Muito além do idioma | Ao só enxergar Jorge Jesus no Brasil, Benfica dá mais uma prova de que os técnicos do país precisam se reinventar

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Técnicos brasileiros fazem biquinho desde o 7 x 1. Com raríssima exceções, são intolerantes a cobranças por atualização, ousadia, upgrade, F5 na carreira, nos métodos de trabalho, na forma de pensar o futebol. Porém, quando as caravelas do Benfica singram os mares à procura de treinador, a escola brasileira fica exposta ao desinteresse europeu. A diretoria do clube de Lisboa olha para o Brasil e só vê futuro em um profissional… português!

Reparou? Não há um nome brasileiro entre os especulados para assumir o clube lusitano. Pelo que vem publicando a imprensa da banda de lá do Oceano Atlântico, o alvo é Jorge Jesus, campeão do Brasileirão, Libertadores, Supercopa do Brasil, Recopa Sul-Americana e Taça Guanabara no primeiro ano de trabalho. Referências de profissionais brasileiros não faltam aos times d’além mar, porém, há, hoje, total desconfiança  por quem passou por lá.

Vamos aos exemplos…

Por que o Benfica não cogita levar Luiz Felipe Scolari? Felipão praticamente ressuscitou a seleção portuguesa no Velho Mundo. Há 16 anos, levou o país ao vice-campeonato na Euro-2004. Dois anos depois, classificou a esquadra para as semifinais da Copa do Mundo na Alemanha — o que não acontecia havia 40 anos. Em 2008, caiu nas quartas de final numa partida duríssima contra a Alemanha, que perderia a decisão do título para a Espanha.

Felipão é amigo e xará do presidente Luis Filipe Vieira. Ele e a família têm outros vínculos com o clube de Lisboa dos tempo em que o treinador morou lá. O brasileiro tem 71 anos. Jorge Jesus é seis anos mais jovem. Pouca diferença. A coleção de títulos do gaúcho de Passo Fundo é muito maior que a do português, mas algo pesa demais  Jesus pensa o futebol de forma moderna enquanto Felipão tem dificuldade ou simplesmente não quer sair da caixinha que rendeu inclusive o título da Copa de 2002.

Outros técnicos brasileiros passaram por lá. Paulo Autuori, atualmente no Botafogo, trabalhou no Benfica, em 1997. Tem vasta experiência internacional e títulos de ponta no próprio time carioca, no Cruzeiro e no São Paulo. Tem 63 anos, ou seja, é dois anos mais novo do que Jesus, sonho de consumo do Benfica. Quem viu o Botafogo no clássico contra o Fluminense percebeu que o time alvinegro é mais um comum no futebol brasileiro.

Felipão e o xará Luís Felipe Vieira, presidente do Benfica: nem o sucesso do brasileiro à frente da seleção de Portugal de 2003 a 2008 o coloca o brasileiro na lista de possibilidades para assumir o comando do time português

Abel Braga trabalhou na França à frente do Olympique de Marselha. Passou por Famalicão, Belenenses e Vitória de Setúbal em Portugal. Porém, o nome do desempregado Abelão também passa longe da lista dos alvos do Benfica.  O preferido, no Brasil, é Jorge Jesus.

Há quem justifique a ausência de técnicos brasileiros na Europa usando o argumento do idioma. Não é problema para Felipão, Abelão, Autuori ou algum outro nome badalado do país. No entanto, o Benfica prefere olhar com carinho para os currículos do argentino Mauricio Pochettino, do espanhol Unai Emery e de outros profissionais que dificilmente falam fluentemente a língua de Camões.

Mano Menezes fez curso de treinador da Uefa em Portugal. Por que não ele? O Benfica não ousa tirar Tite da Seleção Brasileira. Dá de ombros para os sucessos recentes de Cuca no Campeonato Brasileiro (2016) e na Libertadores (2013). Ignora Renato Gaúcho. O Grêmio do Portaluppi encantou a América, em 2017, no tri do Grêmio na Libertadores. Vamos um pouco além: é o treinador mais estável do país entre os que militam na primeira divisão.

O assédio do Benfica a Jorge Jesus — e a nenhum técnico brasileiro — mostra que o problema vai muito além da desculpa batida do idioma. O futebol português descobriu brasileiros como Otto Glória, o carioca que levou a seleção de Eusébio ao terceiro lugar na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra. Lamentavelmente, hoje, a nau lusitana só consegue gritar um nome no litoral tupiniquim: “Jorge à vista”.

A escola brasileira precisa se redescobrir.

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Marcos Paulo Lima

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