Seis jogadores uruguaios vestiram a camisa do Flamengo. Humberto Buchelli (1945), Carlos Aníbal Mendoza (1966-1967), Jorge Manicera (1968-1969), Darío Pereyra (1988), Horacio Peralta (2006) e o maior deles — Sérgio Ramirez D’Ávila. Aos 67 anos, o ex-lateral disputou 94 jogos com o “manto sagrado”. Fez dois gols e foi campeão carioca em 1978 e 1979.
“Eu só não joguei mais vezes porque, naquela época, o visto de trabalho para estrangeiros era complicado. Além disso, o concorrente na lateral direita era o Toninho e na esquerda, o Júnior. Só isso”, lembra o professor das divisões de base do Guarani de Palhoça em entrevista ao blog, horas depois de uns mergulhos nas praias de Florianópolis.
Feliz da vida com a chegada do compatriota Giorgian Arrascaeta ao clube do coração, Ramirez profetizou. “O menino Arrascaeta será superior a mim no Flamengo. Ele é craque. Um canhoto habilidoso. Muito bom”, elogiou. A prova do amor ao time está na foto do dele no WhatssApp. Exibe a camisa rubro-negra número 94. Ganhou numa homenagem recente do clube. “Fiquei feliz de saber que ele (Arrascaeta) foi contratado pelo Mengão. Sou sempre Flamengo. O número 94 é a quantidade de jogos com manto sagrado”, explica.
No bate-papo a seguir, Sergio Ramirez diz o que espera de Arrascaeta no Flamengo e revela que, se fosse convidado pela diretoria, toparia entregar o “manto sagrado” a Arrascaeta.
O que achou da contratação do Arrascaeta?
Ele é um jogador de meio de campo, de criatividade, muito habilidoso, canhoto. Canhoto é diferenciado. Ele vem mostrando, desde que jogou no Defensor, muita qualidade. Ele sabe finalizar e criar. As últimas partidas dele no Cruzeiro mostraram um poder de finalização muito grande. Que ele supere todas as expectativas.
Quando conheceu o meia?
Quando surgiu na Libertadores de 2014. Apareceu e chamou a atenção no Defensor (semifinalista da competição). Ele sempre manteve uma produtividade muito boa. por isso, o interesse do Flamengo foi grande nele.
Você jogou 94 vezes com a camisa do Flamengo. Que conselho você daria ao Arrascaeta?
Precisa ter entrega. Jogadores mais clássicos, mais técnicos, como ele, costumam não tem muita entrega. Ali no Flamengo tem que mostrar vontade. O torcedor gosta de entrega total. Perdeu a bola, resgatou. Não pode ficar olhando. Do contrário, começa um litígio. Que ele encarne a mística uruguaia. Ele sabe o que é isso. Qualificado já é. Tem que estar pronto para ajudar o time. Houve uma ocasião em que eu joguei de lateral-direito para liberar o Toninho, que assumiu praticamente a função de ponta.
“O menino Arrascaeta será superior a mim no Flamengo. Ele é craque. Um canhoto habilidoso. Muito bom. Mas precisa ter entrega. Jogadores mais clássicos, mais técnicos, como ele, costumam não ter muita entrega. Ali no Flamengo tem que mostrar vontade. O torcedor gosta de entrega total. Perdeu a bola, resgatou. Não pode ficar olhando”
Se a diretoria convocasse, você toparia entregar a camisa ao Arrascaeta na apresentação?
Com certeza. Isso seria assim um ato muito, muito nobre entregar a camisa para o meu patrício. Eu não sei seria a 10 (risos). Se o Diego ficar a 10 dele. Mas seria o máximo.
Você fala português tão bem que pode ser considerado praticamente um brasileiro…
Estou no Brasil há 42 anos, mas não perco as minhas raízes. Vou ao Uruguai em breve porque a minha mãe fará 88 anos. Mora em Treinta y Três, onde nasci.
Quais são as lembranças do tempo em que jogou no Flamengo?
Quando o jogo estava difícil, a torcida gritava: ‘bota o gringo’. Eu tenho 1,72m, mas, quando a torcida pedia e o capitão Cláudio Coutinho (técnico) atendia, eu entrava em campo com mais de 1,80m. Participei, por exemplo, daquele jogo beneficente em que Pelé enfrentou o Atlético-MG com a camisa do Flamengo. Aquilo é inesquecível. Fiz dois gols em 94 jogos, um deles no Maracanã, contra o América. É uma loucura.
Você teve uma prova recente do carinho da torcida…
Senti isso novamente quando o Zico resolveu homenagear os gringos que jogaram no futebol carioca naquele evento que ele sempre organiza no Maracanã. O Renato Gaúcho recebeu um lançamento, eu corri para fazer a cobertura. Vou te mandar o vídeo (assista abaixo). Aumentei a velocidade e entrei de carrinho no Renato. O Maracanã veio abaixo. Eu me mantenho muito bem fisicamente.
Tem recordação dos outros uruguaios que defenderam o Flamengo?
Jorge Manicera era um zagueiro, jogava muito. Técnico, frio. Morreu cedo (73 anos, em 2012). Dario Pereyra também era muito bom.
Depois da aposentadoria você também brilhou como técnico. Levou o Criciúma ao título do Campeonato Catarinense em 1993.
Herdei o elenco do Levir Culpi, que, na verdade, havia começado a ser montado lá atrás com o Luiz Felipe Scolari (título da Copa do Brasil 1991). Chegou pra mim e fomos campeões.
Quando falei sobre você, a velha guarda aqui do Correio Braziliense logo lembrou do lance protagonizado por você e o Rivellino em 1976 no clássico entre Brasil e Uruguai. O que houve naquele clássico entre Brasil e Uruguai?
Coisa de guri. Aquilo não é o meu cartão de visitas. Fiz uma falta desqualificante no Zico. O Nil Chagas estava na sobra. Ele se agachou e deu um chute no Zico. Houve empurrões, discussão. O Revetria estava atrás de mim e bateu no Rivellino por baixo das minhas pernas. o Rivellino achou que fui eu e deu um soco na minha cara. Comecei a sangrar na boca. Era falta para o Brasil. O Marco Antônio bateu na trave. Eu saí logo para puxar o contra-ataque, mas o árbitro encerrou o jogo. Olhei para o lado e vi o Rivellino. Tinha 24 anos, cheio de adrenalina. Lembrei da agressão e saí correndo atrás dele.
E hoje você e o Rivellino são grandes amigos…
Pedi desculpas, houve reaproximação. Ele é um cara muito bacana, baita jogador, um craque da bola, um fenômeno. Gravamos um programa juntos. Nos enfrentamos em Fla-Flu e até naqueles jogos da seleção de masters do Luciano do Valle.