O Flamengo está doente dos pés à cabeça. A briga entre o dirigente Marcos Braz, 52, e o entregador de aplicativo Leandro Campos da Silveira Gonçalves Junior, 22, no Barra Shopping, Zona Oeste do Rio de Janeiro, expõe mais uma vez um dos defeitos gravíssimos na gestão do departamento de futebol do clube: a falta de um psicólogo em tempo integral na comissão técnica. Os episódios anteriores envolvendo o preparador físico Pablo Fernández e Pedro; o volante Gerson e o lateral-direito Varella; e o chute de Jorge Sampaoli na grade de proteção do Maracanã, a caminho do vestiário, ilustram o descontrole emocional em um time de alta performance incapaz de lidar com as próprias emoções.
Ao mesmo tempo em que se cobra força mental dos atletas para a consolidação de grandes conquistas, cuida-se pouco da cabeça desses profissionais. Em 2019, Pep Guardiola deu atenção a isso no Manchester City. Pediu e a diretoria contratou David Young. Ele era psicólogo da seleção de críquete da Inglaterra e assumiu a missão de colaborador do técnico espanhol. Havia uma demanda de Guardiola justamente por força mental para o desenvolvimento do trabalho.
A ginasta estadunidense Simone Biles chamou a atenção para questão da saúde mental ao desistir de competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, realizados em 2021 devido à pandemia. Na sequência, estrelas como a tenista japonesa Naomi Osaka, o surfista brasileiro Bruno Medina, a nadadora Ana Marcela Cunha e o astro espanhol de basquete Ricky Rubio, entre outros, deram uma pausa na carreira de alto rendimento para cuidar dos sentimentos.
O Flamengo está com os nervos à flor da pele faz tempo. A temporada começou mal depois das conquistas da Copa do Brasil e da Libertadores no fim do ano passado e caminha para terminar mal. A equipe contabiliza fracassos em série na Supercopa do Brasil, Mundial de Clubes, Recopa Sul-Americana, Taça Guanabara, Campeonato Carioca, Libertadores, ocupa o quinto lugar no Campeonato Brasileiro e vê a Copa do Brasil, último título possível, em 2023, por um triz.
As informações internas no Flamengo são de um certo desdém para a necessidade de contar com um psicólogo efetivo na comissão técnica. No início da Era Landim, Alberto Figueiras cuidava desse setor no departamento de futebol, mas foi demitido no primeiro trimestre, quando Abel Braga comandava o elenco. Jorge Jesus tinha essa preocupação quando desembarcou no Brasil para assumir o clube em 2019. O mental coach Evandro Motta era um dos homens de confiança do treinador português para lidar com os atletas no vestiário rubro-negro.
Com a saída do Mister, as demandas mentais do departamento de futebol passaram a ser tratadas com a contratação pontual de profissionais da área. Comenta-se que mais de um dos sucessores de Jesus solicitaram a presença em tempo integral — inclusive Jorge Sampaoli. A solicitação ainda não foi atendida. Em 2022, Dorival Júnior foi mais do que técnico: não é formado, mas levou o elenco ao próprio “divã” e colocou os nervos do grupo no lugar.
Não há psicólogo na lista de profissionais da comissão técnica no site do Flamengo. Marcos Braz justificou pelo menos duas vezes a ausência. “Eu não tenho nenhum problema em ter um psicólogo no Flamengo, pois isso existe em todo lugar do mundo. Nós não tivemos nenhum relato de uma necessidade emergencial disso aí. Então, se não temos necessidade emergencial, não precisamos ter isso no dia a dia, mas não quer dizer que não achemos que seja pertinente. O Flamengo já pagou, durante este processo, durante dois anos e meio que estou aqui, psicanalista para jogador, o Flamengo pagou. Se pagou, é porque o Flamengo entende que tem e respeita qualquer profissional desta área”, disse. Michael foi um dos jogadores atendidos.
Em outro momento, Braz atribuiu a ausência de psicólogo no departamento de futebol às conquistas. “A gente acha importantíssimo a figura do psicólogo e estamos com eles na base. Não temos psicólogos no profissional desde abril de 2019, e depois desse período ganhamos tudo e fomos vice-campeões do mundo. Entendemos a importância do funcionário para a base, mas os jogadores, eu acredito, não necessitam dessa questão. Se entendêssemos que precisasse, contrataríamos na hora, mas não temos nenhum que precise nesse momento”, observou.
Há um contraste na final da Copa do Brasil. Enquanto o Flamengo se mostrava destemperado no primeiro jogo da decisão no último domingo, no Maracanã, com Jorge Sampaoli e o elenco desconectados e o treinador chutando grande de proteção a caminho do vestiário, o São Paulo parecia mentalmente forte para a final. Coincidentemente, Dorival Júnior conta com auxílio na comissão técnica. A psicóloga Anahy Couto é responsável pela alta performance emocional. Eu poderia citar outros clubes atentos a isso, mas basta o adversário rubro-negro na disputa pela taça.
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