De tudo o que ouvi o técnico Dunga falar depois do empate com sabor de derrota por 2 x 2 diante do Uruguai, na noite de sexta-feira, na Arena Pernambuco, uma deixou-me com uma pulga atrás da orelha. Talvez, numa mistura de cansaço dos cartolas e de coragem, o técnico da Seleção Brasileira reivindicou da CBF, no fim de uma das repostas durante a entrevista coletiva após o jogo, força nos bastidores da Confederação Sul-Americana de Futebol.
Descontente com a atuação do árbitro argentino Nestor Pitana no clássico, Dunga não citou nomes, mas, na minha interpretação, o recado foi tanto para Wilson Luis Seneme, presidente da Comissão de Arbitragem da Conmebol, quanto para o presidente licenciado da CBF, Marco Polo Del Nero, o interino, coronel Nunes, e para Fernando Sarney, Fernando Capez e Caio César Vieira Rocha — todos brasileiros com cargos, em tese, influentes na Conmebol.
Chateado com o cartão amarelo que tirou Neymar da partida de terça-feira contra o Paraguai e com ao menos dois pênaltis não marcados a favor do Brasil, Dunga resmungou na entrevista. “Depois da Copa do Mundo, (a Eliminatória) vai ser um dos torneios mais difíceis. Não vai ter jogo fácil. Temos que unir forças com o torcedor, com os jogadores em campo. Ter um representante que cobre na Conmebol o mesmo critério do árbitro”, cobrou o técnico. Na minha opinião, o amarelo para Neymar ficou barato. Ele deveria ter sido expulso depois da entrada no mínimo imprudente em Álvaro González.
Na primeira passagem pelo cargo, de 2006 a 2010, Dunga não tinha a mínima preocupação com os bastidores. A missão dele era tão somente com a Seleção Brasileira. O então presidente Ricardo Teixeira cuidava — e como — de mexer os pauzinhos fora das quatro linhas na Conmebol e na Fifa. De volta ao cargo, Dunga percebeu na Copa América de 2015, no Chile, que nunca antes na história desse país a CBF e a Seleção Brasileira estiveram tão enfraquecidas — sem moral, mesmo — extracampo. Marco Polo Del Nero, por exemplo, não viaja para fora do país desde o início da operação FifaGate, que culminou com a prisão de Jose Maria Marin na Suíça. Marin, o homem que convidou Dunga a retornar à Seleção após a Copa de 2014.
Dunga não engoliu, até hoje, a vulnerabilidade da Seleção na Copa América de 2015, no Chile. Enquanto o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, fazia da permanência no Brasil uma estratégia para não ser preso e manter o cargo de presidente, a entidade era representada no principal torneio do continente pelo chefe de delegação, João Dória Jr., hoje candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo; pelo secretário-geral da entidade, Walter Feldman, que ainda engatinhava no cargo; e pelo diretor de Marketing, Gilberto Ratto. Faltava pedigree.
Quando Neymar teve um ataque de fúria na derrota por 1 x 0 para a Colômbia, na segunda rodada da fase de grupos da Copa América, Dunga não assumiu publicamente, mas sentiu falta da velha força política nos bastidores do torneio. João Dória Jr, Walter Feldman e Gilberto Ratto não sabiam o que fazer. Muito menos a Conmebol os conhecia ou temia. Resultado: Walter Feldman tomou a frente e gerou um mal-estar ao revelar que a comissão técnica pediu à CBF para não apresentar recurso pela permanência ou a diminuição do castigo durante a Copa América. E avisou. “A partir de agora, não abriremos mão nunca de qualquer perspectiva de recurso. Independentemente de qualquer decisão, é um direito nosso”, disse Feldman.
Ao cobrar publicamente depois do empate com o Uruguai um representante que cobre na Conmebol o mesmo critério do árbitro, Dunga mandou uma indireta — bem direta — a Wilson Luis Seneme, recém-empossado presidente da Comissão de Arbitragem da Conmebol. Ele sabe que a partida de terça-feira, no Defensores del Chaco, em Assunção, vai ser mais uma Guerra do Paraguai. Afinal, o Brasil não vence lá desde 1985. E a Seleção é obrigada, sim, a vencer. Do contrário, pode ficar de abril até setembro — quando as Eliminatórias serão retomadas — fora da zona de classificação para a Copa do Mundo da Rússia-2018. Imaginem o desgaste…
A cobrança de Dunga também tem como destinatários o presidente interino da CBF, o coronel Nunes, membro do Comitê Executivo da Conmebol. A carapuça serve, ainda, para Fernando Sarney, representante do país no Comitê Executivo da Fifa; a Caio César Vieira Rocha, presidente do Tribunal de Disciplina da Conmebol; e a Fernando Capez, membro do órgão de instrução da Comissão de Ética da entidade máxima do futebol sul-americano.
Dunga percebeu que se não colocar a boca no trombone os cartolas continuarão dormindo — um deles tirando uma sesta — em berço esplêndido… E obviamente a corda vai arrebentar no lado mais fraco, ou seja, do lado do técnico da Seleção Brasileira.
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