Um dos dos pré-requisitos para o sucesso da aplicação dos conceitos de Fernando Diniz, o popular dinizismo, é a qualidade do passe do goleiro ao último homem do ataque. Quando o índice de acerto é baixo nesse fundamento, como na vitória por 1 x 0 contra o Peru, em Lima, nesta terça-feira, na segunda rodada das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026, uma das soluções é trocar a beleza fundamental pelos acessórios. Um deles, a bola parada. A torcida do Fluminense, com quem a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) compartilha o treinador, sabe muito bem como funcionam os escanteios longos e curtos em busca do zagueiro-artilheiro tricolor Nino.
Portnto, o gol de Marquinhos não é obra do acaso ou desespero. Foi treinado à exaustão, em Belém, nos ensaios abertos e fechados à imprensa. Fiquei posicionado perto da bandeirinha no Mangueirão e gravei pelo menos dois vídeos nos quais Neymar cobrava o corner fechadinho buscando Marquinhos, exatamente como fez no lance decisivo da partida desta terça-feira. O camisa 10 parava, escutava orientações de Diniz e recomeçava a bateria de ensaios. Chamei atenção na matéria da goleada por 5 x 1 contra a Bolívia enviada do Pará ao Correio Braziliense para uma outra alternativa ensaiada e colocada em prática na primeira exibição da rodada dupla: o escanteio curto. Neymar rola a bola para um companheiro próximo, mexe com o posicionamento do sistema defensivo do adversário e alça a bola na área. Luxemburgo fazia muito isso no Cruzeiro de 2003. O Fluminense também em alguns gols nesta temporada.
Fernando Diniz conhece o potencial dessa jogada porque obviamente via as partidas do Paris Saint-Germain. Neymar também procurava o zagueiro nas cobranças de escanteio do time francês. Foi assim nos seis anos e meio da Era Tite. Marquinhos é excelente nesse tipo de lance. O treinador valorizou o lance na entrevista coletiva. “Treinamos bola aérea, tanto em Belém como aqui. Bola aérea define jogo. Hoje definiu. Tivemos dois gols anulados e fizemos pela persistência. Uma bola bem batida e uma antecipação no primeiro pau”, comentou.
O Brasil sofreu no Estádio Nacional — e sofrerá mais até a Copa de 2026 — porque, como escrevi depois do jogo contra a Bolívia, escolheu um planejamento Frankenstein na retomada da caça ao hexa. Tem elementos do “titismo” misturados ao “dinizismo” até a passagem de bastão ao “ancelotismo”. No mínimo é inusitado. Há uma transição do que Tite deixou com as dinâmicas de jogo de Fernando Diniz. Isso é fácil em um duelo contra adversário frágil como a Bolívia. A pior seleção da América do Sul sofreu oito gols em dois jogos contra Brasil e Argentina. O Peru tem uma seleção mais organizada, uma linha de trabalho. Disputou a Copa do Mundo em 2018. Caiu nos pênaltis na repescagem internacional contra a Austrália em 2022. Terminou as últimas duas edições da Copa América entre os quatro melhores. Foi vice no Brasil, em 2019.
O maior desafio era apertar a tecla “mute” e calar a empolgada torcida peruana. Isso seria necessário com bola na rede. Raphinha e Richarlison até conseguiram, mas estavam impedidos. A auditoria do VAR foi minando o Brasil e transformando o ambiente no estádio. Para sorte de Diniz, o poder de fogo dos donos da casa é risível. Apesar da grife de Guerrero na frente, o Peru não acertou uma bola sequer no gol de Ederson. O novo dono das traves nem sujou o uniforme.
O Peru investiu na redução do espaço, na obediência ao plano de marcação elaborado por Juan Reynoso e tentou se impor fisicamente com faltas, na insistência em picotar o jogo. Cansado da partida sob forte calor em Belém, o Brasil passou a errar passes. O corpo desgastado não obedecia mais a mente. Era hora de fazer alterações, porém Fernando Diniz mostrou-se apegado ao time e ao sistema.
O técnico demorou a mudar o time. Quando trocou, apostou em uma série de alterações seis por meia dúzia. As intervenções mostraram um pouco como ele pensa o elenco. Richarlison saiu para a entrada de Gabriel Jesus. Um nove por outro. No fim da partida, mudou Bruno Guimarães por Joelinton. Um volante por outro. Raphinha por Gabriel Martinelli, ou seja, um ponta por outro. Danilo por Vanderson, um lateral-direito por outro. Finalmente, Neymar por Raphael Veiga depois do gol. Um é atacante e o outro, meia de verdade. O segundo tempo pedia ambos em campo a fim de poupar energia de Neymar no vaivém em campo. Não deu nem tempo de o meia do Palmeiras suar.
A vitória dramática deixa três lições para o técnico Fernando Diniz: ele não pode demorar a mexer no time, precisa sair da caixinha nas trocas seis por meia dúzia e não pode permitir a queda no índice de passes certos. Houve uma deterioração do primeiro para o segundo tempo. O time foi se desmantelando em campo e colocou em risco a paz do técnico para os compromissos de outubro. Marquinhos evitou desgastes para um técnico interino mobilizado para virar efetivo se Carlo Ancelotti resolver permanecer lá no Real Madrid depois da temporada 2023/2024.
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