No vaivém da cobertura do acidente aéreo com o avião da Chapecoense, entro em um táxi de um motorista fanático pelo clube. Digo para onde é a viagem e, como diz a minha filhinha Isabela, fecho o bico. Afinal, ele está ouvindo um programa esportivo no rádio nas maiores alturas. Não me incomoda nem um pouco. Adoro até. Depois de uns três minutos, ele é quem puxa conversa. Surpreende dando um tapa no volante do carro e dispara: “A minha Chapecoense não precisa de stand up comedy”.
Heinnn??? Depois de ver a minha cara de espanto…
“Estão dizendo que o Ronaldinho Gaúcho se ofereceu para jogar aqui na Chapecoense. A gente não precisa dele. Vai fazer graça em outro time”.
Depois do discurso, ele olha de rabo de olho para o meu crachá. Repara a minha mochila e o Guia do Brasileirão 2016 que carrego aberto nas páginas que exibem a ficha técnica da Chapecoense fazendo as minhas pesquisas.
“Desculpa, nem perguntei o seu nome. É jornalista?”.
Respondo que sim. Ele me corta e aponta para a revista.
“Tá vendo esses caras aí? Eles nos representavam de verdade, eles são nosso orgulho. Eles honraram a camisa da Chapecoense até o fim. Você precisava ver como eles eram comprometidos, humildes. A gente os via na padaria, na farmácia, no supermercado, em restaurante, pegando filho no colégio. Agora, responda com sinceridade, seu Marcos: você acha que o Ronaldinho Gaúcho vai suar pela Chapecoense como o Cleber Santana suava?”
Tento ser ponderado. Respondo que, se o Ronaldinho Gaúcho quiser, sim, que o problema é um ex-jogador em atividade entrar em forma e jogar bola por uma causa maior, a memória das vítimas. Seu Celso se irrita. Fã de piadas, ri do meu argumento. Respeito à opinião dele. E me divirto com a repetição da definição dele.
“Ronaldinho virou stand up comedy. Viaja o mundo, faz uma graça e ganha um dinheirão, só marketing. Vai para outro lugar, bate umas embaixadinhas e ganha mais um caminhão de dinheiro. Não tem compromisso com ninguém, só com o irmão dele”, critica.
Seu Celso não deixa de ter razão. Nos sete dias que passei em Chapecó, percebi dirigentes altamente profissionais. Lidei com vários deles no dia a dia de um momento de crise. A maioria, grandes empresários, executivos. Todos tratam o clube muito mais como uma firma do que como um clube com aqueles modelos ultrapassados de gestão. Consequentemente, cobram no mínimo profissionalismo dos jogadores que contratam.
O taxista me contou, por exemplo, que certa vez, um atacante revelado pelo Santos resolveu aprontar em Chapecó. Depois dos treinos, organizava festas e mais festas. Era balada direto segundo o taxista. Até que um dia, um grupo de torcedores da Chapecoense deu um flagra no cara e pediu para a diretoria dispensar o jogador. Não deu outra.
“Chegou aqui tem que se comprometer. A gente não precisa de craque, não. Queremos homens comprometidos com o clube, com essa cidade que está sofrendo tanto. O time que morreu era o maior prazer dessa cidade, nos roubaram isso” reclamou seu Celso, disse, com os olhos cheios de lágrimas enquanto estacionava na porta do hotel em que fiquei hospedado.
Na despedida, seu Celso finalmente abre o coração, mas impõe a condição. “Vamos nos reerguer, escreve aí, mas sem o Stand up comedy”.
Anotado.
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