Era uma vez a cabra da montanha: a coluna desta sexta-feira no Correio Braziliense

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Era uma vez um rei que olhava todos os dias para o espelho e dizia: “Sou como uma cabra das montanhas suíças. Eu avanço, avanço, avanço e nada pode me deter”, afirmou certa vez Joseph Blatter, em entrevista ao Neue Zürcher Zeitun. Se o FBI fosse tão criativo quanto a nossa Polícia Federal, talvez, um bom nome para a operação que derrubou o presidente da Fifa e pode ter mudado a história do futebol seria chupa-cabra. Blatter mais uma vez avançou ao ser reeleito para o quinto mandato na sexta-feira passada, mas chegou o dia da caça e ele finalmente foi domado uma semana depois pela prepotência.
Ao renunciar a presidência da Fifa, Blatter fez o que mais odeia. “Retroceder nem para tomar impulso”, costumava dizer. Contrariou a própria personalidade. Jamais deu o braço a torcer quando se achava um atacante bem melhor do que foi nos tempos de perna de pau. Ele jura que era um bom jogador de futebol amador. Não baixou a crista nem mesmo quando começou a trabalhar como relações públicas em sua cidade natal. Muito menos ao exercer o papel de secretário geral da federação suíça de hóquei sobre o gelo.
A prepotência de Blatter sempre fez parceria com o oportunismo. Usou o emprego na fábrica de relógios Longines para ter as portas abertas no Comitê Olímpico Internacional (COI), — o maior trampolim de acesso à Fifa. Primeiro como diretor de projetos. Mais tarde, na função de secretário geral por 17 anos. Era o braço direito do brasileiro João Havelange. Blatter sempre foi obstinado pelo poder, mas quem trabalhou próximo dele o define como um ser solitário. Talvez, por isso, acusou o golpe quando o Fifagate atingiu a pupilo Jérôme Valcke. Ele ficaria só.
Joseph Blatter não tem verdadeiros amigos. A exceção é a filha única dele, Corinne, 53 anos, que batalhou incansavelmente pela eleição do pai no Congresso de 1998 da Fifa, em Paris. “Quando os homens que estão ao redor dele começam a ficar fortes, ele os mata, os incrimina. Manipula tudo para continuar no poder”, diz David Yalop, autor de um livro da minha biblioteca que recomendo: Como eles roubaram o jogo. Ricardo Teixeira cobiçava a Fifa. Caiu em desgraça. Michel Platini logo virou desafeto.
O fato de ser poliglota era um trunfo de Blatter. Fala alemão, inglês, francês, espanhol, italiano e português com sotaque brasileiro. Blatter parecia um velhinho simpático a cada turnê pelo nosso país antes, durante e depois da Copa de 2014. O personagem imitou Cristiano Ronaldo em uma palestra na Universidade Oxford Union Society e chegou a afirmar que estava mais para Robin Hood do que para um xerife malvado de Nottingham.
Blatter tentava transparecer um homem de palavra, mas foi chamado de mentiroso por quem virou quem virou uma pedra no sapato. “Quando foi eleito pela quarta vez, ele disse que seria o  último mandato e agora tenta ser reeleito pela quinta vez”, protestou Platini.
Religioso, inaugurou uma capela ecumênica na Fifa, mas deve ter rezado pouco e conversado menos ainda com os pais. Ir ao túmulo desabafar com quem o trouxe ao mundo é uma espécie de terapia para Blatter. Assim como organizar anualmente um torneio de futebol na cidade de Ullrichen. Apaixonado por carros de luxo e belas mulheres, Joseph Blatter foi casado três vezes, mas nenhuma separação será tão dolorosa para quem se achava acima do nem e do mal. Pelo bem do jogo, o dia da caça à cabra chegou.
*Coluna Máquinas do tempo a ser publicada nesta sexta-feira
Marcos Paulo Lima

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Marcos Paulo Lima

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