De ressaca prolongada da eliminação nas quartas de final contra a Croácia, a CBF vive uma situação no mínimo inusitada. Dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, sete empregam técnicos portugueses. A entidade máxima do futebol nacional também quer um para chamar de seu na procura por um sucessor para Tite. Nomes como Abel Ferreira, Jorge Jesus e José Mourinho foram citados na onda de especulações. Pois bem. Portugal faz o contrário.
Referência não somente no Brasil, mas no mundo da bola, a escola lusitana tinha opções de sobra à sucessão do demitido Fernando Santos depois da Copa do Mundo do Catar. Internamente, o atual campeão nacional Porto é comandado por Sérgio Conceição. O Sporting, liderado pelo competente Rúben Amorim. Arthur Jorge faz bela campanha no Sporting Braga.
Há opções em ligas de ponta da Europa. José Mourinho comanda a Roma (Italiano). Paulo Fonseca trabalha no Lille (Francês). Marco Silva está no Fulham (Inglês). Carlos Carvalhal escala o Celta de Vigo (Espanhol). Do lado de cá do Oceano Atlântico, Abel Ferreira faz sucesso não somente no Brasil, mas na América do Sul. Havia outras alternativas como Luis Castro (Botafogo) e até mesmo Vítor Pereira (Flamengo). Das 32 seleções da Copa, três ostentavam professores patrícios: Portugal (Fernando Santos), Coreia do Sul (Paulo Bento) e Irã (Carlos Queiroz).
A elite do Campeonato Português emprega 19 treinadores lusitanos e apenas um estrangeiro, o alemão Roger Schmidt, do líder isolado Benfica. O que faz a Federação Portuguesa de Futebol no processo seletivo à sucessão de Fernando Santos? Olha para o exterior e contrata um espanhol! Terceiro colocado na Copa de 2018 com a Bélgica e eliminado na fase de grupos em 2022, Roberto Martínez foi o escolhido para assumir as rédeas do vestiário.
Durma com um barulho desse!
Portugal não delegava a prancheta a um estrangeiro desde a posse do brasileiro Luiz Felipe Scolari. O país conquistou seus dois maiores títulos sob a batuta de Fernando Santos — a Euro 2016 e a primeira edição da Liga das Nações em 2019. Roberto Martínez quebra um paradigma. É o primeiro treinador lusitano da seleção que não fala o idioma de Camões. Antes dele, somente os estrangeiros Luiz Felipe Scolari e Otto Glória escalaram o time.
10 técnicos estrangeiros tem o Brasíleirão. Sete deles portugueses.
1 técnico estrangeiro tem o Campeonato Português em 18 times.
Por que, então, Portugal escolheu um técnico importado justamente no momento em que a escola lusitana vive seu auge, inclusive no Brasil? Roberto Martínez era uma oportunidade quicando na frente do gol. O salário se enquadrava na realidade. Embora não tenha conquistado títulos, trabalhou com a geração belga. Portugal também tem jovens promissores como o goleiro Diogo Costa (23), os defensores Nuno Mendes (20) e Antonio Silva (19), o meia Vitinha (22) e os atacantes João Félix (23), Rafael Leão (23), Gonçalo Ramos (21) e Diogo Jota (26).
Mas a opção por Roberto Martínez tem outros fatores. Vai além…
A Federação Portuguesa de Futebol consultou, sim, três treinadores portugueses. José Mourinho, Paulo Fonseca e Leonardo Jardim disseram não. Um dos motivos é o ocaso do maior ídolo do país. Nenhum treinador lusitano quer ficar marcado por ter deixado de convocar o jogador eleito cinco vezes melhor do mundo. Embora tenha amargado a reserva na maior parte da Copa, o atacante de 37 anos manifestou o desejo de disputar a Euro-2024. No entanto, procurou uma liga periférica para dar sequência à carreira e passa a ser uma peça questionável.
Para a entidade, é mais fácil um treinador importado, neste caso o espanhol Roberto Martínez, gerenciar a situação. Prova disso é a ida dele à Arábia Saudita a fim de acompanhar a Supercopa da Espanha. O comandante certamente irá ao clube de Cristiano Ronaldo para estreitar o relacionamento com o badalado jogador recém-apresentado pelo Al-Nassr.
A sequência de Cristiano Ronaldo não é a única questão. O antagonismo também! O gajo criou uma saia justa. Ele será cada vez mais a cara da candidatura da Arábia Saudita a anfitriã da Copa de 2030. Incomodado com o sucesso do vizinho Catar em 2022, o país do Oriente Média firmou parceria com o Egito e a Grécia. Sim, ele será garoto-propaganda dos concorrentes de Portugal, Espanha e Ucrânia, que também estão na briga pela edição centenária do torneio. O quarteto sul-americano Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai é outra candidatura inscrita.
Há mais argumentos para as negativas dos técnicos portugueses. Ao contrário dos brasileiros, os treinadores lusitanos não têm como meta de vida trabalhar em seleção — seja ela qual for. A prioridade quase sempre é clube. Na gestão de carreira deles, os times dão mais visibilidade e garantia não somente de evolução, mas de crescimento profissional em longo prazo.
Há, sim, treinadores focados em seleções, mas geralmente não são os fora de série. Carlos Queiroz, por exemplo, comandou Portugal, Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito e Colômbia. “Diferentemente do Brasil, ser treinador de seleção na Europa, e não somente em Portugal, não tem o mesmo prestígio”, resumiu ao blog recentemente um agente de treinador.
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