Dezessete de maio de 1950. São Januário, Rio de Janeiro. Dois meses antes do segundo maior vexame do futebol brasileiro – o primeiro é o 7 x 1, em 8 de julho de 2014 –, a justa comemoração de um título embalava o sonho da conquista inédita do Mundial. A Seleção vence o Uruguai por 1 x 0 no estádio do Vasco, arremata o troféu da extinta Copa Rio Branco e ensina ao arquirrival como superá-lo em um possível encontro no Mundial que começaria a ser disputado no mês seguinte justamente no Brasil.
Criado em 1916, o torneio era uma espécie de Superclássico das Américas da época, mas entre Brasil e Uruguai. Foi disputado pela primeira vez, em 1931 e durou até 1976. Eram disputados três jogos para apontar o campeão. Portanto, no ano da Copa de 1950, no Brasil, a Seleção enfrentou o Uruguai três vezes. Todas elas um mês antes do início do Mundial.
Os três duelos da Copa Rio Branco de 1950 foram no Brasil. Em 6 de maio, a Celeste derrotou o Brasil por 4 x 3 em um jogão no Pacaembu, em São Paulo. Oito dias depois, a trupe comandada pelo técnico Flávio Costa venceu o segundo duelo por 3 x 2, em São Januário. O terceiro duelo voltou a ser disputado no campo do Vasco, em 17 de maio de 1950.
Dois meses antes do Maracanazo, o técnico Flávio Costa mandou a campo: Barbosa; Nilton Santos e Juvenal; Eli, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho (Jair Rosa Pinto), Baltazar, Ademir Menezes e Chico. Dos 12 campeões da Copa Rio Branco, dois não entrariam em campo na final da Copa do Mundo diante do mesmo Uruguai na decisão do Mundial: Nilton Santos, Eli e Baltazar.
“Pouco antes da Copa jogamos com o Brasil. Recém começávamos a preparação para o Mundial. O Brasil já começara há meses. Jogamos então sem algumas figuras do time principal, mas, apesar disso, ganhamos (o primeiro jogo, no Pacaembu). Embora eles vencessem o torneio, nós tiramos experiência daquelas partidas. Quer dizer que nós sabíamos intimamente que os brasileiros não iam nos arrasar no Maracanã. Teriam de lutar muito para nos ganhar. Não estávamos tremendo. Estávamos muito controlados e medidos. Conhecíamos demasiado o Brasil”
Máspoli, goleiro do Uruguai, em entrevista ao uruguaio El País, em 1985
O Uruguai também estava com força máxima. Dos 11 campeões mundiais contra o Brasil dois meses depois da final da Copa Rio Branco, apenas um não havia participado da derrota de 17 de maio, em São Januário: Rubén Morán. Até o carrasco Ghiggia havia jogado e pouco incomodou o goleiro Barbosa. Na verdade, a Celeste escapou de perder por 3 x 0. Dois gols foram anulados em São Januário. Segundo relado da Folha da Manhã publicado no dia seguinte à final, o árbitro inglês Cyrill Barrick apontou impedimento nas duas finalizações de Baltazar.
Um detalhe chama a atenção na comparação das escalações dos três duelos da Copa Rio Branco com as formações de Brasil e Uruguai no Maracanazo: a mudança de técnico do Uruguai. Romeo Vázquez comandou a Celeste no vice do duelo à parte, mas foi Juan López quem levou a Celeste ao bicampeonato na última rodada do quadrangular final do Mundial de 1950.
“A seleção do Uruguai que ganhou o mundial de 1950 no Brasil o fez com um sistema clássico, muito similar, em seu esquema posicional e em seu funcionamento, ao que sempre praticaram os celestes. Não jogaram no “W-M” criado por Chapman. Talvez, esse apego ao método dos anos 1920, com dois beques centrais que se apoiavam mutuamente ( “Yo salgo, usted me cubre. Usted sale , yo lo cubro”) em vez de um único zagueiro central do sistema inglês, tenha sido um dos fundamentos básicos da sua sensacional vitória no Maracanã… Na fortaleza da sua defesa – algo tradicional nas equipes uruguaias- se cimentou essa conquista…Não houve acréscimos que constituíssem mudança ou renovação”
Juvenal, meia do Brasil, em entrevista à revista El Gráfico 1977-1978
Titular do Uruguai nos quatro confrontos com o Brasil em 1950, o goleiro Máspoli revelou em entrevista ao jornal El País de 16 de maio de 1985 que os duelos pela Copa Rio Branco foram relevantes para o planejamento do jogo decisivo do Mundial. O depoimento está publicado no livro Anatomia de uma derrota, de Paulo Perdigão. “Pouco antes da Copa jogamos com o Brasil. Recém começávamos a preparação para o Mundial. O Brasil já começara há meses. Jogamos então sem algumas figuras do time principal, mas, apesar disso, ganhamos (o primeiro jogo, no Pacaembu). Embora eles vencessem o torneio, nós tiramos experiência daquelas partidas. Quer dizer que nós sabíamos intimamente que os brasileiros não iam nos arrasar no Maracanã. Teriam de lutar muito para nos ganhar. Não estávamos tremendo. Estávamos muito controlados e medidos. Conhecíamos demasiado o Brasil”, declarou Máspoli.
O técnico Flávio Costa parecia vacinado contra as armadilhas do Uruguai, mas não o suficiente. Na véspera da final, disse ao O Globo. “O time uruguaio tem sempre atrapalhado o sossego dos brasileiros. Tenho medo de que meus jogadores entrem em campo, domingo, como se já tivessem a faixa de campeões sobre os ombros. O Uruguai é o maior obstáculo à conquista do título. Eles são capazes de explorar qualquer falha nossa, qualquer descuido, que pode assim se tornar fatal”, alertou depois de exibições de gala contra Suécia e Espanha no quadrangular.
“Após as goleadas conquistadas pelo Brasil, nós abandonamos nossa intenção de usar o líbero e nos voltamos para a velha tática. Com poucas modificações tomadas de empréstimo da formação com líbero, nós conseguimos erigir uma gaiola, da qual os atacantes brasileiros poderiam poucas vezes escapar. Quantas vezes conseguiu Ademir passar por mim? Quando ele conseguia, havia sempre Rodríguez Andrade ou Tejera para cobrir. Nosso plano estabelecia que cada atacante brasileiro tivesse ao menos que enfrentar dois defensores nosso antes que pudesse chutar”
Obdulio Varellla, em entrevista ao jornalista Brian Glanville
Uma das armadilhas do Uruguai foi tática, como contou Obdulio Varella em depoimento ao jornalista Brian Glanville publicado no livro Anatomia de uma derrota, de Paulo Perdigão. A Celeste surpreendeu ao trocar o sistema WM de Herbert Chapman da moda na época por uma aproximação do que se tornaria o 4-3-3. A Celeste usou linha defensiva de quatro contra o Brasil.
“Após as goleadas conquistadas pelo Brasil, nós abandonamos nossa intenção de usar o líbero e nos voltamos para a velha tática. Com poucas modificações tomadas de empréstimo da formação com líbero, nós conseguimos erigir uma gaiola, da qual os atacantes brasileiros poderiam poucas vezes escapar. Quantas vezes conseguiu Ademir passar por mim? Quando ele conseguia, havia sempre Rodríguez Andrade ou Tejera para cobrir. Nosso plano estabelecia que cada atacante brasileiro tivesse ao menos que enfrentar dois defensores nosso antes que pudesse chutar. Nós conseguimos isso graças à aceleração, velocidade e ímpeto de Rodríguez Andrade, que parecia estar em todas as posições e que efetivou formidáveis recuperações de bola. Sem ele, nossas contramedidas teria fracassado inevitavelmente”, afirmou.
E assim o título da Copa Rio Branco de 1950 está para a história como a conquista da Copa das Confederações de 2013, um ano antes do Mundial de 2014. Virou a ilusão de que o Brasil era favorito, havia conquistado o caneco antecipadamente. Uruguai e Alemanha provaram que não em um espaço de 64 anos entre as edições de 1950 e 2014.
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