Quantas vezes você ouviu o seguinte: jogador vindo da Europa desembarca no Brasil e sobra devido ao abismo entre o futebol jogado na banda de lá do Oceano Atlântico e no pedaço de cá. Marcelo era reserva de Mendy no Real Madrid. Não se deu bem no Olympiacos. Voltou ao Fluminense e colocou o Fla-Flu (mais uma vez) no bolso no polêmico empate por 0 x 0, no Maracanã, pela 15ª rodada do Campeonato Brasileiro. Lembra do 4 x 1 na final do Carioca?
No clássico desse domingo, Marcelo desestabilizou Everton Ribeiro em dois lances no primeiro tempo. Fez embaixadinha de cabeça na frente do jogador rubro-negro, o camisa 7 cometeu falta e chutou a bola no zagueiro Felipe Melo depois de o árbitro Sávio Pereira Sampaio paralisar a partida. Mais à frente, Marcelo tentou colocar a bola entre as canetas de Everton Ribeiro, porém o meia fechou as pernas e evitou o drible.
Aos poucos, Marcelo assumiu o papel de dono do clássico. Domou Felipe Mello — o pitbull havia tomado cartão amarelo — e seguiu esnobando talento como em um passe de trivela para o centroavante Cano. Mostrou qualidade para colocar a bola onde quer ao alçá-la na cabeça de Martinelli em um lance perigoso.
A movimentação de Marcelo era inteligente. Em vez de fazer o corredor colo lateral-esquerdo, ele passou a transitar pelo meio de campo a fim de confundir a marcação rubro-negra e auxiliar Ganso na criação. Com isso, dava trabalho para Thiago Maia, Éverton Ribeiro, Wesley e sobrecarregou inclusive Arrascaeta e Gabigol. Ambos recuaram para aumentar o cerco ao Flu.
No segundo tempo, Marcelo só faltou tomar a camisa 10 de Ganso. Alternava os papéis de lateral e meia. Cobrou escanteios venenosos como se fosse o maestro, bateu falta na cabeça de Lelê. Tabelou com Léo Fernandez e viu David Luiz travar a finalização de Cano na hora.
No último ato, o dono do jogo separa os homens dos meninos. Dá um drible desconcertante em Luiz Araújo, ri entre os dentes debochando do “juvenil” e sofre entrada duríssima do atacante. O novato do elenco rubro-negro tomou amarelo na hora, porém o VAR recomendou vermelho depois de a arbitragem de vídeo salvar o juiz ao anular corretamente os gols do tricolor Arias e do rubro-negro Gabriel Barbosa em um clássico no qual Marcelo fez de tudo um pouco. Só faltou vestir a camisa do goleiro Fábio e tirar o apito da boca de Sávio Pereira Sampaio. Aliás, o apito estava lá em cima, na cabine, com Wagner Reway.
No fim das contas, Marcelo separou homens dos meninos no Maracanã. Colocou o clássico no bolso na base do talento, da experiência e da catimba. Enervou, intimidou e até tirou o marcador de campo. Gastou a bola em um futebol brasileiro muito aquém do praticado na Europa. Marcelo deixou isso claro. Hoje, ele dificilmente seria titular em um time de ponta das cinco principais ligas do Velho Continente. No Brasileirão, como escrevi no início do texto, ele sobra.
Nenhuma novidade. Foi assim quando Romário, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Adriano, Fred, Juninho Pernambucano, Seedorf e tantos outros atravessaram o Oceano Atlântico para jogar aqui. Continua com Marcelo, Hulk, Luis Suárez, Paulinho, Tiquinho Soares e provavelmente com Enner Valencia. O tempo passa e o nível técnico da Série A melhora, mas demora a mudar de patamar. Se é que mudará.
Apesar da quantidade de faltas e cartões, das polêmicas de arbitragem, de um clássico mediado pelo VAR e dos gols corretamente anulados, o empate foi justo no Maracanã. Menos ruim para o Flamengo. Motivo: vinha de duas partidas duríssimas em gramado sintético contra Palmeiras e Athletico-PR. De um lado, havia um elenco esgotado pelos confrontos e a viagens; e um Fluminense com a semana vazia e duas partidas em casa desde a vitória do domingo anterior contra o Internacional. Foi péssimo para as duas torcidas. Revoltadas, ambas xingaram em uníssono o árbitro de campo, de vídeo, assistentes e companhia limitada.
Há um ponto a ser discutido. Jorge Sampaoli diz que a mudança tática de Fernando Diniz no segundo tempo incomodou o Flamengo. Se o argentino é tão bom no campo das ideias como se propaga, por que demorou tanto a apresentar o antídoto?
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