Entrevista: Héber | Um bate-papo com o brasileiro artilheiro da era Domènec Torrent no New York City

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Alvo do Flamengo na caça a um sucessor para Jorge Jesus, o técnico catalão Domènec Torrent Font, 58 anos, tem olhos de lince para contratações. O brasileiro Héber Araújo dos Santos é uma prova disso. Formando com Roberto Firmino nas divisões de base do Figueirense, o rondoniense de Colorado do Oeste desembarcou em 2019 no New York City com a missão de substituir o maior artilheiro da história do clube da MLS – o espanhol David Villa.

Na entrevista a seguir ao blog, Héber admite que era monitorado por Domènec Torrent. O ex-assistente de Pep Guardiola precisava de um centroavante, enxergou potencial no então ponta-esquerda do Rijeka da Croácia para camisa 9 e acertou em cheio. Héber passou a ostentar o status de homem de referência do ataque do City e não decepcionou: assumiu a camisa 9 do clube norte-americano e fechou a temporada da MLS com 15 gols. Foi o artilheiro na melhor campanha da franquia na história da competição.

O New York City deu adeus ao sonho do título nas semifinais de conferência diante do Toronto, que decidiu o título da liga com o Seattle. Domènec Torrent decidiu deixar o cargo depois da eliminação. Héber segue no New York City, mas é uma referência para torcedores do Flamengo curiosos para saber quem é o treinador que seu reuniu com o vice de futebol Marcos Braz e o diretor de futebol Bruno Spindel em um jantar na noite de sábado, em Madri, na Espanha.

É o que Héber conta no bate-papo em que ele também fala sobre a parceria com Firmino na base do Figueirense, das experiências na Armênia e na Croácia, das ofertas sedutoras para se naturalizar e defender as seleções desses países, das lembranças de Rondônia e das mudanças na rotina de Nova York em meio à pandemia do novo coronavírus.  “Tudo mudou. Os pontos turísticos estão vazios. O pessoal está trancado em casa com medo. Nova York foi um dos centros da pandemia no início. Fiquei trancado em casa durante alguns meses”, relata.

Você estava no Rijeka da Croácia quando recebeu a proposta para defender o New York City. De quem partiu o convite: do Domènec Torrent?

Justamente. Eu estava no Rijeka da Croácia. O New York City precisava de um centroavante, mas nessa época eu jogava como ponta-esquerda no Rijeka há dois anos e meio. Mas aí o Domènec (Torrent) já via características de (camisa) 9 em mim. Olhou alguns jogos meus, buscou algumas informações e me trouxe para o lugar do David Villa. O time estava pronto, mas nos cinco primeiros jogos do campeonato jogou sem centroavante. Ele me trouxe para ser o camisa 9. Desde então, quando eu cheguei, o time começou a vencer.

Deu frio na barriga saber que estava indo para substituir David Villa?

Eu não pensei muito nessa questão do David Villa porque não tem como substituir um jogador dessa qualidade, desse patamar aí. Ganhou Copa do Mundo, Eurocopa, maior artilheiro aqui do clube. Eu comecei a trabalhar, conquistei a confiança do treinador, do clube, do elenco, comecei a fazer os meus gols, a jogar bem, e combinou com o bom momento da equipe. Isso facilita.

Você arrebentou logo na primeira temporada: 15 gols na MLS. Foi o artilheiro do time. Além disso, fez a mesma quantidade de gols do David Villa na temporada anterior. Com a diferença de que você se machucou e poderia ter feito mais gols. O que explica o seu sucesso imediato?

Uma combinação de fatores. A nossa equipe jogava de uma forma muito coesa. Criávamos muito. Eu tinha duas, três chances claras de gol por jogo. Isso ajuda muito. Nosso time era muito rápido, principalmente na frente, com jogadores velozes. E um camisa 10 muito inteligente, que é o Maxi Morales. Atuar com jogadores inteligentes ajudou muito a ter esse sucesso. Tem também o fato de os jogadores, o treinador e a comissão técnica terem me abraçado e eu me adaptei muito rápido.

“O New York City precisava de um centroavante, mas nessa época eu jogava como ponta-esquerda no Rijeka há dois anos e meio. Mas aí o Domènec (Torrent) já via características de (camisa) 9 em mim. Olhou alguns jogos meus, buscou algumas informações e me trouxe para o lugar do David Villa. O time estava pronto, mas nos cinco primeiros jogos do campeonato jogou sem centroavante. Ele me trouxe para ser o camisa 9”

Até que ponto o sistema de jogo do Domènec Torrent contribuiu para o seu sucesso?

Ah, o “Dome” pode ter certeza de que tem muito mérito nisso porque ele via a característica dos jogadores e fazia o time jogar em função disso. Ele não machucava as características dos jogadores. Nosso time era técnico, rápido, sabíamos o que tínhamos que fazer dentro do campo, e o “Dome”, desde o primeiro dia, me deu muita tranquilidade para jogar.

Domènec Torrent é um dos nomes cotados para assumir o Flamengo. O que você pode dizer sobre ele para a torcida rubro-negra? Como ele trabalha? Qual é o sistema de jogo predileto? Como é o relacionamento com os jogadores? O estilo é parecido com o do Jorge Jesus? Enfim, contra pra gente quem é Domènec Torrent.

Estou acompanhando a imprensa aí no Brasil. O nome dele está bem forte. Ele é uma pessoa muito humilde, que trabalha muito. O dia a dia dele é excepcional. Trabalhos curtos, mas intensos. Muita posse de bola, muito trabalho tático, reduzido. Não há sistema de jogo predileto. No ano passado, nós jogávamos em três, quatro, cinco sistemas de jogo diferentes. Dependia de contra quem iríamos jogar, das características do adversário. Mudava muito. O relacionamento dele com os jogadores era muito bom, tranquilo. Todos o respeitavam e ele respeitava os jogadores também. Nos seis meses de trabalho nunca houve conflito. “Dome” está sempre feliz, trata tanto a estrela do time quanto o mais jovem que não joga tanto igualmente. É muito inteligente. Se chegar no Flamengo, vai ajudar muito esse time que tem muita qualidade e vai colocar algo a mais, vai somar.

Ex-auxiliar de Guardiola, Domènec Torrent pinçou o brasileiro Héber na Croácia

Como foi a sua relação pessoal com Torrent. Alguma história curiosa ou engraçada? Você iria para o Flamengo se ele assumisse o time rubro-negro e o convidasse para jogar lá?

Minha relação com “Dome” foi muito tranquila, saudável, nos respeitávamos. Tanto ele quanto eu trabalhamos muito duro, então não tínhamos nenhum tipo de problema. E nessa época o nosso time estava jogando super bem. Eu ajudei fazendo gols e ele me colocando para jogar e trazendo para cá. Em relação ao Flamengo, é o sonho de todo jogador, um time grande, mas tenho contrato com o New York City.

“Dome é inteligente, trabalhador, deixava tudo mastigado para nós. Os pontos fortes e fracos do adversário. Está sempre feliz, trata tanto a estrela do time quanto o mais jovem que não joga igualmente. É muito inteligente. Se chegar no Flamengo, vai ajudar muito esse time que tem muita qualidade e vai colocar algo a mais, vai somar”

Em qual posição fica o Domènec Torrent no ranking dos treinadores com quem trabalhou?

Ah, sem dúvida, o “Dome” foi um dos melhores treinadores que tive. O melhor. Inteligente, trabalhador, deixava tudo mastigado para nós. Os pontos fortes e fracos do adversário. Fiz com ele uma das melhores temporadas. Ele me deixava tranquilo. Confiava em mim. Quando um treinador faz isso com um jogador, ele se sente leve e as coisas acontecem.

Você começou no Figueirense com o Firmino. Como era essa parceria? Troca ideia com ele?

Começamos a jogar juntos. Éramos sub-17 na época. Nosso time estava encaixadinho. O nosso treinador era o Hemerson Maria, que estava na Chapecoense (atualmente comanda o Brasil-RS). Lembro do Firmino desde os primeiros treinos. Ele meteu dois gols de bicicleta numa atividade reduzida. O Hemerson Maria virou para nós e os mais velhos do time e falou que ele seria o futuro camisa 10 do Figueirense. Um ano depois, ele estava estreando no profissional com a camisa 10. Era muito diferenciado, um moleque humilde. Todo mundo sabia que ele chegaria longe. Era um jogador completo para a idade dele. Quando eu estava em Florianópolis ainda, a gente se encontrava, almoçávamos. Agora, o nosso calendário é diferente. Firmino merece todo o sucesso do mundo.

Você é rondoniense. Quais são as lembranças de Colorado do Oeste, a sua terra?

Foi onde eu nasci, mas vivi pouco ali, até os meus oito, nove anos, depois mudei para Vilhena, que fica a uma hora de Colorado. Lá está a minha família. A minha rotina até os 15 anos era acordar cedo, ir para a escola, voltar, almoçar e ir para a rua jogar bola, escolinha… Brincava na frente de casa nos campos de terra. Minha vida era essa: jogar e estudar. Nada mais do que isso. Sinto saudade, principalmente da minha família. É o que mais me faz falta. Estou longe de casa há 13 anos (pausa). Mas ali é uma cidade que está no meu coração. Amo de paixão.

“Lembro do Firmino desde os primeiros treinos. Ele meteu dois gols de bicicleta numa atividade reduzida. O Hemerson Maria virou para nós e os mais velhos do time e falou que ele seria o futuro camisa 10 do Figueirense. Um ano depois, ele estava estreando no profissional com a camisa 10. Era muito diferenciado, um moleque humilde”

Você foi campeão e artilheiro no Campeonato da Armênia…

Foi o começo de tudo. Estava no Brasil. Joguei no Avaí em 2014. Subimos para a primeira divisão do Campeonato Brasileiro, mas não joguei tanto. Ao todo, acho que foram 26 partidas na temporada da Série B, mas não fiz gols. Em 2015, fui para o Paysandu. Joguei cinco meses lá e comecei a trabalhar separado, sem nenhum tipo de perspectiva. Foi quando surgiu a oportunidade da Armênia. Eu fui. Se hoje estou aqui (no New York City) é por causa da Armênia. É um país que eu gosto muito, principalmente da culinária. A cultura deles é bem rica, a comida muito boa. Era um campeonato meio amador na época que eu estava. Agora está bem melhor, tem mais equipes. Eu fui para Alashkert, que era um time novo na época. Tinha quatro anos. Conquistamos o primeiro título deles (temporada 2015/2016), fui artilheiro (16 gols, ao lado de Mihran Manasyan).

Conta pra gente o que é a experiência de disputar o Campeonato da Armênia.

Ali tem histórias legais. Quando você chegava no clube, eles davam uniforme, três uniformes de treino. Você treinava, levava o uniforme para casa e você mesmo tinha que lavar. O vestiário era bem pequenininho. Ai, às vezes, no intervalo, o nosso treinador ficava nervoso. Quando o jogo estava complicado, ele ia lá e fumava. Acabava o jogo e alguns jogadores, atletas, fumavam também. Aquilo para mim era algo novo. No Brasil não tinha isso nos times em que eu joguei. É uma das histórias bacanas de lá. É um pessoal que me acolheu muito bem

15 gols fez Héber em 23 jogos pelo New York City na MLS 2019, com média de 0,65. David Villa marcou 15 em 26 partidas em 2018 (0,57)

Como foi jogar na Croácia e viver a experiência de o país chegar à final da Copa de 2018?

Eu estava lá na época da Copa. Jogava no Rijeka. Fui para o centro da cidade. O país parou. Imagina, um país com 4 milhões de habitantes numa final. Estava todo mundo nas ruas. Eu estava com um amigo vendo o jogo. Quando saía gol, a gente via aquele tanto de corpo com cerveja, refrigerante e água voando. Aquilo ficou marcado como uma foto na minha cabeça. A Croácia, principalmente Rijeka, foi um dos melhores anos da minha vida. Fui artilheiro, melhor jogador do campeonato. Foram 51 jogos e trinta e poucos gols. Foi um momento absurdo. É um lugar que eu sinto muita saudade. A galeria falava comigo por onde eu passava, tratava super bem. Rijeka é um lugar tão bonito, com praia, montanhas, um lugar que tem neve e no verão é o mar. A comida também. Sinto muita saudade.

“O vestiário era bem pequenininho (na Armênia). Ai, às vezes, no intervalo, o nosso treinador ficava nervoso. Quando o jogo estava complicado, ele ia lá e fumava. Acabava o jogo e alguns jogadores, atletas, fumavam também. Aquilo para mim era algo novo. No Brasil não tinha isso nos times em que eu joguei. É uma das histórias bacanas de lá”

Você já teve proposta para se naturalizar? De qual seleção?

Eu tive proposta da Armênia. O presidente do meu clube na época chamou para um jantar. Eu fui e ele falou se eu queria me naturalizar. Na época tinha um brasileiro já naturalizado. Não sei se ele joga ainda. Não aceitei na época porque não queria mais ficar no país. Fiquei um ano lá e apareceu a proposta da Croácia. Eu queria sair e preferi não me naturalizar. Na Croácia, principalmente no segundo ano, quando fui para o Rijeka, volta e meia surgia na imprensa boato de que poderia acontecer, que estavam trabalhando para isso nos bastidores, mas nunca chegou até mim um convite da Croácia. Mas houve sondagens dos dois países. A Croácia até tem dois jogadores brasileiros naturalizados, o Eduardo (da Silva) e o Sammir.

E a vida em Nova York?

A vida em Nova York é muito fácil, né. Nova York é uma das melhores cidades do mundo, onde todos sonham, pelo menos, em turistar. Tem tudo que você precisa. Muitas culturas diferentes. Eu vou mais a Manhattan quando preciso de uma comida brasileira. Tem muitos restaurantes ali, churrascaria, e aos pontos turísticos quando quero espairecer um pouco a cabeça.

Como foi, é e está sendo em meio à pandemia?

Antes, era muita gente para todo lado. Trânsito absurdo. Com o coronavírus, tudo mudou. Os pontos turísticos estão vazios. O pessoal está trancado em casa com medo. Nova York foi um dos centros da pandemia no início. Fiquei trancado em casa durante alguns meses.

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Marcos Paulo Lima

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