O que acontece no Flamengo é surreal.
Guardadas as devidas proporções, é mais ou menos o seguinte: O presidente do Clube de Regatas do Flamengo comunica ao setor de Recursos Humanos que precisa demitir urgentemente o técnico do time de futebol.
Do outro lado, um inflexível gestor do RH bate o pé e diz que tudo bem, desde que o clube e o profissional cumpram aviso prévio.
Tão burocrata quanto o departamento de pessoal, o cartola não dispensa o treinador, não faz a mínima ideia de quem contratar para a vaga e muito menos tem um colaborador disponível para montar um gabinete de crise, ou seja, colocá-lo para tocar a repartição temporariamente. Gerido por executivos especializados no mundo corporativo, o Flamengo é, hoje, ironicamente, uma gigante firma caótica.
Paulo Sousa cumpre aviso prévio em um cargo que demanda o tempo inteiro o que ele não consegue mais entregar: resultado. A burocracia e a incompetência administrativa fazem com que o time pague caro por isso em um produto importante para a empresa — o Campeonato Brasileiro.
Metáforas à parte, a derrota para o Red Bull Bragantino encerra uma era tenebrosa no departamento de futebol rubro-negro. Defendi mais de uma vez a sequência do trabalho de Paulo Sousa até o fim deste ano e que depois disso, sim, a diretoria discutisse a relação, No entanto, a situação atingiu nível indefensável por uma soma de fatores que extrapola o próprio profissional.
O Brasileirão é o terceiro campeonato nacional de ponta na carreira de Paulo Sousa. O 14º lugar na Série A depois da derrota por 1 x 0 para o Bragantino é a pior posição dele na comparação entre os desempenhos na elite do Inglês, Italiano, Francês e Brasileiro.
Na passagem pela Itália, Paulo Sousa acumulou quinto e oitavo lugar à frente da Fiorentina. Comandou o Bordeaux na Ligue 1 e registrou 13º e 12º lugar. Um dos três técnicos do Queens Park Rangers na Premier League durante a temporada 2008/2009, participou da campanha do 11º lugar. Os outros dois comandantes foram Iain Dowie e James Magilton.
Um técnico começa a assinar a carta de demissão quando começa a abrir mão das suas convicções. Paulo Sousa parecia ter uma ideia fixa na cabeça: a linha de três zagueiros, ou seja, o sistema de jogo 3-5-2 e suas variáveis. As melhores exibições do Flamengo no ano foram nessa configuração. O time fez boa etapa inicial no primeiro clássico da temporada contra o Fluminense. Esteve bem na Supercopa diante do Atlético-MG. Competiu com o Palmeiras na terceira rodada da Série A. Iniciou bem o clássico contra o Botafogo. De uma hora para outra, Paulo Sousa aboliu a linha de três e abraçou uma defesa convencional.
Paralelamente, Paulo Sousa começou a perder o controle do vestiário. Quando ele foi contratado, fiz uma entrevista com um jornalista italiano que escreveu um livro sobre as duas temporadas do português à frente da Fiorentina. Uma das observações de Giacomo Cialdi foi a seguinte: “Ele não deixa ninguém colocar os pés na cabeça dele”. Assim foi.
Houve atrito com Diego Alves, um dos três capitães no momento de erguer o troféu. Mais de um bate-boca em campo com Willian Arão à beira do gramado. Atribuição de culpa ao elenco — e não às próprias decisões — pela derrota para o Fortaleza no último domingo na cartada final da queda de braço com um elenco que, claramente, não mais o tolera.
A ideia de terceirizar a comissão técnica e não mais contar uma equipe de trabalho fixa mostra-se um tiro no pé na gestão de Rodolfo Landim. O grupo de Paulo Sousa não foi dispensado ainda somente devido à multa altíssima de R$ 7,7 milhões. A questão é mais grave: o clube não tem mais o que era tradição nos momentos esportivos mais difíceis do clube: velha figura de um Carlinhos, Andrade ou Jayme de Almeida, aquele colaborador sempre disposto a segurar as pontas em curtas ou longas transições de comando. Os gênios acharam que esse tipo de colaborador não é mais necessário. Diante da economia burra, a solução imediata é tirar Mário Jorge dos Santos Silva temporariamente do comando do time sub-20 para o duelo de sábado contra o Internacional, no Beira-Rio, em Porto Alegre.
O possível tapa-buraco conquistou três títulos na temporada passada. À frente do Sub-17, conquistou a Supercopa, a Copa do Brasil e o Brasileirão da categoria. Matheus França, Vitor Hugo e Marcos Paulo passaram pela prancheta de Mário Jorge.
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