As relações de Flamengo e Botafogo com Brasília vão muito além das idas e vindas à capital para jogos como o deste domingo, às 11h, pela quinta rodada do Brasileirão. Os clubes da Gávea e de General Severiano extrapolaram as fronteiras do Rio e pilharam rivalidades locais na metade dos anos 1990 e na primeira década do século 21.
Em 1996, o Campeonato do Distrito Federal viu dois times tradicionais incorporarem nomes de clubes cariocas. Vermelho e preto, o Tiradentes virou Flamengo Tiradentes. Alvinegro, o Sobradinho foi rebatizado de Botafogo Sobradinho. Os genéricos desejavam aproveitar a rivalidade da época. O Rubro-Negro ostentava Romário. O Glorioso, Túlio Maravilha. Cada duelo entre eles era uma atração. Na cabeça dos dirigentes, a nova identidade atrairia torcedores em uma cidade acolhedora de migrantes do Rio de Janeiro.
Em 1º de maio de 1996, o Candangão testemunhou o primeiro clássico carioca fake no cerrado: Flamengo Tiradentes x Botafogo Sobradinho. A véspera teve provocações emulando as picuinhas da autêntica rivalidade.
Na semana do jogo, o presidente alvinegro, Délio Cardoso, sugeriu a mudança do mando de campo do Serejão, em Taguatinga, para o Augustinho Lima, em Sobradinho. Ouviu não do coronel Carlos Fernando, autoridade máxima do Tiradentes — time da Polícia Militar. “O problema do Sobradinho é dinheiro, o meu é classificação. Não vou colocar meu time em risco”, justificou. “Vou cortar o time dele no meio”, ameaçou o cartola do Leão do Cerrado.
Depois da troca de farpas, houve empate por 2 x 2, no Serejão. Vagno e Serginho balançaram a rede para o Flamengo Tiradentes. O centroavante Dimba e Dedé marcaram para o Botafogo Sobradinho, com críticas aos homens do apito. “Parece que os deuses do futebol e os bandeirinhas de Brasília querem que a gente assuma a liderança contra o próprio Gama”, ironizou o presidente Délio Cardoso.
A parceria entre Botafogo e Sobradinho havia começado em 6 de março de 1996, com direito a desembarque, no Aeroporto Internacional JK, de 10 jogadores cedidos pelo clube carioca, além do técnico Dé Aranha, hoje comentarista da Rádio Tupi. O acordo com a matriz incluía o fornecimento de jogo de uniforme oficial do Glorioso para a filial e até a exposição do patrocinador da época — o refrigerante Seven Up. A parceria tinha um porém: no lugar do escudo com a estrela solitária apareceria o Leão do Cerrado. O time custava R$ 60 mil por mês e contava com seis patrocinadores. Big era a referência, mas o brasiliense Dimba virou o cara. Contratado pelo Botafogo, fez o gol do título carioca em 1997 e comemorou comendo grama no Maracanã.
O Tiradentes adicionou o Flamengo ao nome, porém, a diretoria rubro-negra, liderada por Kleber Leite, não teve o mesmo engajamento do colega Carlos Augusto Montenegro. Havia apenas a cor rubro-negra em comum. Nem o presidente torcia para o clube da Gávea. O coronel Carlos Fernando torce pelo Vasco, mas decidiu apostar na força no “Mais Querido”.
O Flamengo Tiradentes foi um fiasco na primeira fase do Candangão. Nem avançou aos quadrangulares. O Botafogo Sobradinho alcançou as semifinais. Caiu diante do Gama, derrotado pelo Guará na decisão.
Flamengo e Botafogo também influenciaram uma final da segunda divisão no DF. Em 2009, Ceilandense e outro sósia do time de General Severiano, o Botafogo-DF, do Guará, decidiram o título. O alvinegro genérico contratou até Túlio Maravilha na tentativa de ajudá-lo a alcançar o sonhado milésimo gol.
Inspirado no Flamengo, o Ceilandense mudou o uniforme na final. Trocou o vermelho e azul por vermelho e preto. Repaginado, desbancou o favorito Botafogo-DF e frustrou Túlio Maravilha. “Pensamos nisso ao ver que o time tinha grandes chances de chegar à final. Independentemente do adversário, entraríamos em campo de rubro-negro”, despistou à época ao Correio o então presidente do Ceilandense, Marcelo Cruz.
A troca de identidade visual contra o Botafogo-DF foi um agrado à torcida do Flamengo, assídua em dias de jogos no bar do cartola, em Ceilândia Norte. Quando a classificação para a final foi assegurada, os dirigentes agilizaram a documentação para registrar um quarto uniforme na Federação. Surgiu até torcida organizada, a Raça Ceilandense. O marketing de ocasião funcionou. Apoiado pela tradicional Raça Rubro-Negra do DF, o Ceilandense levou 500 torcedores ao Cave, pressionou o Botafogo, venceu 2 x 1, deu a volta olímpica dentro do Cave e só faltou tocar o hino do Flamengo ao receber a taça.
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