À queima-roupa
Gustavo Mendes, gerente-geral de Medicamentos e Estudos Biológicos da Anvisa
POR JÉSSICA EUFRÁSIO
Recentemente, vimos a divulgação de informações imprecisas quanto aos imunizantes contra a covid-19 em uso no país. Afirmaram que eles têm caráter experimental e que estariam em fase de testes. Isso é verdade?
Não. Nenhuma das vacinas aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) — quer seja para registro, quer seja para autorização — está em caráter de teste. Todas elas atingiram os critérios técnicos definidos pela agência para serem consideradas passíveis de uso na população. Dizemos que um imunizante está em fase de teste quando ele não se encontra em condições de ser aplicado em larga escala. No caso daqueles usados aqui, todos foram avaliados tanto no que diz respeito à segurança quanto à eficácia. Ou seja, eles atingiram o percentual internacionalmente definido de (no mínimo) 50% de eficácia. Por isso, não podemos afirmar que estão em fase de testes.
Como ocorre a testagem das vacinas até que cheguem à população?
As etapas da pesquisa química são as que chamamos de fases de construção de conhecimento. Cada uma delas busca gerar uma resposta específica. A fase um é quando a vacina é testada pela primeira vez em humanos. Recrutamos poucas pessoas e focamos na segurança, para termos certeza de que é possível avançar com a pesquisa. A fase dois é uma etapa exploratória: testamos diferentes tipos de tratamentos, como a dose ideal para que a vacina tenha a melhor resposta. Já a fase três é a confirmatória. Ela envolve milhares de pessoas, uma quantidade grande de indivíduos para que, por meio de uma abordagem estatística — comparando-se a vacina com placebo —, verifiquemos se ela realmente confirma o que identificamos na fase anterior. E, na pandemia, essa construção de conhecimento preservou todas as características. Apesar de termos mudado muitas questões administrativas na agência regulatória, pois temos um processo mais fluido e próximo nas discussões do que antes da pandemia, os critérios científicos não mudaram.
Como é o processo de aprovação por parte da Anvisa? O que a agência analisa?
Temos um conjunto de especialistas que avaliam diferentes aspectos do desenvolvimento da vacina. Há os que avaliam estudos clínicos, os resultados gerados durante as fases de teste, e isso envolve não só olhar os documentos (cobrados pela Anvisa), mas ter acesso a todos os dados brutos: laudos, fichas clínicas dos participantes e do acompanhamento deles… Tudo é feito para que tenhamos confiabilidade, rastreabilidade (e certeza) de que os estudos aconteceram e de que os resultados representam o desempenho da vacina. Há, também, os especialistas que avaliam a biotecnologia do imunizante, uma série de estudos de quanto tempo a dose se mantém íntegra, a estabilidade da vacina, o prazo de validade, se ela terá de ser congelada ou não, se será usada na temperatura ambiente. Outros aspectos têm a ver com os estudos de impurezas — quais as substâncias usadas nessa vacina — e com a verificação in loco, por meio de inspeções: dos equipamentos usados para produção da vacina, da qualificação da equipe (de produção), das condições técnico-operacionais, entre outros.
Os critérios de avaliação das vacinas infantis são os mesmos?
Sim. A preocupação é o fato de que temos uma série de peculiaridades, por causa da fisiologia infantil. Por isso, são necessários estudos específicos com essa população, para gerarmos dados. A Pfizer e a CoronaVac fizeram esses estudos. E os critérios são os mesmos: é preciso mostrar que a vacina é eficaz e segura.
Do que depende a inclusão de uma vacina no Plano Nacional de Imunização?
Depois que autorizamos uma vacina, cabe ao Ministério da Saúde, que fez um plano específico para o caso da covid-19 (o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 — PNO), decidir sobre os processos de aquisição, os contratos de compra, etc. O trabalho da Anvisa acaba no momento em que é dada a autorização (para uso de um imunizante). Depois, o ministério parte para as negociações (quanto à inclusão no PNI).
A que você associa todos esses questionamentos sobre o uso dos imunizantes?
À onda de desinformação e notícias falsas que circulam. Desde o início da pandemia, temos sofrido com isso e feito um trabalho de combate. As fake news tiram do contexto o conhecimento científico para disseminar medo entre as pessoas. Fazem com que quem não tenha acesso à informação verdadeira, correta acabe desestimulado a se vacinar. Não é só no Brasil, há um movimento mundial. Temos visto muitas falas de que as vacinas foram desenvolvidas muito rápido e de que agências abriram mão de critérios técnicos (para liberá-las), mas isso não é verdade. Foi rápido porque houve um investimento maciço de dinheiro, com tecnologias totalmente inovadoras. A forma de combater informações falsas é buscá-las em fontes seguras. E a função da agência reguladora é trazer a confiança de que estamos avaliando criteriosamente os dados, para apresentar (vacinas com) segurança e eficácia. Se não confiam na Anvisa nem nas sociedades médicas brasileiras, busquem informações nas agências reguladoras e sociedades médicas internacionais. Assim, verão que as decisões são convergentes, principalmente porque tratam-se de dados científicos, não aleatórios ou duvidosos.
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