Ele é argentino naturalizado boliviano e foi um dos carrascos do Brasil na primeira derrota verde-amarela na história das Eliminatórias, em 1993. Era zagueiro daquela Bolívia, que tinha como astro “El Diablo” Etcheverry e ajudou o país a se classificar para a Copa de 1994. Vinte e dois anos depois, Gustavo Domingo Quinteros Desábato planeja retornar ao Mundial no papel de técnico. Aos 50 anos, é o mentor da seleção sensação da seletiva sul-americana para a Rússia-2018. O Equador lidera com 12 pontos — 100% de aproveitamento. Em quatro rodadas, venceu dois campeões mundiais: a Argentina, em Buenos Aires, e o Uruguai, em Quito. E passou por cima da Bolívia e da Venezuela.
Em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense, ele atribui o desempenho a uma campanha de pacificação do vestiário e a um trabalho árduo de padronização tática inspirado nos ex-treinadores italiano Arrigo Sacchi e no holandês Johan Cruyff. Gustavo Quinteros explica como transformou até o zagueiro Erazo — rejeitado pela torcida do Flamengo — em uma peça-chave. Humilde, não considera o Equador classificado, mas admite que Argentina, Brasil e Uruguai correm o risco de ir à repescagem nas Eliminatórias mais difíceis da história.
MPL — Qual é a sensação de começar o ano liderando as Eliminatórias com 100% de aproveitamento depois de vencer, entre outros, os campeões mundiais Argentina e Uruguai?
Gustavo Quinteros — É uma satisfação imensa começar tão bem em tão pouco tempo de trabalho (10 meses). Estamos invictos e à frente da Argentina e do Brasil. Assumi em março de 2015. Havia muitos conflitos no elenco após a Copa de 2014, mas consegui pacificar o vestiário. Hoje, nossa seleção concilia um bom futebol com ótimos resultados.
Estava nos seus planos virar o ano com 12 pontos em quatro jogos?
A nossa meta era somar ao menos 7 pontos (o que tem o Brasil, terceiro colocado), mas o espírito de equipe fez com que conseguíssemos 12. Estou muito satisfeito.
Qual é o segredo da revolução equatoriana?
Estamos vencendo porque atingimos o alto nível, nosso jogo está fluindo e somos contundentes a cada exibição. Conseguimos impor o nosso estilo sobre os adversários. O trabalho e o comprometimento com uma nova concepção de jogo estão entre os nossos segredos.
A altitude de Quito é um outro aliado do Equador?
Só o goleiro Dominguez joga em Quito. Os demais atuam ao nível do mar e no exterior. Eu não vejo vantagem nenhuma em mandar as nossas partidas na altitude.
Você foi bicampeão nacional à frente do Emelec. Isso o ajudou a entender o futebol equatoriano?
Os títulos à frente do Emelec ajudaram-me a conhecer a fundo todos os jogadores do Equador e, principalmente, a conquistar o apoio da torcida equatoriana.
Com esse aproveitamento de 100% na largada, o Equador dificilmente ficará fora da Copa de 2018…
Esses 12 pontos fortalecem a nossa caminhada, mas falta muito, ainda temos muitas finais. Nós precisamos aprimorar os pontos fortes e corrigir a tempo as nossas deficiências para sermos mais fortes em 2016.
A campanha do Equador ameaça deixar Argentina, Brasil ou Uruguai fora da Copa?
Eu sempre digo que há poucas vagas. É cedo para dizer quem serão os quatro classificados e quem vai para a repescagem. Além de Argentina, Brasil e Uruguai, tem o Chile, a Colômbia e o Paraguai. O Equador é um dos sete candidatos.
É a Eliminatória Sul-Americana mais dura da história?
Na minha opinião, as Eliminatórias da América do Sul sempre foram as mais difíceis do mundo. Basta lembrar que a Argentina e o Uruguai tiveram de disputar repescagem. Agora, o nível está mais alto com o retorno do Brasil.
Argentina e Brasil pararam no tempo ou as outras seleções da América do Sul evoluíram?
Ambos continuam fortes, mas outras seleções sul-americanas cresceram e deixaram as competições cada vez mais equilibradas.
Como conseguiu vencer a Argentina e o Uruguai?
Com planejamento. Nós sabíamos o que queríamos desde o início da partida. Pressionamos a saída de bola e cortamos o circuito de jogo da Argentina. Aproveitei que nós temos jogadores rápidos nas pontas, capazes de criar lances de gol e concretizamos a estratégia ao fim da partida. Contra o Uruguai, nós neutralizamos as bolas aéreas e a ligação direta. Nós vencemos porque jogamos com velocidade nas transições da defesa ao ataque a fim de evitar que eles se defendessem em bloco, ou seja, com muita gente na retaguarda.
Então, o padrão tático é um dos seus trunfos?
O sistema tático do Equador é sempre o mesmo, parecido com 1-4-2-3-1 no ataque e 1-4-4-2 na defesa. Ao atacar, nós temos sempre um jogador à frente dos volantes que se encarrega do último passe, com dois pontas rápidos que desequilibram à frente da linha da bola e um centroavante. Mas o sistema tático é flexível e depende também da análise do estilo de jogo do adversário.
Quais são as suas inspirações?
O Milan e a seleção italiana de Arrigo Sacchi. Além disso, o Barcelona de Cruyff. Nestes tempos modernos, eu gosto muito do Pep Guardiola e do “El Loco” Bielsa.
O Equador esteve em três das últimas quatro Copas. A quinta é uma obrigação?
Nós queremos mais do que a classificação. O nosso sonho é ir mais longe na Copa do Mundo. O Equador chegou às oitavas de final na Copa de 2006, mas nós queremos ir muito além em 2018.
Você foi contratado pelo ex-presidente da Federação Equatoriana, Luis Chiriboga, que foi preso na operação Fifa Gate. Até que ponto isso atrapalha o seu trabalho?
Apesar dos problemas pessoais do presidente, eu vou continuar. Eu devo muito ao futebol equatoriano, aos dirigentes que confiaram em mim e ao povo. O meu compromisso é levar o Equador à Rússia e nós vamos conseguir.
O que lhe dá tanta convicção na classificação para a Rússia-2018?
O Equador tem Antonio Valencia, Felipe Caicedo, Enner Valencia, Jeff Montero, todos eles grandes jogadores. Além de Noboa, que é muito bom. Estou satisfeito com o meu elenco. Ensinei a eles que todos têm a mesma importância e somos um grupo. Muitas vezes, não contamos com todos, mas a seleção funciona bem.
A torcida do Flamengo detesta o Erazo, mas ele foi bem no Grêmio e é titular no Equador. Por quê?
Erazo é um bom jogador. Ele organiza a nossa defesa. Foi muito bem no Grêmio e isso elevou a sua autoestima. Tomara que ele continue jogando no futebol brasileiro, que é muito competitivo.
O Equador enfrenta o Brasil em setembro. A Seleção perdeu o respeito depois do 7 x 1?
O Brasil continua sendo Brasil. O 7 x 1 foi um acidente. Nunca houve, nem haverá tanta diferença entre o Brasil e a Alemanha. Naquele dia, a defesa do Brasil foi trágica e a Alemanha, muito contundente. Não conheço o trabalho do Dunga, mas vou analisá-lo até o confronto de setembro. O Brasil tem jogadores extraordinários e, quando eles funcionam como equipe, é difícil vencê-los. Creio que esse é o maior desafio do Dunga ao longo das Eliminatórias e depois na Copa do Mundo.
O Brasil sem Neymar é uma Seleção comum?
Neymar é um fora de série, um jogador incrível, capaz de resolver um jogo a qualquer momento. Mas o Brasil tem outros ótimos jogadores: Douglas Costa, Philippe Coutinho, Willian… Muitas opções para ser forte taticamente, tanto pelas pontas quanto pelo meio.
O seu Equador tem alguma pitada de Brasil?
A escola brasileira é de passes curtos, de pé em pé, gosta de sair jogando com os laterais. Eu admiro muito esse estilo quando funciona como uma equipe.
O Equador tem uma seleção principal forte, mas também investe na base. A Sub-17 chegou às quartas de final no Mundial de 2015 disputado no Chile…
A geração Sub-17 do Equador é excelente, muito rica tecnicamente. Estou atento. Tomara que eles continuem evoluindo até chegarem à seleção principal.
Você é argentino, mas preferiu defender a Bolívia quando era jogador?
Não tive oportunidade na Argentina. Em 1994, joguei a Copa do Mundo. Antes disso, participei de todas as partidas das Eliminatórias até o Mundial dos EUA.
O Equador tem uma pitadinha tática daquela Bolívia?
Taticamente, não, mas nos ensina lições. Uma delas, entender que, com humildade e trabalho, é possível chegar longe.
Qual é a lembrança daquela vitória da Bolívia sobre o Brasil nas Eliminatórias para a Copa de 1994?
Foi a primeira vez que o Brasil perdeu um jogo das Eliminatórias para a Copa. Aquele feito, em 1993, em La Paz, nos deu muita confiança e, principalmente, força, para nos classificarmos para a Copa.
O Atlético-MG contratou Juan Cazares, um dos seus selecionáveis. O que pode falar dele para a torcida do Galo?
Cazares é muito técnico, um organizador de jogo. Pode atuar como meia-atacante pelo centro em um 4-2-3-1 ou com um par de meias no 4-4-2. Espero que ele se dê bem aí e evolua no Atlético.
Você é um dos vários técnicos argentinos em alta mundo afora. O que explica essa excelente fase?
Somos muitos nos clubes e nas seleções porque nos preparamos muito, nos atualizamos também para assumir as responsabilidades. Nós temos Simeone, Bielsa, Sampaoli, Pochettino, Berizzo, Pekerman, Gareca, Ramon Díaz, vocês têm Edgardo Bauza. Nós somos muitos hoje e com certeza continuaremos sendo.
É um sonho trabalhar no Brasil?
Seria maravilhoso dirigir um grande clube brasileiro. Pode ser qualquer um que tenha grandes aspirações (risos). Como eu disse a você, gosto muito da escola brasileira. Não se pode abrir mão de trabalhar em um país que formou grandes times e jogadores, como Pelé, Ronaldo, Ronaldinho e agora o fora de série Neymar.