Fluminense O Fluminense perdeu para o The Strongest a 3.600m de altitude, em La Paz. Foto: Marcelo Gonçalves/FFC O Fluminense perdeu para o The Strongest a 3.600m de altitude, em La Paz. Foto: Marcelo Gonçalves/FFC

Fernando Diniz perde a razão ao não discutir com sobriedade a questão dos jogos na altitude

Publicado em Esporte

Em tempos de campanhas em série por respeito no futebol, Fernando Diniz desperdiçou a oportunidade de propor o debate sobre jogos a 3.600m de altitude com sobriedade. Entendo o estresse causado pela derrota do Fluminense por 1 x 0 para o The Strongest nesta quinta-feira, no Estádio Hernando Siles, em La Paz, mas o técnico tricolor subiu demais o tom nas críticas.

 

Fernando Diniz disse o seguinte depois do fim da invencibilidade no torneio: “Jogar nesse tipo de altitude é quase sempre criminoso. Ninguém está preparado para isso. Times jogam no nível do mar, quando vêm para cá é outro esporte. Por isso que os times daqui, historicamente, fazem o tanto de pontos que fazem em casa”, disparou na sala de conferências.

 

“O River Plate veio aqui (em La Paz) na estreia com o time titular, tomou 3, podia ser mais. É muito diferente o jogo. E não é só o desgaste físico, jogo muda completamente. Aqui erra passe que não se erra a nível do mar. Cai de maneira drástica a qualidade do jogo”, argumentou.

 

É óbvio, jogadores e treinadores têm direito de se expressar sobre jogos na altitude. Por sinal, esse tema é um trauma na centenária história tricolor. O Fluminense perdeu dois títulos para a LDU justamente por causa de duelos a 2.850m no Estádio Casablanca, em Quito, no Equador.

 

A questão são os termos politicamente incorretos para entrar na discussão. No meu entender, Fernando Diniz agride times e o povo boliviano ao usar a palavra “criminoso” para atacar jogos em La Paz. Os brasileiros esquecem o seguinte: houve um tempo em que a CBF usava o calor de algumas regiões do país como trunfo nas Eliminatórias para a Copa do Mundo. Havia o entendimento de que mandos de campo em cidades como Belém, Manaus e algumas capitais da Região Nordeste favoreciam a Seleção. Alguns adversários reclamavam das temperaturas.

 

É curioso também Fernando Diniz atacar a altitude e tolerar algumas partidas do Campeonato Carioca em temperaturas absurdas no verão carioca. O Rio de Janeiro registrou recorde de calor em 2023: a sensação termina chegou a 58⁰C e temperatura máxima de 41⁰C. O regulamento do torneio inclusive prevê pausas no primeiro e no segundo tempo para hidratação.

 

Não é a primeira nem será a última vez que um técnico ou dirigente brasileiro criticará a altitude. Em março de 2022, Tite classificou a realização de jogos em La Paz como “desumana” e foi criticado por Marco “El Diablo” Etcheverry, um dos maiores ídolos do futebol boliviano. “Não quero dizer outras palavras porque pensarão que são discriminatórias, mas me parece que Tite é um covarde”, atacou. “Peço desculpas porque errei”, declarou depois o técnico da Seleção.

 

Em 2007, o presidente Márcio Braga classificou a partida contra o Real Potosí a 4.000m de altitude. “Um campo de futebol a uma altitude não recomendada pelos especialistas de saúde não oferece as mesmas condições às duas equipas e desvirtua o princípio desportivo do fair-play”, atacou o dirigente. “Pediremos para não jogar no calor, porque, para nós, os mosquitos e a umidade são inóspitos. Isso nos afeta quando descemos”, retrucou a diretoria do Real Potosí.

 

Portanto, Fernando Diniz tem todo direito de se indignar com jogos em La Paz. Usar o termo “criminoso” é ofensivo. Em 2007, a Fifa tentou estabelecer um teto para jogos na altitude. O informativo avisava: “No melhor interesse da saúde dos jogadores”, as partidas não poderiam mais ser realizadas acima de 2.500m de altitude. Houve reações em massa na América do Sul.

 

O veto pegou em cheio a Bolívia, cuja capital, La Paz, está a 3.600m de altitude. Quito, capital do Equador, se localizava a 2.800m acima do nível do mar. Cusco, no Peru, a 3.300m. No limite, Bogotá, capital da Colômbia, se encontrava a 2.600m de altitude.

 

O presidente da Bolívia, Evo Morales, liderou uma campanha contra a decisão da Fifa. “Este não é um veto somente à Bolívia, e sim um veto à universalidade do esporte”, criticou. O protesto foi midiático. O chefe de estado disputou uma partida em Sajama, pico mais alto da Bolívia, a 6.500m de altitude. Disputou 20 minutos do jogo e disparou: “O esporte deve ser disputado em qualquer lugar”.  Desgastado, o ex-presidente da Fifa Joseph Blatter reviu a norma da entidade.

 

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