A série de quatro trocas de técnico em 20 horas no Campeonato Brasileiro abre um debate sobre os superpoderes de quem os contrata, os executivos de futebol. Ao contrário dos treinadores, eles raramente caem. Quase nunca têm culpa no cartório. Na maioria das vezes, são eles que escolhem e iniciam contatos com o dono da prancheta dos sonhos dos patrões. E ostentam estabilidade impressionante.
Ouso dizer que, no futebol pós-moderno, eles se tornaram mais importantes do que o próprio treinador. Desfrutam de imunidade. São quase infalíveis no cargo de confiança que ocupam. Quando parece que falharam, acendem o fogo, encharcam a frigideira de óleo e iniciam o processo de fritura de quem (quase) sempre é o culpado: o técnico. Funciona mais ou menos assim: eu contrato, mas ele é quem escala.
Em 2017, o Flamengo tentou quebrar a regra. Caiu todo mundo depois da eliminação nas semifinais do Campeonato Carioca contra o Botafogo. Paulo César Carpegiani perdeu o emprego, mas o badalado executivo Rodrigo Caetano, atualmente no Internacional, foi junto. Raríssimo.
Alexandre Mattos contrata a rodo. Tem cheque em branco, a senha do cartão corporativo. Entre erros e acertos, parece intocável. Na gestão dele, passaram pelo cargo de técnico Oswaldo de Oliveira, Marcelo Oliveira, Cuca, Eduardo Baptista, Roger Machado, Luiz Felipe Scolari e o atual, Mano Menezes. Todos passam, menos Mattos. Está lá desde 2015, blindado pelos títulos brasileiros da Copa do Brasil 2015 e o bi do Campeonato Brasileiro 2016 e 2018. Nenhum treinador da Série A ostenta uma estabilidade semelhante a essa. Renato Gaúcho está no Grêmio há três anos e nove dias.
Vice de futebol do Cruzeiro, Itair Machado resiste na diretoria. Nem as graves denúncias apresentadas na série de reportagens dos colegas do grupo Globo Gabriela Moreira e Rodrigo Capelo abalaram o prestígio do dirigente. Prova disso é a influência dele na demissão de Rogério Ceni.
Paulo Angioni tem parcela de culpa no entra e sai de técnico no Fluminense. Ajudou Mario Bittencourt e Celso Barros na contratação de Oswaldo de Oliveira e participou da decisão que demitiu o treinador na madrugada de sexta-feira. A nova diretoria acabou de assumir e terá o terceiro técnico diferente. Angioni, óbvio, não quer ficar mal na fita. Na dúvida, é melhor cortar o lado mais fraco da corda.
Daniel de Paula Pessoa fez mais do mesmo no Fortaleza. Oportunista ao saber da saída de Rogério Ceni do Cruzeiro, mandou José Ricardo Mannarino, o Zé Ricardo, passar no RH com apenas sete partidas no clube. Por falar nisso, a soma do número de jogos de três dos quatros demitidos na insana 21ª rodada do Campeonato Brasileiro dá 22: Sete de Zé Ricardo, sete de Oswaldo de Oliveira e oito de Rogério Ceni. Como pode???
Cuca superou o contrato de experiência. Passou mais de 90 dias no cargo. Porém, pediu demissão do São Paulo. O diretor executivo Raí, que várias vezes teve o apoio midiático para assumir cargo administrativo na CBF, não consegue tocar o São Paulo. Demitiu Diego Aguirre neste mesmo período do ano na temporada passada para entregar o cargo a André Jardine. Dispensou Jardine depois do fracasso na Pré-Libertadores, contratou Cuca, que se recuperava de cirurgia cardíaca, e colocou o coordenador de futebol Vágner Mancini para tocar o barco. Mas Raí é ídolo do clube paulista. Tem carta branca para fazer o que quiser. Errar quantos vezes for necessário.
Vágner Mancini cansou da bagunça. Ocupava o cargo de coordenador de futebol do São Paulo até pedir o boné depois do anúncio da contratação do técnico Fernando Diniz. No organograma maluco do futebol brasileiro, Mancini seria mais uma vez treinador tampão no duelo deste sábado contra o Flamengo. Ao que parece, escolheu se dar o mínimo de respeito.
A pergunta que não quer calar é: de quem é a culpa? Do treinador ou de quem contrata? Os clubes trocam de técnico como quem muda de roupa, mas executivos, esses sim, desfrutam da estabilidade tão sonhada pelos quase sempre culpados donos da prancheta.
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