Rio de Janeiro — Noite de domingo. Adenor Leonardo Bachi entra na sala de conferências do Maracanã com a família. A esposa Rosmari e os filhos Matheus e Gabriele dividem a atenção à entrevista coletiva do patriarca com a correria atrás dos netos de Tite. Tão felizes quanto o avô depois da vitória por 3 x 1 sobre o Peru na final da Copa América, as crianças deitam e rolam no piso acarpetado. Com cara de quem gostaria de estar em casa tomando o primeiro gole de caipirinha, quase um ritual posterior às conquistas pessoais, o treinador da Seleção cumpre — e até quebra o protocolo da Conmebol. Informado de que o tempo da coletiva acabou, cede às reclamações dos jornalistas e fica mais cinco minutos no auditório.
Tempo suficiente para Tite escutar perguntas sobre o tema mais incômodo desde que assumiu a Seleção no auge do impeachment na transição do governo de Dilma Rousseff para Michel Temer: política. A questão é sobre a presença do presidente da República, Jair Bolsonaro, entre os jogadores, comissão técnica e cartolas da CBF no gramado do Maracanã na premiação. Houve gritos de “mito” na comemoração. O mediador tenta censurar alegando que ali só se fala de Copa América. Porém, Tite interrompe e responde de maneira protocolar.
“Fico tão envolvido no futebol e nas situações de campo… Sei que elas acontecem, mas meu foco, a minha educação é no que tenho de essência. Dentro de campo, ter a minha conduta, a minha ética. As outras situações são outras”, afirmou o treinador.
Antes de ir embora, Tite participa de uma resenha de mais cinco minutos com jornalistas. O tema Jair Bolsonaro volta ao debate e aí, sim, Tite coloca ponto final no assunto indesejado. “Não quero falar disso. É futebol. Por favor, vamos falar de futebol”.
O estreitamento da relação institucional da CBF com o Palácio do Planalto incomoda Tite. Respinga no treinador da Seleção a cada jogo no país. Constrange quem se aproximou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na conquista inédita do Corinthians na Libertadores. “Em 2012 eu errei. Ele não era presidente, mas fui ao Instituto e mandei felicitações por um aniversário. Não me posicionei politicamente. Não tenho partido político, tenho sim a torcida para que o Brasil seja melhor em igualdade social. E que nossas prioridades sejam educação e punição. Que seja dada a possibilidade de estudo ao garoto de São Braz, que não tem chão batido para ir à escola, ou da periferia de Caixas ou do morro do Rio de Janeiro. Seja dada a ele a prioridade de estudo e não a outras situações”, disse Tite ao programa “Grande Círculo”, do SporTV.
O assunto estará em pauta nos próximos dias na CBF durante a discussão sobre a remontagem da comissão técnica. Tite aceita o nome de Juninho Paulista — preferido de Rogério Caboclo — para a sucessão do coordenador Edu Gaspar. O braço direito de Tite no Corinthians e na Seleção está de mudança para o Arsenal. Apesar das perdas de Edu, Sylvinho e de Fernando Lázaro, Tite saiu fortalecido da Copa América e certamente colocará novas cartas na mesa para a sequência da caminhada rumo ao cobiçado hexa em 2022.
Uma das exigências é o agendamento de amistosos internacionais contra adversários de ponta. Na era Tite, o Brasil enfrentou quatro campeões mundiais em amistosos Alemanha, Inglaterra, Argentina e Uruguai. Não houve duelos com Itália, Espanha e França. Os demais duelos foram contra seleções de segunda, terceira e até quarta linha: Rússia, Croácia, Áustria, Estados Unidos, El Salvador, Camarões, Panamá, República Tcheca, Catar, Honduras, Colômbia, Austrália e Japão. Uma das atribuições de Juninho Paulista será intermediar com a multinacional Pitch, dona dos direitos dos amistosos da Seleção — a realização de amistosos mais duros. Holanda e Bélgica, por exemplo, estão na mira.
“Agora, vem um novo executivo para o lugar do Edu. Nós, em conjunto com a Pitch (empresa responsável pelos amistosos), sempre buscamos os enfrentamentos com times europeus. Quando não aconteceram, foi por causa de calendário, festividades… Não foi por falta da Pitch ou por falta de vontade. Com o novo executivo, a gente vai continuar buscando”, afirmou Cléber Xavier, braço direito do técnico da Seleção.
Querendo ou não, Tite brindou Caboclo com o primeiro grande título da nova gestão. O outro havia sido o da Seleção olímpica no Torneio de Toulon sob a batuta de André Jardine. Ao ganhar a Copa América em casa, Tite pode até se dar o luxo de usar a edição do ano que vem como laboratório para a sequência das Eliminatórias.
Por que não levar para a fase de grupos na Colômbia um time alternativo e dar descanso aos jogadores considerados titulares? Que tal Ederson; Danilo, Éder Militão, Rodrigo Caio e Renan Lodi; Fabinho, Lucas Moura e Lucas Paquetá; David Neres, Pedro e Vinicius Júnior? Isso é só um exemplo rapidamente de cabeça. Em tese, Tite está com moral para exigir e a CBF atender. Ou não…
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