Lucio Zagueiro da Seleção em Sydney-2000, Lúcio conduzirá a tocha em Brasília. Carlos Moura/CB/D.A. Press

Na sabatina de sábado, Lúcio fala da experiência como auxiliar de Dunga na Seleção, de Neymar, David Luiz, Thiago Silva, do hotel de Viamão, da tocha olímpica, de Sydney-2000…

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Terceiro jogador que mais vestiu a camisa da Seleção, com 105 partidas, atrás apenas de Roberto Carlos (125) e de Cafu (142), o pentacampeão Lúcio topou o desafio de ser o auxiliar pontual do técnico Dunga nas últimas duas exibições do Brasil nas Eliminatórias. Foram 10 dias de estágio. O brasiliense, de 37 anos, não sentiu vontade de colocar o par de chuteiras e entrar em campo, mas amadureceu a ideia de virar técnico depois de pendurá-las. Acostumado com a Família Scolari no título mundial de 2002 e com a primeira Família Dunga, em 2010, Lúcio não diz abertamente, mas deixa claro nas entrelinhas de cada resposta no bate-papo com a seguir com o blog que voltou assustado da experiência.
 
Com autoridade de quem tem história com a amarelinha, Lúcio questiona a liderança e o comportamento do capitão e camisa 10 Neymar e fala da fase de Thiago Silva e David Luiz — dupla de zaga do PSG e da Copa de 2014. Repete várias vezes que o elenco em formação precisa trocar urgentemente o “eu” pelo “nós”. Capitão de Dunga de 2006 a 2010, Lúcio aconselha o atual dono da braçadeira, Neymar, a ser um exemplo, e alerta para os cuidados com as redes sociais e as baladas. No momento mais tenso da conversa, Lúcio chama de “estúpidos” aqueles que o acusaram de ter sido privilegiado com a fase de treinos da Seleção em Viamão (RS), onde é sócio de um hotel que recebeu a delegação antes do jogo com o Paraguai. Em um semestre sabático, Lúcio cuida da família em Brasília e São Paulo, mantém a forma para voltar a jogar seja no Brasil seja no exterior, prepara um relatório sigiloso para entregar a Dunga e mantém a forma física para conduzir a tocha olímpica pelas ruas de Brasília no próximo dia 3. Em Sydney-2000, Lúcio e a Seleção Brasileira foram eliminados por Camarões nas quartas de final. Ele conta por que o projeto da inédita medalha de ouro fracassou sob o comando de Vanderlei Luxemburgo.

 

MPL – Você passou 10 dias na Seleção como auxiliar pontual do Dunga. Deu vontade de pendurar a chuteira e virar técnico?
Lúcio – Foi uma experiência muito legal. Vi o dia a dia deles ali. A gente sabe que é desgastante, estressante, mas é desafiador ser treinador. Eu pensei nisso. É um projeto para a minha vida fazer um curso e começar a carreira de treinador.

 

MPL – Você não joga há quatro meses, desde que deixou o Goa, da Índia. Está aposentado ou em um ano sabático?
Lúcio – Ainda não me aposentei. O primeiro semestre no Brasil é sempre mais complicado, o foco está mais nos estaduais. Eu recebi algumas ofertas, mas nenhuma interessante. A minha parada neste primeiro semestre é uma opção. No segundo, eu voltarei a jogar. Eu treino com meu personal trainer, tenho uma academia em casa, faço musculação, dou uma corrida, pedalo e cuido da alimentação porque depois, pra correr atrás, é mais difícil (risos).

 

MPL – Você era o capitão na primeira era Dunga. Notou alguma evolução no trabalho dele?
Lúcio – Ele está mais experiente e atualizado.

 

MPL – Então por que a Seleção Brasileira sofreu tanto contra o Uruguai e o Paraguai?
Lúcio – O jogo contra o Paraguai todos sabiam que seria difícil, na casa deles. Nós deveríamos ter aproveitado melhor o jogo contra o Uruguai. Nós fizemos 2 x 0 e não seguramos o resultado jogando em casa. Era o momento de se fechar e segurar o resultado. O placar contra o Uruguai não foi tão bom, mas contra o Paraguai era esperado.

 

MPL – Dunga fez a diferença contra o Paraguai ou eles recuaram?
Lúcio – Perder por 2 x 0 e buscar o resultado demonstra a capacidade do grupo. Se tivesse mais cinco minutos o Brasil ganharia. O Dunga foi inteligente nas substiuições e deixou o time mais ofensivo. O Paraguai sentiu quando tomou o primeiro gol. O trabalho que o Dunga e o Gilmar Rinaldi estão fazendo para a Copa de 2018 depende da colaboração dos jogadores.

 

MPL – Você notou que falta colaboração?
Lúcio – O grupo está se formando. Tem jogadores procurando espaço, outros ganharam. O último Mundial deixou uma impressão ruim e todos estão tentando se reestruturar para dar a volta por cima.

 

MPL – Há muito individualismo?
Lúcio – As seleções de 2002 e de 2010 pensavam no outro. Eu fui muito de pensar no companheiro que estava do lado. Muitas vezes, eu deixava de fazer coisas que eu gostava e beneficiariam somente a mim. Eu abria mão para ver o grupo feliz, alegre. É preciso colocar isso em prática lá.

 

MPL – Você foi capitão do Dunga nas Eliminatórias e na Copa de 2010. Hoje, é o Neymar. Ele tem liderança e maturidade pra isso?
Lúcio – O capitão sempre vai ser cobrado, precisa ser um exemplo, inspirar outros jogadores. Esse é o papel de um líder. Isso é uma conversa que o Dunga, como treinador, precisa ter com os jogadores.

 

MPL – A braçadeira está pesando para o Neymar?
Lúcio – É responsabilidade, mas oportunidade de levantar troféus pelo Brasil e para isso é preciso não pensar só no eu, mas pensar no nós. É preciso pensar no grupo. O capitão tem que inspirar o time para o lado certo para que eles acreditem em você.

 

MPL – Achou o Neymar comprometido?
Lúcio – Eu conversei com ele. Quando eu via um meia ou um atacante dando carrinho, a gente lá atrás, na zaga, se enchia de energia. O Neymar precisa trazer os jogadores para o lado dele, ser exemplo. Não basta falar, tem que mostrar. O melhor exemplo é a postura diante do grupo.

 

MPL – Neymar postou vídeo numa balada um dia depois de receber o segundo cartão amarelo no  empate com o Uruguai. Em 2006, Ronaldinho Gaúcho e Adriano foram a uma festa no dia seguinte à eliminação na Copa diante da França. Você considera atitudes corretas, profissionais?
Lúcio – Cada um toma a decisão que quiser na sua vida, tem o direito de se divertir, de aproveitar. Na eliminação de 2006, eu só queria estar com a minha esposa, com os meus filhos, precisava de conforto. Cada um tem o direito de fazer o que quer, mas todos precisam pensar bem porque são pessoas públicas. Algumas vezes, as ações fora de campo repercutem. Mas acho importante respeitar as individualidades.

 

MPL – Até que ponto as redes sociais atrapalham?
Lúcio – Eu já tive treinador que pediu para não usar. Isso tira o foco. O que você posta, o que você fala, vira uma notícia imensa. Pode atrapalhar, trazer desconforto, má interpretação. Isso tem que ser imposto, cobrado, mas respeitado pelos jogadores.

 

 

“O Neymar precisa trazer os jogadores para o lado dele, ser um exemplo. Não basta falar, tem que mostrar. O melhor exemplo e a melhor demonstração de um jogador é a atitude diante do grupo. É preciso não pensar só no eu, mas pensar no nós”

 

 

MPL – Dunga escolheu ter o Neymar nos Jogos do Rio em vez da Copa América. Fará falta?
Lúcio – Na Copa América de 2007, muitos jogadores, inclusive eu, não puderam ir e o Brasil ganhou. Em 2005, o Parreira abriu mão do Ronaldo, Cafu, Roberto Carlos, e a gente foi campeão. Há jogadores indispensáveis, mas não insubstituíveis. O clube e o Neymar têm seus direitos, mas acho que o Brasil tem possibilidade, sim, de ser campeão. Copa América o Brasil ganhou várias. Olimpíadas, não.

 

MPL – Em Sydney-2000, o Luxemburgo abriu mão dos três jogadores acima dos 23 anos. Fez falta naquele time eliminado por Camarões nas quartas de final?
Lúcio – Aquele time estava em uma situação muito difícil. Até o próprio treinador, Vanderlei Luxemburgo, chegou depois. Ele vivia um momento conturbado tanto profissional quanto pessoal, então isso afetou. Ele não estava com a mesma confiança nem a Seleção. É claro que jogadores experientes ajudam demais o elenco. Basta ver a Alemanha. O Klose fez a diferença na Copa de 2014. É sempre importante a voz de alguém mais experiente.

 

MPL – Além do Neymar, o David Luiz é alvo de críticas. O que acontece com ele?
Lúcio – Quando se trata de Seleção, nós temos que analisar os fatos. Torço para que alguns zagueiros que tiveram tropeços, que passaram por fatos que a gente não pode tapar o Sol com a peneira, deem a volta por cima. Mas isso depende deles. Vão ter que se preparar mais, concentrar mais, pensar mais no time, no grupo. Quando você pensa no eu, todos estão perdendo.

 

MPL – David e Thiago Silva podem jogar juntos?
Lúcio – Dá. As coisas que aconteceram com eles não são boatos, são fatos. São dois jogadores com muita experiência no futebol europeu, jogam no mesmo clube, então, isso teria de ser um ponto positivo pelo entrosamento Mas isso vai muito da relação pessoal com o Dunga. Quanto aos acontecimentos, quem tem de colocar na balança é o técnico. Quem está dentro tem que provar que não pode sair e quem está fora que tem de ser convocado.

 

 

“As pessoas que falaram são estúpidas, falam sem saber. Eu sou um dos investidores do hotel, mas não participei de nada. É como você comprar uma ação da Apple na bolsa de valores de Nova York. Adquirir 10% das ações não quer dizer que você é dono”

 

 

MPL – A idade e a falta de um líder atrapalham?
Lúcio – Não só a idade, mas a postura de algumas pessoas que estão como líderes na Seleção influenciam o grupo. Esse amadurecimento precisa acontecer.

 

MPL – Você viu de perto os treinos e os jogos. A geração atual é fraca ou é possível montar um time para ir à Copa da Rússia?
Lúcio – É possível formar um grande time, até porque faltam dois anos para a Copa, mas isso depende das escolhas do treinador e do comprometimento. Seleção não são só aqueles 10 dias que eles estão ali. Eles têm o tempo no clube para mostrar qualidade e pensar na Seleção. Você não pode se dar ao luxo de se acomodar. O passado tem que ser um trampolim para você dar saltos mais altos, não um sofá para você se estagnar, se acomodar, relaxar.

 

MPL – A Seleção perdeu o respeito?
Lúcio – Isso não é somente imposto. Você conquista. Os jogadores, essa geração, está tendo uma oportunidade de recuperar e restaurar esse respeito da Seleção. Você não pode ficar na dependência de dois ou três jogadores. As seleções de 2006 da Itália, de 2010 da Espanha e de 2014 da Alemanha não tinham um jogador que era a estrela. O ponto forte era o time e a unidade, uma equipe que contava com todos. O desafio é formar um time que não dependa de um ou dois jogadores. Os últimos três campeões mundiais eram assim.

 

MPL – Ao levar a Seleção do Recife (PE) para Viamão (RS) antes do jogo com o Paraguai, a CBF foi acusada de privilegiar você e seu ex-empresário Sandro Becker, que são acionistas do hotel. Além disso, o Gilmar também jogou com o Sandro. Qual é a sua versão para esse episódio?
Lúcio – No início do ano, eu estava em São Paulo, e bem antes desses jogos eu fui convidado pelo Gilmar Rinaldi e o Dunga para ser o auxiliar pontual. Mas eu não sabia da programação, onde ia ficar. Lá em Porto Alegre, eu tenho inúmeros investimentos e para mim não teria nada a ver se o Brasil fosse para lá ou não, não mudaria nada.

 

 

“Estou muito feliz de participar desse momento como um dos condutores da tocha. Acho que vai ser uma emoção tremenda”

 

 

MPL – Qual é o seu vínculo com o hotel?
Lúcio – Eu não sou um investidor direto. Eu comprei algumas ações, uma cota do hotel, mas eu não me envolvo em nada em relação a dinheiro, contabilidade ou administração. Foi apenas um equívoco. As pessoas que falaram são estúpidas, falam sem saber. Eu sou um dos investidores do hotel, mas não participei de nada. É como você comprar uma ação da Apple ou de qualquer empresa na bolsa de valores de Nova York. Adquirir 10% das ações de uma empresa não quer dizer que você é dono. Então, pra mim, não muda nada.

 

MPL – Então não houve privilégio…
Lúcio – Não houve privilégio em nada. Tem a contabilidade da CBF, da empresa e todos podem ver. Não houve privilégio pra mim, para a CBF e pra ninguém. O próprio hotel recebeu o Equador na Copa de 2014, fez um campo padrão Fifa, as instalações, ginásio… Vários clubes vão pra lá. O Brasil não foi pra lá porque eu estava como auxiliar pontual ou porque eu indiquei ou não. Estão procurando problema onde não tem. As pessoas que me conhecem sabem da minha caminhada, do meu caráter.

 

MPL – Você é pentacampeão mundial, conquistou a Liga dos Campeões da Europa, duas Copas das Confederações, 19 títulos na carreira… Esperava ser chamado agora para conduzir a tocha olímpica em Brasília no próximo dia 3? Qual é a sensação?
Lúcio – Sensação única. Jamais imaginava viver esses momentos marcantes para mim e o nosso país. Agradeço muito a Deus por tudo o que tem feito na minha vida e família. Eu também sou grato por ter aproveitado muito bem as chances que recebi. Estou muito feliz de participar desse momento como um dos condutores da tocha. Acho que vai ser uma emoção tremenda.

 

 

*Entrevista publicada na edição do último domingo (24/6) do Correio Braziliense.