A final do futebol feminino nos Jogos Olímpicos de Paris-2024 neste sábado, às 12h, no Estádio Parque dos Príncipes, é um teste para a sintonia entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Comitê Olímpico do Brasil (COB) na tentativa de evitar a reedição de tretas do passado causadas por contratos com diferentes fornecedores de material esportivo.
A entidade comandada pelo presidente Ednaldo Rodrigues tem acordo com Nike desde 1996, quando Ricardo Teixeira trocou a inglesa Umbro pela etiqueta estadunidense. O vínculo do COB, liderado pelo ex-judoca Paulo Wanderley, é com a Peak. A marca chinesa fechou negócio em 2017. O vínculo de sete anos expira em dezembro.
Há um acordo de cavalheiros nem sempre respeitado nos Jogos Olímpicos. Os atletas podem usar marcas próprias ou das confederações nas competições. No pódio, a norma é receber a medalha vestindo o uniforme da Peak. O futebol costuma desrespeitar a regra desde Atlanta-1996.
Nos Jogos de Tóquio-2020, disputados em 2021 devido à pandemia, a Seleção Brasileira subiu ao degrau mais alto do pódio com o casaco da marca chinesa amarrado na cintura e irritou o COB. Depois do incidente, inclusive com início de uma batalha jurídica com a CBF por causa da infração, houve uma tentativa de pacificação da relação entre o atual diretor de marketing do COB e a CBF para que a treta não se repita em Paris-2024. As duas entidades, inclusive, se uniram nesta edição dos Jogos Olímpicos na tentativa junto à Corte Arbitral do Esporte de liberar Marta da suspensão para a semifinal contra a Espanha. A parceria entre os departamentos jurídicos das duas entidades não obteve êxito.
Independentemente do resultado da final, a Seleção feminina subirá ao pódio no mínimo para receber a medalha de prata. A questão é a quem a CBF dará mais exposição no pódio. Respeitará o COB como fizeram as outras modalidades, ou agradará a Nike? Detalhe: adversário do Brasil na final, a seleção dos Estados Unidos também veste Nike. Uma exibir a marca e a outra não no pódio arrisca pegar mal para a etiqueta do Oregon.
Em 2022, perguntei ao presidente Paulo Wanderley sobre a antiga queda de braço, o processo movido contra a CBF por causa de 2021 e a possibilidade de consenso entre as partes. “Está rolando (o processo), mas temos que reconhecer os valores da modalidade. O futebol foi bicampeão olímpico. Isso não o exime. Até hoje, não identificamos de quem foi a orientação. Não foi agradável, mas não é motivo de a gente romper o casamento”, ponderou à época o presidente do COB, Paulo Wanderley, em tom conciliador.
Conversei também neste ciclo olímpico com o diretor de marketing do COB, Gustavo Herbetta, sobre o cabo de guerra. “Esse problema não apareceu muito em Londres-2012 e no Rio-2016 porque as marcas eram da mesma empresa (Nike). Ficou mais evidente em Tóquio, mas a ideia, agora, é a gente antecipar essa conversa, planejar e entender”, disse o executivo no dia em a Seleção feminina se classificou para os Jogos de Paris-2024.
Herbetta foi além. Argumentou que o impasse não é exclusividade do futebol. “Outros atletas do Time Brasil competem com marcas que patrocinam a confederação e, se performam, ganham medalha, sobem (ao pódio) com o uniforme oficial do Time Brasil, da marca parceira do COB. É questão de planejamento”, reforça Herbetta.
O executivo usou o “case” de Rayssa Leal, a Fadinha. “O skate é um exemplo. A Rayssa Leal competiu com a marca patrocinadora da Confederação Brasileira de Skate e, ao subir para a cerimônia de medalhas, usou o uniforme oficial do COB”, disse à época, referindo-se ao compartamento de Rayssa no pódio, em Tóquio. O patrocinador da marca é a Nike.
“É uma questão de alinhar os pontos, os interesses de ambas as entidades e planejar”, ponderou o diretor, com experiência de quem passou pelo marketing de um clube de futebol e aprendeu a lidar com cartolas. Herbetta chefiou o marketing do Corinthians.
A treta parece nova, mas é antiga. A guerra entre as marcas fornecedoras de material esportivo do COB e da CBF é uma herança das eras Carlos Arthur Nuzman e Ricardo Teixeira. A polêmica quebrou protocolo olímpico em Atlanta-1996 e fez até parte de negociação para não prejudicar a candidatura do Rio a receber os Jogos de 2016.
Em Atlanta-1996, a CBF cumpria os últimos dias do contrato com a Umbro. A fornecedora inglesa de material esportivo havia vestido a Seleção na campanha do tetra na Copa dos Estados Unidos. No entanto, a roupa do Time Brasil nos Jogos Olímpicos era de grife concorrente: a Reebok. O ápice do atrito aconteceu na decisão da medalha de bronze.
O time liderado por Zagallo goleou Portugal por 5 x 0 e ficou com o terceiro lugar. Um suposto acordo entre a Fifa, presidida à época pelo sogro de Ricardo Teixeira, João Havelange, e o Comitê Olímpico Internacional (COI), liderado à época por Juan Antonio Samaranch, antecipou a entrega do prêmio ao Brasil. O correto seria a Seleção receber a medalha depois da final entre Argentina e Nigéria. As decisões do ouro, prata e bronze foram no mesmo estádio e cidade — Athens, a 114km de Atlanta.
Teixeira disse que não teve nada a ver com a vergonhosa entrega antecipada da medalha de bronze à Seleção em 2 de agosto e não no dia seguinte, como manda o figurino. Fez cara de surpreso, mas foi desmentido. Antes de o jogo entre Brasil e Portugal começar, os alto-falantes do estádio anunciaram que, em caso de vitória brasileira, a premiação seria feita após o jogo e, na hipótese da vitória lusa, somente no dia seguinte.
O Brasil, vestido à época pela inglesa Umbro, goleou Portugal por 5 x 0 e não precisou vestir o uniforme oficial do COB, que à época usava Reebok. O time de Zagallo recebeu a medalha antecipadamente e deixou o espaço reservado ao terceiro lugar no pódio vazio na premiação da final.
Em 2008, a polêmica foi sobre o escudo da CBF. A entidade queria mantê-lo e fez uma queda de braço com o COI. Pelas normas, somente o escudo de cada comitê olímpico nacional ou símbolos como a bandeira ou o nome do país são permitidos. Nem a Intervenção da Fifa deu jeito. O Brasil estreou com a logomarca da CBF contra a Bélgica, mas recuou contra a Coreia do Sul depois de um acordo político entre os presidentes do COB e da CBF.
À época, o Brasil pleiteava receber os Jogos Olímpicos de 2016. Nuzman convenceu Teixeira de que a teimosia em utilizar o escudo poderia prejudicar a candidatura do país no colégio eleitoral. Para não ser acusado de atrapalhar os planos olímpicos do Brasil, Teixeira, que já tinha a organização da Copa do Mundo de 2014 assegurada, teve de ceder, mesmo contra a própria vontade. Até jogadores como Ronaldinho Gaúcho e Hernanes entraram na pilha em defesa da utilização do escudo da CBF nos Jogos de Pequim.
Eliminado pela Argentina na semifinal, o Brasil disputou o terceiro lugar contra a Bélgica. Ganhou e passou por certo constrangimento no pódio. Os jogadores usavam uma camisa da CBF na premiação ao lado da bicampeã Argentina e da vice Nigéria, mas o escudo da entidade máxima do futebol brasileiro estava coberto com esparadrapo.
O futebol participou dos Jogos Olímpicos de Londres-2012 e Rio-2016, mas não houve treta com uniforme por um motivo simples: a Nike vestiu o Time Brasil nas duas edições. Dessa vez, o COB acertou com a chinesa Peak e viu os bicampeões olímpicos ignorarem a roupa na premiação. Além de publicar nota de repúdio, o COB acionou a CBF na Justiça.
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