Entrevista: Mario Kempes | Protagonista do primeiro título da Argentina em 1978 fala sobre o Dia D de Messi na Copa

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Mario Kempes e a camisa de Messi no hotel de Lusail em que está hospedado. Foto: Marcos Paulo Lima/Blog Drible de Corpo


Catar —
A Argentina está perto de ter uma santíssima trindade. Artilheiro da Copa de 1978 com seis gols na primeira conquista alviceleste, Mario Alberto Kempes foi o símbolo da primeira conquista, em Buenos Aires, contra a Holanda. Oito anos depois, Maradona bordou a segunda estrela em 1986. O tricampeonato pode ter a assinatura de Messi, hoje, às 12h (de Brasília) na final contra a França, no Estádio Icônico Lusail. Na véspera da decisão, Kempes recebeu o blog Drible de Corpo no hotel em que está hospedado no Qatar. De bermudão, camisa manga curta de botão, sapatilha e óculos escuros, falou sobre o sucesso da Scaloneta, explicou por que os Lionéis — o técnico e o atual capitão e camisa 10 — merecem o título. Atento ao futebol brasileiro, o senhor de 68 anos faz críticas à Seleção e diz que não se pode mais depender de Neymar e Vinicius Junior. Ele defende uma nova mentalidade para colocar fim aos 24 anos de jejum. Profético, o ex-meia-atacante crava que Mbappé será o próximo melhor do mundo, mas se recusa a considerá-lo o sucessor de Messi. Ouça também na versão Podcast.

O que pode significar o tricampeonato da Argentina, hoje?
Seria algo esplêndido. Creio que a Argentina merece isso. Não se trata de merecer. Tem que ganhar. Pelo tempo que Messi leva na seleção (17 anos desde a estreia em 17 de agosto de 2005), por todo o esforço que ele tem feito, por tudo o que representa à Argentina, creio que todos nós deveremos assistir a esse triunfo.

Em 1978, a Argentina conquistou o primeiro título com César Luis Menotti. Em 1986, o bi, sob a batuta Carlos Bilardo. Temos as escolas menotista e bilardista. A scaloneta é a terceira?
Tomara! Tomara! Ninguém tinha confiança em Lionel Scaloni. Ele agarrou as críticas que choveram sobre ele. Soltaram bombas por todos os lados. Ele continuou trabalhando da mesma maneira. Creio que ele montou a equipe que pensava, chamou aqueles jogadores dos quais precisava. No fim das contas, fez uma equipe que serviu a Messi da melhor maneira. A Argentina está bem. Está avançando um pouco mais, de menos para mais. A equipe está funcionando bem. Messi está melhor, porque joga mais tranquilo. Assim, tudo tem conspirado para que a Argentina nos dê outra alegria.

Pode explicar aos brasileiros o que são as escolas menotista e bilardista? E a scaloneta?
São diferentes épocas, diferentes treinadores, diferentes conceitos de como se trata a bola. Menotti desfrutava da bola, respeitando-a. Bilardo quis ser mais direto e tinha ótimos jogadores, que também conduziam bem a bola nos momentos em que tinham de fazê-lo. Scaloni tinha tudo o que perder. Diziam que ele não tinha experiência e que quem não tem experiência nada pode fazer. É algo típico da Argentina.

Scaloni começou como interino e foi ficando…
Ele calou a boca de todo mundo. Pouco a pouco, foi trabalhando. Cercou-se de muito bons companheiros na equipe técnica (Ayala, Aimar e Samuel) e aproveitou cada oportunidade. Criou a sua equipe, formando-a aos pouquinhos, tendo Messi como esse grande jogador. Messi é o melhor jogador do mundo. Mas, sem desgastá-lo. Ele trabalhou a equipe para que Messi se mantivesse na perfeição.

Em 1978, o cara foi Kempes. Em 1986, Maradona. Esta é a Copa de Messi?
Sim! Sim! Apesar de sempre existir uma figura, um personagem na equipe campeã, em 1978 não havia uma figura. Em 1986, ali estava Diego (Maradona). Agora, também há o Messi. Mas é preciso que o treinador seja muito inteligente para que esse frescor dos grandes fenômenos não se desgaste. É um trabalho que não lhe corresponde fazer.

A Argentina começou a Copa com derrota para a Arábia Saudita. Temeu pelo pior?
A Argentina vinha de invencibilidade em 37 jogos. Ela não havia enfrentado equipes de categoria. As seleções europeias disputavam torneios da Uefa. Tivemos de disputar jogos entre nós, entre a Concacaf ou a Conmebol. Isso foi algo muito complicado, entediante e monótono. Uma das coisas que surpreendeu a Argentina foi o fato de ter vencido todos os amistosos. Na primeira partida, contra a Arábia Saudita, fizemos 1 x 0 em um pênalti, com 10 ou 15 minutos. Quando nos demos conta, faltavam 15 minutos e estávamos perdendo por 2 x 1. Nas outras partidas, o que fizemos? Nos atiramos no chão, tiramos a bola. A Argentina reagiu a tempo. O grupo se uniu. Ainda que o primeiro tempo contra o México também não tenha sido tão bom. A partir do gol de Alexis Mac Allister contra o México, abriu-se uma nova etapa, em que o time começou a funcionar da melhor maneira.


A Argentina mudou muito. Cinco titulares da primeira partida foram trocados. Quando foi a guinada?

Enzo Fernández e Julián Álvarez não revolucionaram a seleção, mas entraram de tal maneira que deram um pouco mais de clareza à equipe. Lautaro Martínez estava falhando muito. É um grande jogador, um artilheiro. Mas um artilheiro vive de gols. Lautaro andava meio errante. Foi quando entrou Julián e ele ajudou a zaga e o goleiro. É um jovem, tem muito amor próprio e quer jogar. Ele se demonstrou uma surpresa. Atuou bem no River Plate. No Manchester City, jogou pouco, pois o técnico Pep Guardiola o manteve muito no banco. Aqui, chegou como o jogador do River e encontrou Messi, que lhe deu passes perfeitos. Com o goleador que Julián segue sendo, a Argentina melhorou muito.

Julián Álvarez tem um pouco ou nada de Kempes?
Não, não. Outro dia ele marcou um gol que, dizem, foi muito parecido com um feito por mim. Eu amei que tenham feito essa comparação. Foi um gol importante, que serviu para que a Argentina continuasse somando.

Que balanço você faz da Copa?
Foi uma boa Copa. Teve partidas muito interessantes, com muitas surpresas. Alemanha, Bélgica e Espanha caíram cedo. Isso nos faz pensar que, no futebol, os grandes têm caído ou os pequenos têm crescido. De qualquer maneira, há seleções que necessitam de uma nova mentalidade. Por exemplo, o Brasil precisa ter em mente que o jogo bonito é muito bom e espetacular, que divertir-se no campo é fenomenal, dançar depois do gol é muito bom, mas é preciso respeitar o adversário. Não se pode dar vantagem a ele. O Brasil deu vantagem ao adversário e perdeu.

O Brasil desrespeitou os rivais com danças?
Não foi por isso que perdeu. O brasileiro é assim: diverte-se no campo, dança quando faz gols. No entanto, há jogadores que subestimam o adversário porque jogam em grandes equipes, enquanto o melhor atleta da seleção adversária atua em times no próprio país. Eles se divertem, por exemplo, quando cobram pênaltis e fracassam. Uma coisa estranha. Eu sempre acreditei que se ganha as partidas em campo. Antes, ganhamos todos.

O futebol sul-americano não ganha a Copa desde 2002. O que explica isso?
Não sei, é muito estranho. O que acontece é que, a cada vez que se joga uma vez em nosso continente, se joga cinco ou seis vezes aqui, na África, em todo o mundo. A próxima Copa será no México, nos Estados Unidos e no Canadá. Por aqui, temos o Brasil e a Argentina contra o resto. São os únicos dois que podem acompanhar outras seleções. O Uruguai pode estar muito bem, assim como a Colômbia, mas ambos não chegam. O Uruguai necessita de mudança imediata. Não se pode esperar para buscar a renovação. É preciso buscá-la com antecedência.

Qual é o caminho?
Seguir adiante, convocar os mais jovens, sacrificar um ou dois veteranos, levar os mais novos para que se acostumem com o Mundial. Esse é o único problema que nós, argentinos, temos. Todos dizem que um Mundial seria, mais ou menos, como a Eurocopa, com Brasil e Argentina. Não é porque eles competem, mas porque lutam. Agora, cabe a nós, argentinos, defendermos a honra de todos.

O que pensa sobre a atual campeã França?
A França, atual campeã, está acostumada às finais. Os jogadores da Argentina, à exceção de Di Maria, de Messi e de Otamendi, nunca disputaram o Mundial. É a primeira Copa deles. Mas são jogadores que estão acostumados a atuar em grandes equipes, a disputar a Champions e as ligas. Não creio que terão problema. Mas, é claro, a França tem não apenas Mbappé e Griezmann, mas uma boa equipe.

Didier Deschamps é técnico da França há 10 anos…
De qualquer maneira, é uma seleção que trabalha muito bem. Didier Deschamps é um grande treinador. Antes da partida, creio que é 50% de chance para Argentina e para França. Não é que a França tenha jogado bem. Não… Jogou normal. Na partida contra o Marrocos, os franceses tiraram a bola dos marroquinos. Fizeram um gol antes dos 10 minutos de jogo e eles se perderam, começaram a correr para todos os lados. Marrocos perdeu porque a França teve 70% de posse de bola. Se a Argentina tiver essa posse de bola, poderá causar danos. Mas é uma final. E, na final, é muito mais complicado.

Mbappé é um jogador diferenciado?
Creio que ele é o futuro melhor jogador do mundo.

Um sucessor de Messi?
Sucessor de um jogador da França. Suceder a Messi, um monstro que temos na Argentina, é bastante complicado. Mas há muitos jogadores. Os atletas da Holanda, por exemplo, são diferentes, mas não são goleadores. Os melhores jogadores do mundo não são artilheiros. Mbappé é um artilheiro, um bom jogador, que tem drible, além de jovem. Tem futuro.

Você vive na América do Norte. A próxima Copa será uma parceria entre Canadá, EUA e México, com 48 países. Não é um número exagerado?
É uma oportunidade para aquelas seleções que jamais pensavam em chegar à Copa. No fim das contas, isso será reduzido a 32 seleções, pois as outras cairão na fase de grupos. É uma satisfação para aquelas seleções que querem, mas nunca chegam.

O Brasil chegará na Copa com 24 anos de jejum. O que precisa mudar?
Vocês tiveram um infortúnio com Neymar. No Mundial do Brasil, ele machucou as costas e não pôde jogar. Aqui no Catar, também começou muito mal e se lesionou. O treinador não consegue ter tranquilidade com os 11 jogadores titulares. Quem substitui Neymar pode ser muito bom, mas não possui o carisma dele. Isso precisa mudar, porque me parece que, pela seleção, Neymar não correrá mais. Ao fim dessa Copa, vá até Ipanema e encontrará 800 mil jogadores. É muito difícil de encontrar 11 jogadores e vocês sempre têm ido à Europa para buscá-los. São melhores, pois é… Mas o Brasil também tem muito bons jogadores. É preciso uma mistura de jogadores locais e que atuam na Europa.

Chega de depender do Neymar?
Não, nem de Neymar, nem de Vinícius Junior, nem de um único jogador. Tem que ser uma equipe.

A Argentina montou uma equipe para Messi?
Sim, Messi está muito bem rodeado de muito bons jogadores.

Messi pode ser campeão aos 35 anos. Neymar conseguiria aos 34?
Tudo é possível. Sempre quando se sentir cômodo, quando não abandonar aquilo que não lhe corresponde. No campo, cada um deve cumprir a sua obrigação. Jogar pela equipe.

Você gostava do trabalho de Tite?
Sim, o problema é que no futebol você pode ser um ótimo treinador, mas, se não ganhar… Veja Scaloni. Ele levou críticas e bombas. Caladinho, nunca disse nada, e está na final. É bom treinador, mas está conseguindo resultados.

É a sua primeira vez no Oriente Médio? O que achou do Qatar?
Estive aqui algumas vezes. Estive na Arábia Saudita. São países diferentes, em que o melhor futebol não é prioridade como o petróleo. Creio que o futebol está muito à margem. Foi uma ilusão que o Catar quis fazer isso e conseguiu. O Mundial de Clubes será no Marrocos, em fevereiro. É uma boa praça do futebol.

Por falar em clubes como deter a hegemonia brasileira na Libertadores?
O River Plate esteve prestes a conseguir, mas perdeu. É muito difícil, é mais difícil do que ganhar um Mundial, possivelmente. Há muitas boas equipes. O Brasil tem muito dinheiro para comprar bons jogadores, e a Argentina precisa se conformar com o que tem.

Em 1995, a Argentina foi campeã sub-20, Qatar, com José Pekerman. É um lugar abençoado para a Argentina?
Não temos que recorrer ao passado, a final da Copa é uma nova realidade.

Qual é a lembrança da Batalha de Rosário contra o Brasil, em 1978?
Foi um jogo muito feio, horrível. Muitas faltas, não houve futebol. Um jogo entre duas equipes mais preocupadas com a rivalidade do que com o futebol.

*Colaborou Rodrigo Craveiro (tradução)

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Marcos Paulo Lima

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