.
A carta aos brasileiros e brasileiras em defesa do estado democrático de direito teve adesão no Distrito Federal?
No Distrito Federal, em ato na UnB (Faculdade de Direito), fortíssima. Os depoimentos de personalidades e de organizações de juristas (afinal o 11 de agosto é simbólico nesse sentido) foram contundentes. E além da Carta do Conselho da Faculdade de Direito, foram lidas cartas da Coalizão, dos Estudantes, de Reitores, e a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, Sempre. Hoje essa Carta (chamada depreciativamente de cartinha), já ultrapassou um milhão de assinaturas. Eu assinei.
Acredita que a sociedade brasileira vai aceitar a volta da ditadura ou uma reação ao resultado das urnas?
Com a redemocratização e a Constituição participativa que se lhe seguiu, a sociedade civil brasileira ampliou a reserva utópica para o seu protagonismo político. Não há retorno. A América Latina mostra isso. O Chile da ditadura de Pinochet retoma com uma nova Constituição a sua história democrática; a Bolívia reage ao Golpe de 2019 e já em 2022, a Presidenta usurpadora cumpre pena enquanto o Chefe das Forças Armadas está sentenciado. No Brasil, após 64, a Justiça de Transição parou na memória e verdade; uma nova ditadura terá curso breve e a transição se completará com justiça e responsabilização, para o nunca mais.
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