A Espanha foi a última campeã mundial influenciada por um clube. A seleção de Vicente del Bosque tinha muito daquele estilo do Barcelona de Pep Guardiola, que marcou época vencedora. Além de Valdés, Puyol, Piqué, Xavi, Busquets, Iniesta e Pedro, a Espanha incorporou o tiki-taka, a plasticidade, o jogo bonito. Os estilos se pareciam. Muitas vezes se confundiam na inédita conquista da Copa de 2010, na África do Sul.
Sete anos depois, o DNA de um time, o Corinthians, bicampeão nacional nesta década (2011 e 2015); vencedor da Libertadores e do Mundial de Clubes (2012); e líder disparado da Série A tem semelhanças com a Seleção — uma das candidatas ao título da Copa do Mundo de 2018. Antes que alguém atire a primeira pedra na analogia a seguir, não, o Corinthians não é o Barcelona do Pep Guardiola. E não, o Brasil do Tite não é a Espanha de Vicente Del Bosque. Colocados os pingos nos “is” e nos “jotas”, falo de um clube que está marcando época desde 2011, ou até mesmo de 2009, na era Mano Menezes, a ponto de influenciar uma Seleção. E vice-versa.
Tite é líder disparado das Eliminatórias Sul-Americanas para a Rússia-2018. Campeão simbólico com três rodadas de antecipação. Seu discípulo, Fábio Carille, ocupa o topo no Brasileirão. Virtual hepta da Série A. Não é só mera coincidência. A filosofia do Corinthians de ontem — e de hoje — influencia a melhor campanha da historia do Brasil desde 1998, quando as Eliminatórias Sul-Americanas passaram a ser disputadas no atual formato, ou seja, todos contra todos em pontos corridos. Há muitas semelhanças entre Corinthians e Seleção.
Além das convocações de atuais e ex-jogadores do Corinthians — Cássio, Fágner, Gil, Marquinhos, Paulinho, Renato Augusto e Rodriguinho — a Seleção de Tite aplica as formulas do sucesso alvinegro: usa os laterais Daniel Alves e Marcelo na saída de bola. Ambos repetem os papéis que Fágner e Fábio Santos faziam naquele Corinthians de 2015. Com um baite upgrade, é óbvio. Líder da Série A, o time de Fabio Carille depende muito dos seus atuais laterais —Fágner e Guilherme Arana fazem o Timão jogar.
O Brasil de Tite usa volantes que se projetam, infiltram, pisam na área adversária, marcam gols. Paulinho, principalmente. Fabio Carille também tem seu elemento surpresa. Maycon, por exemplo. Na última passagem de Tite pelo Corinthians, Elias era quem aparecia na cara do gol e decidia jogos para ele, como fez Paulinho nesta Eliminatórias contra Argentina, Uruguai e Equador.
O velho Corinthians de Tite contava com Jadson e Renato Augusto como pensadores, os responsáveis pela cadência, por abastecer Paolo Guerrero e depois Vagner Love. A versão atual, de Carille, aposta em Rodriguinho e Jadson no suporte a Jô. A Seleção começou a vitória sobre o Equador com Willian e Renato Augusto nessa função e Gabriel Jesus ponto de referência. Da metade do segundo tempo em diante, Willian e Philippe Coutinho, decisivo para o triunfo por 2 x 0 na Arena do Grêmio.
O Corinthians e o Brasil são organizados na retaguarda. Sofrem poucos gols. São pouco agredidos. Com Tite, a Seleção levou apenas dois gols nestas Eliminatórias — um deles contra. Com Fábio Carille, o Corinthians ostenta a melhor defesa do Brasileirão (11 sofridos).
O ponto fora da curva entre o Brasil de Tite e o Corinthians de Fabio Carille é Neymar. O técnico da Seleção desfruta de um fora de série. Seu discípulo não tem quem desequilibre.. Mas até nisso há uma intersecção nos dois trabalhos. Tite conta, sim, com um jogador acima da média na Seleção, mas consegue fazer o Brasil atuar como o velho e o atual Corinthians: como um time, como se não contasse e muito menos dependesse de um fora de série.
Neymar jogou mal contra o Equador. Lembrou o Neymar da segunda era Dunga. Nervoso, fominha, egoísta, tentando usar capa de super-herói e justificar o fato de ser o jogador mais caro da história (R$ 821 milhões). O conjunto sentiu que seu fora de série não estava em uma noite inspirada e soube se virar sem ele como se fosse o Corinthians do Carille — operário, na base do unidos venceremos. Enquanto Neymar insistia na carreira solo, o carregador de piano Paulinho aparecia para fazer seu décimo gol com a amarelinha — o quinto nestas Eliminatórias. Gabriel Jesus jogou um pouco para si e muito para o time no lance do segundo gol. Deu chapéu no marcador equatoriano antes da assistência perfeita para Philippe Coutinho.
Tite sabe que o segredo das últimas três seleções campeãs mundiais foi o conjunto. Itália (2006), Espanha (2010) e Alemanha (2014) não contavam em suas linhas com um Lionel Messi da vida, um Cristiano Ronaldo ou Neymar. Conjunto, sim, tinham de sobra. Aliás, o último gênio que carregou uma seleção nas costas ao título mundial foi Ronaldo, artilheiro da Copa de 2002 com oito gols. Ainda assim, muito bem assessorado por Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Cafu e Roberto Carlos. Sim, Neymar, é impossível ser Fenômeno sozinho.
A filosofia de Tite ficou de legado para o Corinthians líder do Brasileirão. O DNA do Corinthians é aplicado há um ano, completado hoje, na Seleção. Há uma outra coincidência nos trabalhos de Tite e Carille: a necessidade de reinvenção, busca por alternativas para driblar a estagnação, o futebol burocrático, pragmático, para transformar partidas complicadas como a vitória sobre o Equador. Afinal, não se engane, o sistema tático do Brasil já foi escaneado pelos maiores rivais da próxima Copa e os amistosos contra os europeus devem expor isso. Os movimentos friamente calculados do Corinthians estão manjados na Série A. Vitória e Atlético-GO provaram isso neste início de segundo turno.
Tite testou uma alternativa na goleada sobre a Austrália ao usar David Luiz na função de volante ou terceiro zagueiro, como tem se destacado no Chelsea. Diante do Equador, abriu mão de Renato Augusto para ter Casemiro e Paulinho na proteção à zaga e liberar Willian, Philippe Coutinho, Neymar e Gabriel Jesus a fim de vê-los encurralar o Equador.
Como escrevi no início, o sucesso do mestre Tite nas Eliminatórias e do discípulo Fabio Carille no Brasileirão não é só mera coincidência. Trata-se da filosofia de um clube influenciando a Seleção e vice-versa. O Corinthians será heptacampeão brasileiro? O Brasil conquistará o hexa em 2018? Não sou Pai Marcão! Mas, gostemos ou não, há um norte muito visível nos dois belos trabalhos.