O clube de futebol mais popular e vitorioso do Distrito Federal com 13 títulos opera há um mês em Recuperação Judicial. Vinte e dois anos depois de disputar a Série A do Campeonato Brasileiro pela última vez, e de uma queda de braço hercúlea com a CBF ao impedir a entidade de organizar o Campeonato Brasileiro e forçar a criação da Copa João Havelange em 2000, a Sociedade Esportiva do Gama vive o momento mais difícil em 49 anos de história e teve o plano de salvação aceito por unanimidade no último dia 16 de agosto pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT).
A medida apurada pelo blog e confirmada pela diretoria alviverde é uma medida extrema na tentativa de evitar a falência. No campo esportivo, o clube não está impedido de disputar o Candangão 2025, a única competição no calendário do ano que vem. Glauber Ramos é o técnico do time para a próxima temporada. Do ponto de vista administrativo, as eleições continuam previstas para novembro. O atual presidente Wendell Lopes é o único candidato para 180 jurados aptos a votar. Além do Gama, Cruzeiro, Figueirense, Paraná, Joinville, Santa Cruz, Guarani, Rio Branco de Americana e Marília escolheram a recuperação jurídica. Outro caminho legal seria aderir ao Regime Centralizado de Execuções.
Herdeiro de uma dívida acumulada de R$ 47 milhões das gestões anteriores, o presidente Wendell Lopes apresentou o pedido de Recuperação Judicial em 8 de março. O juiz da 1ª instância negou sob alegação de que o clube não atendia ao principal requisito: Sociedade Anônima do Futebol. O alviverde constituiu a primeira SAF do país em 29 de dezembro de 2021, porém desfez o acordo um ano depois e reativou o modelo associativo.
A primeira resposta foi de que o Gama não tinha direito à Recuperação Judicial por não ser mais uma SAF. O clube contestou o argumento. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios apresentou parecer favorável ao pedido e o TJDFT aprovou a solicitação por unanimidade. Pesou a jurisprudência de outros clubes não SAF que tiveram o pedido acatado pela Justiça.
Na prática, o Artigo 10 da Lei da SAF regulamenta a recuperação judicial. “O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente: por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores; por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista.
“Um dos principais benefícios da recuperação judicial é a reorganização do fluxo de caixa. Com a suspensão temporária das execuções judiciais e a renegociação de dívidas por meio do plano de recuperação apresentado, os clubes conseguem reduzir a pressão financeira imediata, permitindo que recursos sejam direcionados para áreas estratégicas. Isso inclui a contratação de jogadores, a melhoria das instalações esportivas e o investimento em categorias de base,” explica Mara Wilhelm, advogada especialista em recuperação judicial e sócia-diretora do Wilhelm & Niels Advogados Associados.
O Gama espera ganhar fôlego para se organizar financeiramente em longo prazo e aí, sim, saneado, constituir nova SAF. Recentemente, o clube teve receitas como o prêmio de R$ 200 mil recebidos do BRB pelo terceiro lugar no Candangão de 2024 penhorado para pagar credores. Os valores recebidos da Timemania também estavam sendo bloqueados.
Antes da resposta positiva ao pedido de Recuperação Judicial, as pendências trabalhistas do Gama eram resolvidas via execução conjunta na Secretaria de Execuções Especiais e Pesquisa Patrimonial — SEXEC do Tribunal Regional de Trabalho da 10ª Região.
“Com uma gestão profissional e transparente, controles internos rígidos e prestação de contas regular, os times podem se blindar contra novas crises. O plano de recuperação deve ser bem elaborado, considerando as peculiaridades do setor esportivo, como a previsão de receitas futuras de direitos de transmissão, patrocínios, necessidade de investimentos em infraestrutura e categorias de base, e uma gestão financeira profissionalizada”, avalia Mara Wilhelm.
FAQ
Perguntas e respostas sobre a Recuperação Judicial
» O que é?
Mecanismo legal que permite empresas em dificuldades financeiras reestruturarem dívidas e operações, evitando a falência. Para os times de futebol, a ferramenta possibilita a renegociação de contratos, a suspensão de execuções judiciais e a reorganização financeira, criando condições para um gerenciamento mais sustentável e eficiente.
» Quem pode pedir?
Clubes em situação de insolvência, quando as receitas não cobrem as despesas e há dívidas previamente acumuladas na instituição.
» Quais são os trâmites?
O clube deve solicitar formalmente em petição, com todos os documentos comprobatórios necessários para o ingresso da Recuperação Judicial ao Juiz, detalhando as dívidas, provando por meio de de balanços e fluxo de caixa a dificuldade financeira e explicando as motivações que o levaram a essa crise e do risco de insolvência.
» Quais são os benefícios imediatos
Assegura a interrupção temporária do pagamento de dívidas durante 180 dias, evita que haja bloqueios judiciais e a continuidade de qualquer execução. Este prazo eventualmente pode ser prorrogado até que ocorra a Assembleia dos Credores, ato em que os credores se reunirão para votar o plano de reestruturação e pagamentos. Os clubes costumam propor, além de um período de carência, deságios em torno de 75% a 90% nas dívidas.
» Como ficam os credores?
É elaborado um plano subdivido em propostas para as mais variadas classes de credores, sendo credores trabalhistas, garantia real, quirografários e de ME/EPP. Propõe a forma de pagamento para cada classe. As propostas mais comuns são os deságios no montante da dívida que variam de 60% a 90%, carência de um a dois anos para iniciar os pagamentos, redução de juros e principalmente um aumento no prazo de pagamento da dívida comum de 10 a 12 anos. Além do plano de pagamentos, o clube pode prever mudanças estruturais e estratégicas que viabilizem o soerguimento.
» O que é a Assembleia dos Credores?
Após ser aprovado por um quórum mínimo de credores, o clube deve iniciar os pagamentos tal como as regras aprovadas no plano, sob risco de falência em caso de descumprimento.
» O Gama pode disputar o Candangão em 2025?
Sim, o processo de Recuperação Judicial não impede
» O clube pode contratar normalmente?
Sim, inclusive o técnico está definido para a próxima temporada: Glauber Ramos.
» Quais clubes pediram Recuperação Judicial?
Cruzeiro e Figueirense foram os primeiros times a conseguir Recuperação Judicial no futebol brasileiro. Paraná Clube, Joinville-SC, Santa Cruz-PE, Guarani-SP, Rio Branco-SP e Marília-SP são outros exemplos.
» Isso afeta as eleições no clube?
Não. O pleito do Gama será em novembro. O atual presidente Wendell Lopes é o candidato único e será submetido ao colégio eleitoral formado por 180 nomes pré-aprovados.
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