Luis Eduardo Lescurieux recebe uma mensagem no WhatsApp. O contato é para agendar uma entrevista por telefone sobre Marcelo Gallardo, um dos alunos formados pela Escola de Técnicos de Vicente López — cidade localizada a 15km da província de Buenos Aires. Quatro minutos depois, o diretor de um dos institutos de ensino mais badalados da Argentina telefona para este blogueiro e dispara a falar sobre a influência teórica e prática não somente do curso dele, mas de um famoso concorrente, na inédita final argentina da Copa Libertadores da América. “Você conhece La Bruja Juan Ramón Verón? A academia do pai de ‘La Brujita’ Juan Sebastián Verón, em La Plata, orientou Guilhermo Schelotto quando ele decidiu ser treinador”, conta o professor Lescurieux.
A Escola de Técnicos de Vicente López é uma das mais tradicionais da Argentina. Funciona desde 1993. O jubileu de prata está sendo comemorado com um representante na maior final da história da Libertadortes. Boca Juniors e River Plate decidem o título sul-americano, às 18h, no Monumental de Núñez. Marcelo Gallardo, 42, é um dos orgulhos de Lescurieux.
Segundo o diretor, a Argentina tem 42 escolas espalhadas pelo país. Todas habilitadas pela Associação de Futebol Argentina (AFA) a formar técnicos. Em três anos, é possível obter as licenças C, B, A e Conmebol Pro.
Ao longo dos anos, as salas de aula da Escola de Técnicos de Vicente López, por exemplo, transformou aprendizes em técnicos badalados. “Por aqui passaram Diego Simeone (Atlético de Madri), Sergio Batista (técnico da Argentina na conquista do bi olímpico nos Jogos de Pequim-2008), Ramón Díaz (treinador do River Plate no título da Libertadores de 1996), Óscar Ruggeri, Pedro Troglio e outros”, gaba-se Lescurieux.
Marcelo Gallardo é um dos xodós. “Chegou aqui com o assistente dele (Matías Biscay). Os dois fizeram o curso. São treinadores extraordinários. Na verdade, eu nem preciso dizer isso. O Gallardo é técnico profissional desde 2011 e tem nove títulos na carreira”, exalta o mentor, chateado com a indisciplina do ex-aluno no duelo de volta das semifinais contra o Grêmio. “Ele errou. Não ensinamos aquele tipo de comportamento”. Gallardo deveria ter cumprido suspensão. No entanto, falou o tempo inteiro por rádio com auxiliares e deu instruções ao time durante o intervalo no vestiário da Arena, em Porto Alegre. Nas finais, está impedido de ir aos palcos da decisão. No jogo de ida, em La Bombonera, assistiu ao jogo no Monumental.
Os dois títulos mundiais da Argentina dividiram a escola de técnicos do país em duas correntes. Há os menottistas, amantes do futebol praticado na conquista de 1978, sob o comando de César Luis Menotti. Do outro lado, os bilardistas, apaixonados pelo estilo de jogo adotado por Carlos Salvador Bilardo no Mundial de 1986. Menotti é um romântico, apaixonado pelo jogo bonito. Bilardo é pragmático. Defendia que quem quisesse assistir a um espetáculo que fosse a um teatro. Para ele, o mundo se divide entre vencedores e perdedores.
Durante a entrevista ao blog, Lescurieux tratou logo de rotular as academias e os técnicos finalistas da Libertadores. “Em Vicente López, defendemos a estética, o futebol-arte, mas tudo depende da visão do treinador. Marcelo Gallardo (River Plate), por exemplo, pensa como nós. Diego Simeone estudou conosco, porém, apresenta um estilo muito próprio, o ‘cholismo’. A escola de La Plata, onde se formou Guillhermo Schelotto, é predominantemente bilardista”.
Boca e River só duelaram em duas finais. Em 1976, os xeneizes conquistaram o Campeonato Argentino. Neste ano, os millonarios deram o troco na decisão da Supercopa da Argentina. “O River é favorito. Gosta da posse de bola, joga. Schelotto é sangue, suor e lágrimas”, ri.
“(Marcelo Gallardo)Chegou aqui com o assistente dele (Matías Biscay). Os dois fizeram o curso. São treinadores extraordinários. Na verdade, eu nem preciso dizer isso. O Gallardo é técnico profissional desde 2011 e tem nove títulos na carreira”
Luis Eduardo Lescurieux, diretor do curso de técnicos em Vicente López
Na prática, o técnico do Boca Juniors, Guillhermo Schelotto, 45, tem inspirações que vão além do bilardismo ou das teorias assimiladas na academia de técnicos do pai de Verón, em La Plata. “Recebi os irmãos gêmeos (Guillermo e Gustavo) na minha escola e os ensinamos. Ambos são muito inteligentes, táticos e fizeram muito bem a transição de jogador para técnico. O sucesso dos dois (treinador e auxiliar) não é surpresa”, elogia em entrevista ao blog Juan Ramón Verón, tricampeão da Libertadores com o Estudiantes, em 1968, 1969 e 1970.
Schelotto tem outros cinco mentores: o recordista de títulos da Libertadores Carlos Bianchi — três títulos pelo Boca e um no Vélez —, Carlos Griguol e Ricardo La Volpe. Schelotto foi tri continental sob a batuta de Bianchi em 2000, 2001 e 2003. Agora, sonha em ser campeão como treinador. Gallardo conseguiu o feito em 1996 dentro de campo, e fora em 2015.
Na formação de Schelotto, há também influências europeias. Na passagem pelo Columbus Crew, da MLS, a liga profissional dos Estados Unidos, de 2007 a 2010, o ex-atacante foi comandado pelo alemão Siegfried Schmid e pelo polonês Robert Warzycha. Empilhou títulos e foi até recebido na Casa Branca pelo então presidente Barack Obama. “Eles abriram a minha mente no que diz respeito ao sistema de jogo, à obediência tática, ao planejamento”.
“Recebi os irmãos gêmeos (Guillermo e Gustavo) na minha escola e os ensinamos. Ambos são muito inteligentes, táticos e fizeram muito bem a transição de jogador para técnico. O sucesso dos dois (treinador e auxiliar) não é surpresa”
Juan Ramón Verón, diretor da escola de La Plata
O técnico do Boca Juniors compara o estilo do time ao da Juventus, de Massimiliago Allegri. “Adotamos marcação alta, adiantada, com jogadores abertos. Pressionar o adversário o jogo inteiro é difícil, mas essa é a ideia”, sustenta.
Choque de filosofias à parte, Schelotto trilha um caminho tão vencedor quanto o de Gallardo. Em seis anos como técnico, levou o Boca a um bicampeonato argentino nas temporadas de 2016/2017 e 2017/2018, e conquistou a Copa Sul-Americana em 2013, à frente do Lanús. A partir de hoje, pretende ser o nono profissional a conquistar a Libertadores como jogador e técnico. A seleta lista tem Renato Gaúcho, Luis Cubilla, Roberto Ferreiro, Humberto Maschio, Juan Martin Mujica, José Omar Pastoriza, Nery Pumpido e o rival Marcelo Gallardo. De quebra, pode levar o clube ao sétimo título da Libertadores, igualando o recorde do Independiente.
Siga o blogueiro no Twitter: @mplimaDF