No futebol brasileiro, é sempre mais fácil descartar do que investir no aperfeiçoamento do profissional. Renato errou demais em quatro meses no Flamengo. Ponto. Perdeu tudo. Mas o clube carioca desperdiçou uma grande oportunidade de inovar na gestão. Como bem escreveu nesta sexta-feira no Instagram o colega Cahê Mota, excelente setorista do GE no Flamengo, como profissional, o nosso papel é estimular a reflexão. Então, aí vai um pouquinho do que penso. Você está a vontade para discordar.
Em vez de demitir Renato, o Flamengo poderia ter enquadrado o treinador. Aberto diálogo franco, transparente, profissional. Determinar um período imediato de reciclagem na Europa durante as férias antes da reapresentação para o início da temporada 2022. Seria, no mínimo, revolucionário da parte de uma diretoria que fecha o primeiro triênio de mandato com fama de máquina de triturar técnicos.
De 2019 a 2021, passaram pelo cargo Abel Braga, Jorge Jesus, Domenec Torrent, Rogério Ceni e Renato Gaúcho. A média é de sete meses de trabalho para cada um na administração de Rodolfo Landim. Mesmo assim, vitoriosa, com direito a tricampeonato carioca, bi no Brasileirão, bi na Supercopa do Brasil, uma Recopa Sul-Americana, um vice no Mundial de Clubes contra o Liverpool e o segundo lugar na Libertadores deste ano.
Mas nem só de empilhar taças vive o futebol. A estrutura dos clubes brasileiros deveria ter um cargo reservado a um sujeito capacitado para fazer o controle de qualidade do trabalho do técnico. Um profissional apto a dialogar com ele sobre acertos, erros, dificuldades e necessidade de constante aperfeiçoamento. De planejar ciclos de reciclagem no Brasil, nas Américas e na Europa. Sim, custa caro, mas, às vezes, vale a pena. Vou dar um exemplo: Paulo Autuori e Muricy Ramalho são gabaritados a enquadrar Alberto Valentim e Rogério Ceni. Ambos, por sinal, fazem péssimos trabalhos respectivamente. Precisam se aprimorar.
O Flamengo poderia determinar, por exemplo, uma turnê de Renato em dezembro para intercâmbios com Jorge Jesus no Benfica. Levá-lo ao Braga para interagir com Carlos Carvalhal. Enviá-lo à Inglaterra para trocas de ideias com Jürgen Klopp no Liverpool, Pep Guardiola no Manchester City, Thomas Tuchel no Chelsea, Massimiliano Allegri na Juventus, Carlo Ancelotti no Real Madrid. A viagem terminaria aqui ao lado batendo uma bola com Marcelo Gallardo.
Pode parecer bobeira, mas Tite fez isso no ano sabático posterior à era dourada de títulos do Corinthians no período de 2011 a 2013. Tirou um tempo para se reciclar, aprendeu e voltou melhor. Basta ver como era o Corinthians campeão brasileiro em 2011 e como foi o de 2015. Tite tem dificuldades na Seleção Brasileira, mas os conceitos de trabalho se modernizaram.
Você pode estar pensando: mas e se o arrogante e sabe tudo Renato não aceitasse o planejamento do Flamengo e preferisse uns dias de praia no verão carioca ao aprendizado no frio europeu? Aí, sim, a solução seria a quebra do contrato. Toda preguiça e desinteresse devem ser castigados.
A propósito, um dos grandes erros do Flamengo na passagem de Jorge Jesus pelo Ninho do Urubu foi não ter separado um discípulo para acompanhar todos os passos de Jesus. Formar um treinador internamente. Poderia ter sido Maurício Souza ou Marcelo Salles, o Fera.
O departamento de futebol também deve ter essa visão. Antes de demitir, sugerir uma solução. Ainda mais com tempo. Renato só voltaria a trabalhar em janeiro no Campeonato Carioca. O torneio serviria como laboratório para ele colocar em prática correções de erros graves cometidos desde os últimos anos de trabalho no Grêmio.
Os times de Renato apresentam problemas como falta de compactação, sistema de marcação ruim, posicionamento nas cobranças de faltas e escanteios equivocados, transição lenta do ataque para a defesa, falta de criatividade para implodir a retaguarda de adversários retrancados, como ficou evidente naquele 0 x 0 com o Cuiabá.
Renato e tantos outros técnicos do futebol brasileiros carecem de tomada rápida de decisão diante de um adversário que surpreenda na escalação e no posicionamento, como fizeram Abel Ferreira na decisão da Libertadores; e Roberto Martínez contra Tite nas quartas de final da Copa de 2018. De gestão do grupo Renato entende. Mas o futebol moderno vai além do papo de boleiro. Não se trata de defender ou não a permanência do Renato, mas da busca de alternativas contra a decisão mais fácil: demitir.
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