Não é de hoje. O Brasil acumula dificuldades contra o Paraguai faz tempo, com diferentes gerações e técnicos. O adversário eliminou a Seleção nos pênaltis na Copa América de 2011 na era Mano Menezes. Novamente nos pênaltis em 2015, na segunda gestão de Dunga. Quase despachou o Brasil do Tite na Arena do Grêmio em 2019 nos pênaltis. Portanto, a derrota no Defensores del Chaco representa zero surpresa. Derrotado por 1 x 0 em Assunção, Dorival Júnior é mais uma vítima de um combinado guarani ausente na Copa do Mundo desde a Copa de 2010 na África do Sul.
A questão é: a seleção virou um Frankenstein, aquele personagem assustador do filme Família Adams. Não há uma seleção, há uma colcha de retalhos. A defesa é o que restou dos seis anos e meio da era Tite: Alisson, Danilo, Marquinhos e Guilherme Arana. Gabriel Magalhães havia sido convocado por Tite, mas só estreou com Fernando Diniz. O meio de campo é herança de Diniz. O antecessor iniciou as Eliminatórias com Casemiro, Bruno Guimarães e Neymar. Rodrygo passou a emular Neymar quando o camisa 10 se machucou. André começou a ocupar o vácuo deixado por Casemiro. A era Diniz termina com André, Bruno Guimarães e Rodrygo no meio. Dorival Júnior assume, e Paquetá herda a função de Neymar, repassada a Rodrygo no setor de criação. Agora, com André e Bruno Guimarães na vitória contra o Equador e na derrota diante do Paraguai.
O ataque da Seleção também não é autoral. Dorival Júnior aposta no que nem o colega dele Carlo Ancelotti conseguiu escalar no Real Madrid. Endrick, Rodrygo e Vinicius Junior não iniciaram um jogo sequer juntos na temporada de 2024/2025 do Real Madrid. Afinal, ele desfruta de Bellingham e Mbappé. Logo, Endrick é reserva. O técnico do Brasil achou que o trio funcionaria como em um passe de mágica. Só que não.
Cadê a convicção, a personalidade, a assinatura de Dorival Júnior na Seleção? Ele pegou a zaga de Tite, o meio de campo de Fernando Diniz, o ataque virtual de Carlo Ancelotti e bateu no liquidificador. A receita não deu liga contra o Paraguai, desanda e desafia o técnico a dar a cara dele ao Brasil nos duelos de outubro contra o vice-lanterna Chile, em Santiago, e o lanterna Peru, no Mané Garrincha, em Brasília.
O técnico da Seleção pode, sim, aproveitar legados de Tite e de Fernando Diniz, mas passou da hora de ser autoral. Quem determinou a obrigação de usar pontas? O Brasil virou refém deles e não está funcionando! Por que não encorpar o meio de campo e escolher uma dupla de ataque? O Real Madrid foi campeão da Champions League com Vinicius Junior e Rodrygo! Que tal adicionar ao repertório sistema com três zagueiros a fim de liberar dois laterais no apoio ao ataque? Quais laterais? William, Yan Couto, Vanderson ou Mayke na direita; Guilherme Arana ou Wendell na esquerda…
Por que não testar um par de volantes e uma combinação de meias, como gostava o futebol brasileiro nos velhos tempos? Em 1994, Parreira tinha Mauro Silva, Dunga, Raí e Zinho. Mazinho ganhou a posição de Raí durante a campanha do tetra. Por que não testar Rodrygo e Matheus Pereira, quem sabe até o jovem Luís Guilherme, recém-vendido pelo Palmeiras ao West Ham. Que tal fortalecer a saída de bola com a troca do goleiro Alisson por Ederson. As bolas longas do jogador do Manchester City fizeram muita falta como alternativa diante do Paraguai.
A biografia de Dorival Junior mostra capacidade para achar e desenvolver soluções próprias. Em 2010, ele conseguiu o que parecia impossível: Ganso, Robinho, Neymar e André jogaram juntos. O Santos encantou o país nos títulos da Copa do Brasil e do Paulistão. No Flamengo, realizou o milagre de conectar Pedro e Gabriel Barbosa como dupla de ataque. Adaptou Éverton Ribeiro ao papel de volante direito em um losango e deu margem ao crescimento do lateral-direito Rodinei. Ganhou Copa do Brasil e Libertadores. No São Paulo, Dorival transformou Rodrigo Nestor e Alisson em trunfos da conquista inédita da Copa do Brasil. Dorival precisa libertar-se das amarras e montar o time dele, com a cara dele, o tempero dele, os conceitos pessoais, enquanto há tempo. Mesmo que os ingredientes sejam parecidos com os usados por Tite, Ramon Menezes e Fernando Diniz.
A culpa não é exclusiva de Dorival Júnior. O ciclo tresloucado para a Copa de 2026 liderado pelo presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, depois da Copa do Catar, é determinante para o caos da Seleção. Repito sempre: Tite anunciou o fim do ciclo dele na Seleção em fevereiro de 2022. Eleito em março daquele ano, o cartola preocupou-se muito mais em promover uma faxina na entidade em nome da estabilidade no poder. Extremamente centralizador e desconfiado (aliás, isso precisa ser tratado!), empurrou a decisão do sucessor de Tite com a barriga até janeiro de 2024 depois de delegar a prancheta aos interinos Ramon Menezes e Fernando Diniz.
O dirigente despertou do sonho megalomaníaco de tirar o Italiano Carlo Ancelotti do clube espanhol quando foi afastado do cargo. De volta ao cargo amparado por liminar do STF, decidiu finalmente escolher o treinador para a Copa. Em um perfil sobre Ednaldo Rodrigues publicado logo depois da Copa, mostrei que ele jamais havia escolhido técnico na longa carreira como dirigente esportivo. Resultado: acumula erros. Ainda há tempo para Dorival Júnior salvar a indicação do presidente — e a si mesmo.
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