Antes que alguém atire a primeira pedra, sim, era outro tempo. Época de escassez. Elenco tecnicamente limitado. Mas é possível ser campeão utilizando sistema com três zagueiros na pobreza e na riqueza. O Flamengo conseguiu com os cofres vazios. Por que não tentar com a conta abarrotada? Quem reclama do sistema tático de Vítor Pereira, talvez, tenha memória curta ou não era nascido quando o time rubro-negro conquistou a Copa do Brasil de 2006.
Ney Franco desembarcou na Gávea no lugar de Waldemar Lemos e fez mudanças radicais. Ensaiou o Flamengo para enfrentar o Vasco com três zagueiros durante a pausa no calendário para a disputa da Copa do Mundo da Alemanha. Questionado, o plano funcionou pontualmente.
As três torres de Ney Franco na defesa eram Renato Silva, Fernando e Ronaldo Angelim. Nas alas, dois laterais que começavam a marcar época no clube: Leonardo Moura na direita e Juan na esquerda. Quase pontas! A formação tinha dois volantes marcadores: Jônatas e Toró. À frente deles, os meias Renato Abreu e o jovem Renato Augusto, de 18 anos. Assumiu a camisa 10. Ambos abasteciam o centroavante Luizão — único atacante em um sistema de jogo definido à época como 3-6-1. Ele desejava claramente liberar os alas Leonardo Moura e Juan a fim de ser agressivo pelos lados do campo e surpreender o rival.
“Essa forma de jogar no 3-6-1 eu já tinha colocado em prática na final com o Cruzeiro pelo Ipatinga. Coloquei um centroavante centralizado, fiz uma linha com três zagueiros para liberar os dois laterais. E a consistência com dois volantes, dois meias e um atacante de referência. Quando comecei a estudar o Vasco, no nosso caso ficou marcado que eu tinha o Léo Moura e o Juan, dois laterais que avançavam muito e tinham facilidade para apoiar em profundidade ou de virarem meias. Eles tinham qualidade para isso”, justificou Ney Franco anos depois.
“O Flamengo nunca tinha jogado daquela forma, e foi essencial fazermos alguns treinos secretos. Conseguimos fazer isso num momento em que o Ninho do Urubu não era utilizado pela equipe principal do Flamengo. Na Gávea, seria impossível fazer treino fechado. Na época, era inadmissível um clube do tamanho do Flamengo realizar treinos sem a presença da imprensa. E a gente fez isso”, revelou o inspirado Ney Franco, que havia sido campeão mineiro pelo Ipatinga.
“O 3-6-1 no início provocou no adversário uma indefinição de como eles jogariam e como eles marcariam os nossos laterais. Naquele momento, eu tive a leitura do momento em que o Renato Silva machucou. Poderia colocar outro zagueiro, mas naquele momento o jogo pedia um atacante por dentro. Lembro que, antes da final, conversei com o Obina que o Luizão jogaria, mas que ele entraria a qualquer momento numa possível substituição ao Luizão ou na possibilidade de jogarmos com eles dois por dentro. E isso aconteceu”, lembrou.
A ideia tinha variáveis. O técnico transformava o Flamengo do 3-6-1 para o 4-4-2 sacando o zagueiro Renato Silva e mandava a campo o atacante Obina. Ele e Luizão marcaram os gols da vitória por 2 x 0 na primeira partida. O bicampeonato do torneio nacional estava encaminhado.
Ronaldo Angelim desfalcou o Flamengo na segunda partida. Ney Franco não desapegou da linha de três beques. Rodrigo Arroz formou a trinca ao lado de Renato Silva e de Fernando. Funcionou novamente. O técnico manteve o pragmático 3-6-1 e construiu o triunfo por 1 x com paciência. O lateral-esquerdo Juan fez o gol do triunfo e o Flamengo impôs 3 x 0 no placar agregado.
A questionada linha de três zagueiros saiu da final da Copa do Brasil sem sofrer gol do maior rival. O modelo funcionou pontualmente na decisão do título, porém não se sustentou no Campeonato Brasileiro. O Flamengo do tempo de vacas magras encerrou alojado em 11º lugar, ou seja, no meio da tabela.
Vítor Pereira usou algo parecido na decisão da Taça Guanabara contra o Fluminense e nas semifinais diante do Vasco. Não creio que o português sabia do 3-6-1 de Ney Franco, mas é muito parecido. Santos no gol. Linha de três zagueiros com Fabrício Bruno, Rodrigo Caio e David Luiz. Alas espetados com Matheuzinho de um lado e Ayrton Lucas do outro. Dois volantes: Thiago Maia e Vidal. Gabriel Barbosa e Arrascaeta na armação e o centroavante Pedro sozinho na frente emulando o Luizão de 2006. Mera coincidência?
Talvez, David Luiz não conheça a história do título da Copa do Brasil de 2006, por isso usou a conquista do penta, em 2002, para defender o conceito de Vítor Pereira. “Qual foi a última vez que o Brasil foi campeão do mundo? Em 2002? Eram três zagueiros. Mas, para mim, não é só o sistema em si que se começa o jogo. Hoje em dia você constrói a três com lateral, volante. Independentemente do que se fala, o jogo é muito mais dinâmico. Independentemente de como é feita a análise do sistema, os times precisam estar prontos para qualquer cenário”, argumentou.
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