Ele foi o árbitro da primeira final de Copa do Mundo decidida nas cobranças de pênalti, do primeiro lance revisado pela Fifa com auxílio de imagens de tevê e até de um jogo valendo troféu no Campeonato Paulista. Há 25 anos e nove meses, em 17 de julho de 1994, o húngaro Sandór Puhl, seus auxiliares Venancio Concepcio Zarate (Paraguai) e Davoud Fanaei (Irã); e os 26 jogadores de Brasil e Itália utilizados por Carlos Alberto Parreira e Arrigo Sacchi no Estádio Rose Bowl aguentaram bravamente por 120 minutos o calor insuportável do verão de Pasadena, em Los Angeles, Califórnia. Protagonistas daquela partida iniciada às 12h em solo norte-americano lembram que fazia no mínimo 40 graus naquela arena fora do moderno padrão Fifa. Não havia sombra para quem estava dentro — e muito menos fora das quatro linhas. O público anunciado foi de 94.194 pagantes. A partida será reprisada pela tevê Globo neste domingo em mais um vale a pena ver de novo no horário nobre do futebol.
Vinte e cinco anos depois, Sandór Puhl conversou com blog Drible de Corpo sobre a decisão da Copa de 1994. Eleito por quatro anos consecutivos (1994 a 1997) o melhor árbitro do mundo, o húngaro conquistou o direito de mediar Brasil e Itália sob protestos, principalmente, da imprensa espanhola. Ele não viu o zagueiro Tasotti quebrar o nariz de Luis Enrique nas quartas de final (assista ao vídeo abaixo). Obviamente, não havia auxílio do VAR à época. Mesmo assim, Sandór Puhl entrou para a história das Copas ao ser o primeiro juiz a ter um lance revisado por vídeo.
“O Comitê de Disciplina considera que (Mauro) Tassotti cometeu um ‘ato de séria violência com disposição de machucar’. Por isso, decidiu analisar a filmagem e suspender o jogador por oito partidas, em uma decisão histórica, já que pela primeira vez se aplica o vídeo”, explicou o então secretário-geral da entidade, Joseph Blatter. O mandatário da Fifa era João Havelange.
A Espanha reivindica pênalti até hoje. “Nada foi mencionado no relatório oficial (súmula). Podemos compreender o árbitro e os bandeirinhas pela posição de campo que se encontravam, mas o delegado de jogo não informou sobre um fato que causou uma lesão tão grave. Por isso, utilizamos pela primeira vez um vídeo, que vimos até 12 vezes. A Fifa não pode intervir para mudar um resultado, mas sim para sancionar um ato deliberado de séria violência contra outro jogador, quando não se disputava a bola”, completou Blatter.
Apesar do lance polêmico, Sandór Puhl conquistou, aos 39 anos, o direito de apitar a decisão da Copa. Além do polêmico duelo entre Itália e Espanha, havia apitado a vitória da Noruega sobre o México (1 x 0) e o empate entre Brasil e Suécia (1 x 1), ambos na fase de grupos. Na repescagem das Eliminatórias, comandou o confronto de ida entre Austrália e Argentina.
“Todos os jogos são importantes para um árbitro de futebol, mas a final da Copa do Mundo foi o auge da minha carreira. Dormi pouco na véspera. Sou muito realizado por ter representando o meu país, a Hungria, naquela decisão”, diz Sandór Puhl, de Budapeste, em entrevista ao blog.
Aos 64 anos, o mediador da decisão de 1994 ocupa lugar de honra no futebol do país: é vice-presidente do Comitê de Árbitros da Federação da Hungria. Sandór Puhl revela que tem em casa o videoteipe da final da Copa. “Eu gosto de rever o jogo, mas ultimamente não tenho tempo”, assume, assustado ao saber que se passaram 25 anos desde o dia em que chegou a ser eleito pela crítica o melhor homem em campo numa decisão marcada pelo insistente 0 x 0.
“Todos os jogos são importantes para um árbitro de futebol, mas a final da Copa do Mundo foi o auge da minha carreira. Dormi pouco na véspera. Sou muito realizado por ter representando o meu país, a Hungria, naquela decisão”
Tanto tempo depois, Sandór Puhl mantém a discrição dos tempos de árbitro. Dá cartão amarelo e até vermelho para temas polêmicos. Disse ao blog que não tem competência para avaliar a qualidade do futebol apresentado por Brasil e Itália na decisão de 1994. Muito menos para dizer se o futebol de 1994 era mais bacana do que em 2019. “O futebol eterno, não há comparações”, filosofa.
Apesar de ter sido duro em algumas advertências — uma delas ao lateral-direito Jorginho —, o ex-árbitro é politicamente correto ao falar sobre o relacionamento com os artistas daquele espetáculo. Dunga e Franco Baresi eram os capitães. Além dos donos das braçadeiras, não faltavam jogadores com estopim curto. Roberto Baggio, Massaro, Maldini, Romário, Branco…
“Todo jogador é considerado bom jogador por um árbitro. Todos os jogadores tiveram ótimo comportamento naquele dia. Foram ótimos parceiros. Na verdade, quem me deu mais trabalho foi o tempo. Estava muito quente naquela tarde”, critica Sandór Puhl. A decisão começou às 12h em Pasadena. O relógio marcava 16h no horário de Brasília. Na verdade, quatro jogadores deram trabalho, sim. Os brasileiros Mazinho e Cafu e os italianos Apolloni e Albertini tentaram competir com o sol infernal e foram punidos com cartão amarelo.
Sandór Puhl conta que guarda todos os objetos usados por ele na decisão da Copa de 1994 e numa outra final. Em 1997, o então presidente da Federação Paulista de Futebol, Eduardo José Farah, contratava árbitros estrangeiros para apitar partidas do Estadual. Coube ao húngaro a responsabilidade de colocar ordem no jogo do título do quadrangular final do Paulistão entre Corinthians e São Paulo, em 5 de junho, no Morumbi.
“Todo jogador é considerado bom jogador por um árbitro. Todos os jogadores tiveram ótimo comportamento naquele dia. Foram ótimos parceiros. Na verdade, quem me deu mais trabalho foi o tempo. Estava muito quente naquela tarde”
“Lembro-me da excelente atmosfera no estádio (60 mil pessoas), do bom jogo e, principalmente, do uniforme que usei naquele dia, da marca Penalty”, diverte-se. Antes de ir a São Paulo, Sandór Puhl havia apitado no mesmo ano, em 28 de maio, a final da Uefa Champions League entre Borussia Dortmund e Juventus, no Estádio Olímpico, em Munique.
Há algumas lendas sobre a final da Copa de 1994. Uma delas conta que o quarto árbitro, o argentino Francisco Oscar Lamolina, ficou responsável por guardar a moedinha usada por Sandór Puhl no cara ou coroa do início da partida. O húngaro temia perdê-la ao deixá-la no bolso durante a movimentação do jogo. Pois na hora da decisão por pênaltis, Lamolina é quem não encontrava a moeda oficial entregue pela Fifa a Sandór Puhl. A solução encontrada foi recorrer à plateia. Um torcedor teria entregue uma moeda de 25 centavos de dólar a Lamolina, que a repassou a Puhl.
Puhl confirma a história ao blog. “Sim, a história é verdadeira. O quarto árbitro me ajudou com o quarto de dólar”, respondeu. O juiz guarda todos os objetos da final. Com a tal moedinha emprestada — e jamais devolvida porque o dono dela nunca mais apareceu —, o húngaro definiu o lado da decisão por pênaltis.
Aquela trave em que Roberto Baggio mandou para o espaço a última cobrança da Itália, decretou a vitória verde-amarela por 3 x 2 (assista ao vídeo). Pela primeira vez na história das Copas, a espera pelo apito final de um árbitro não tinha importância. Àquela altura, um país inteiro festejava o fim do jejum de 24 anos. A Seleção era tetra depois de um susto causado por Márcio Santos ao desperdiçar a primeira cobrança do Brasil, acertos de Romário, Banco e Dunga e uma defesa épica de Taffarel no duelo contra Massaro. O Brasil conquistou a taça e a carreira de Sandór Puhl foi premiada com outro troféu: uma biografia escrita por Pálfalvi Gábor.
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