Ele é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), autor do livro “Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol (Appris, 2019)” e acompanha de perto as discussões sobre a Medida Provisória do Mandante (MP 984/2020), editada pelo presidência da República e que caducou no ano passado, no Congresso Nacional, e o Projeto de Lei do Mandante, a Lei do Futebol Livre (2336/21), que deve ser votada e aprovada nesta quarta-feira pela Câmara dos Deputados. A tabelinha de hoje do blog Drible de Corpo é com Anderson Santos, que também participa dos podcasts Baião de Dois e Na Bancada sobre política esportiva.
Em meio a discussões como a exclusão de árbitros e treinadores da divisão dos 5% dos direitos de arena e da emenda batizada de “Globo” apresentada pelo deputado Alex Manente (Cidadania-SP), acatada parcialmente no texto apresentado pelo deputado e relator Júlio César (Republicanos-DF) e da restrição da Lei do Mandante ao futebol, ou seja, excluindo competições de ponta como a Superliga de vôlei e o Novo Basquete Brasil (NBB), um debate passa quase despercebido: Qual é o impacto do direito do mandante para além dos grandes clubes, ou seja, times médios e pequenos do futebol brasileiro? É o que o bate-papo a seguir com o especialista no tema dente explicar.
Você é um dos maiores pesquisadores do país sobre direitos de televisão no futebol e estamos em pleno debate sobre a PL do Mandante, que deve ser aprovada nesta quarta, na Câmara dos Deputados. Qual é a melhor forma de negociação das transmissões?
O melhor modelo sobre direitos de transmissão é de negociação coletiva e com garantia de parâmetros justos de divisão da receita do broadcasting (todas as plataformas midiáticas e os direitos internacionais). Os órgãos de direito da concorrência buscam indicar que a diferença do que mais recebe desta importante receita para o que menos recebe deve ficar no máximo em 4 vezes, com a Premier League estando em 1,6 vezes (2019). Assim, a competitividade pode ser melhor para todo o torneio.
Quais foram as principais mudanças recentes no modelo de negociação?
A partir da edição de 2012 da Série A do Brasileiro, os clubes passaram a negociação de forma individualizada (ainda que o Clube dos 13 não representasse todos antes, apenas 17, que tinham direito a contratos de mais de um ano e com cláusula colchão caso caíssem para a B). Náutico (2013) e Santa Cruz (2015) receberam 6 vezes menos que Flamengo e Corinthians, pegando os extremos. No contrato que foi de 2016 a 2018, a diferença foi de mais de 7 vezes. Citei os casos de dois times que foram rebaixados e que depois foram parar na Série C. Vale para Fortaleza e América-RN, que não eram do Clube dos 13 na década de 2000 e jogaram a Série A com grande diferença de receitas, e também caíram por várias divisões.
Consequentemente…
Com menos recursos, alguns clubes puderam se manter na briga da primeira página da tabela, enquanto outros, com raras exceções, disputavam a fuga do rebaixamento ou caíam. Tentar gastar mais para disputar algo maior era deixar dívidas para diretorias seguintes (como ainda hoje sofre o Sport pela queda de 2018), mas sem o potencial financeiro de recuperar nos anos posteriores.
Fala-se muito sobre os benefícios da nova PL do Mandante para os clubes gigantes do futebol brasileiro, mas qual deve ser o impacto da PL do Mandante nos médios e pequenos clubes?
A Lei do Mandante abre mais espaço para negociações individuais, porque agora todos os clubes têm 19 jogos para vender. Quem tem mais “poder de barganha” (torcida, representação midiática nacional e está mais estruturado) pode pedir mais para o conjunto da transmissão de seus jogos que aqueles que tem menos algum dos aspectos levantados. Isso esteve presente, por exemplo, no caso do Palmeiras, que recebeu mais do Esporte Interativo que os demais e pôde barganhar mais no caso Premiere FC.
Até que ponto o novo a PL do Mandante pode europeizar o modelo brasileiro?
O caso português, usado como justificativa da MP 984/2020 e para o PL, precisou ser revisto por lei este ano porque criou um fosso entre Benfica e Porto para os demais, mesmo para o Sporting — como aqui Flamengo e Corinthians se distanciaram de Vasco, Palmeiras e São Paulo, e com blocos de times médios e menores negociação junto. Lá a diferença do 1º para o 5º (quinto!) chegou a 12 vezes em 2019.
Abordamos muito o impacto da PL do Mandante nas competições nacionais. E nos Estaduais?
Ainda que a maioria (caso do Paulista) restrinja o acordo por federações, já houve pela MP 984 algumas diferenças. Na Paraíba, cada clube montou seu streaming pago no ano passado. Quem vende mais ganha mais, sem qualquer preocupação em ter divisão de receitas e gerar um campeonato competitivo. No Carioca, já este ano, a principal receita foi a variável em que cada clube poderia lidar como quisesse (streaming), o que acentuou a diferença do Flamengo para os demais e abriu um fosso semelhante ao de Portugal para os times menores.
Qual é a sua opinião sobre a chamada emenda Globo à Pl, do deputado Alex Manente (Cidadania-SP)?
A “emenda Globo” não deveria ser necessária porque a Constituição garante o respeito a contratos vigentes quando há mudanças legais. Porém, basta lembrar tudo o que ocorreu durante a vigência da MP 984/2020 para entender que não havia segurança jurídica no mercado para saber se valia para todos os casos ou não. Ainda que beneficie a Globo, que detém a propriedade de imagem para jogos de mais clubes, é algo extremamente necessário para não criar um caos assim que a lei for promulgada. Outros países, casos de Espanha e Portugal, colocaram um período de transição nos decretos-lei, considerando a validade dos contratos vigentes. É algo normal para dar segurança aos agentes e mercados envolvidos.
Concorda com a forma como o relator administrou essa emenda?
A proposta do relator é um meio-termo, garante a propriedade adquirida em contrato anterior e já derruba a barreira para negociar os jogos de forma individual para quem não está sob este contrato. Ainda deve gerar problemas legais — os times da TNT Sports provavelmente ficarão livres do contrato já no ano que vem —, mas foi o consenso possível na Câmara dos Deputados, respeitando ainda a liberdade de atuação privada.
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