Acredite se quiser: o ciclo do Brasil para a Copa do Catar começa com Tite dando razão a Dunga. Há quatro anos, o capitão do tetra reassumia a Seleção em um amistoso nos Estados Unidos entregando a responsabilidade de usar a braçadeira de capitão a Neymar contra a Colômbia, em Miami (veja o vídeo abaixo). Qualquer semelhança entre a justificativa de Dunga e os argumentos de Tite para delegar a faixa ao camisa 10 nesta sexta, contra os EUA, em New Jersey, é mera coincidência: “É uma referência do futebol brasileiro, um jogador que tem qualidade. Apesar da idade, é experiente e tem uma boa postura”, argumentou Dunga, em setembro de 2014.
Usar a braçadeira foi um fardo para Neymar na segunda era Dunga. Resultado: o treinador viu o capitão ser banido da Copa América de 2015 depois de um ataque de fúria contra a Colômbia na segunda rodada da fase de grupos do torneio disputado no Chile. Ficou sem o dono da faixa nas duas primeiras partidas das Eliminatórias para a Copa da Rússia. Ficou sem Neymar na Copa América Centenário, foi eliminado na fase de grupos e perdeu o emprego. Enquanto o capitão tirava férias, a Seleção pagava mico ao ser derrotada pelo Peru.
“É uma referência do futebol brasileiro, um jogador que tem qualidade. Apesar da idade, é experiente e tem uma boa postura”
Dunga, em 2014, ao entregar a faixa de capitão para Neymar no início do ciclo para a Copa-2018
A braçadeira também foi um peso para Neymar nos Jogos Olímpicos do Rio-2016. Engoliu a missão de usá-la e agiu com imaturidade ao rejeitá-la minutos depois de ser um dos heróis conquista inédita da medalha de ouro. Em vez de curtir o momento, compartilhou a fúria de ter carregado um fardo no braço. Minutos depois, com a medalha no pescoço, Neymar surpreendeu durante a comemoração: “É uma coisa que eu já conversei com a minha família, a partir de hoje eu não quero mais ser capitão da Seleção Brasileira. É uma mensagem até para o nosso novo treinador, o Tite (que acabava de assumir). Eu não quero mais”, disparou.
Para variar, o técnico da Seleção olímpica, Rogério Micale, ficou em situação delicada ao comentar a decisão de Neymar. “É um gesto nobre da parte dele, assim como fez comigo. Eu já tinha decidido que ele seria o capitão, porque era o jogador que tinha essa condição. Ele vem demonstrando maturidade quanto às atitudes dele, e aqui (nos Jogos Olímpicos do rio-2016) se mostrou um líder, sempre dedicado”, ponderou o treinador.
“Eu já tinha decidido que ele seria o capitão, porque era o jogador que tinha essa condição. Ele vem demonstrando maturidade quanto às atitudes dele, e aqui (nos Jogos Olímpicos do rio-2016) se mostrou um líder, sempre dedicado”
Rogério Micale, técnico da Seleção nos Jogos do Rio-2016
Tite assumiu a Seleção implantando o sistema de rodízio entre os capitães e deu imunidade a Neymar. O camisa 10 não usou a braçadeira. Pouco mais de um mês depois do fracasso na Copa da Rússia, Neymar passa a ser novamente o capitão da Seleção. A justificativa de Tite é a mesma de Dunga. “O tempo passa, as pessoas crescem e amadurecem. Esse tempo todo que estivemos com o Neymar, tivemos situações importantes em que ele teve consciência e discernimento. Ele tem sim essa condição de dar esse passo a frente”, explicou Tite.
Dunga, Rogério Micale e agora Tite têm todo o direito de entregar a braçadeira de capitão a quem bem entenderem. A responsabilidade era ou é, no caso de Tite, deles, mas, numa boa, acho que passou da hora de forçar a barra.
“O tempo passa, as pessoas crescem e amadurecem. Esse tempo todo que estivemos com o Neymar, tivemos situações importantes em que ele teve consciência e discernimento. Ele tem sim essa condição de dar esse passo a frente”
Tite, técnico da Seleção, ao entregar a braçadeira a Neymar
A lista dos capitães que ergueram a Copa do Mundo mostra que nem sempre o capitão tem que ser o craque, o fra de série, o protagonista. Griezmann e Mbappé eram os caras da França no título deste ano, mas a braçadeira pertencia ao goleiro Lloris. Lahm não era o cara da Alemanha em 2014. Casillas também não no título da Espanha, em 2010. Cannavaro (2006), Cafu (2002), Deschamps (1998) e Dunga (1994) estavam longe de serem os craques. Entretanto, tinham liderança no sangue. Ninguém precisava injetá-la na veia, como tentam fazer com Neymar.
Há casos de craques-capitães de sucesso como Lothar Mathaus (1990), Diego Maradona (1986), Franz Beckenbauer (1974) e outros tantos; mas é possível ser o “Pelé” do time e empilhar três títulos mundiais sem jamais ter usado a braçadeira e muito menos erguido a taça de campeão. Na hierarquia do penta, Pelé, Garrincha, Gerson, Tostão, Jairzinho, Rivellino, Romário, Ronaldo, Rivaldo… foram “soldados” dos capitães Bellini (1958), Mauro (1962), Carlos Alberto Torres (1970), Dunga (1994) e Cafu (2002).
Portanto, não há necessidade de insistir tanto. De forçar a barra com Neymar. Deixa o cara jogar a bola dele em vez de tentar ser quem não é simplesmente porque está usando o raio da braçadeira de capitão. É o que eu acho.