Em tempos de influenciadores digitais, Jorge Jesus e Dorival Júnior apostam em mentores analógicos na final da Supercopa do Brasil, hoje, às 11h, no Mané Garrincha. A terceira versão do torneio disputado em 1990 e 1991, esquecido por 28 anos, e resgatado em 2020, opõe campeões nacionais inspirados em mestres revolucionários do Barcelona. Técnico do Flamengo, o português Jorge Jesus procurou o holandês Johan Cruyff no início da carreira. Dorival Júnior fez intercâmbio com o catalão Pep Guardiola. Se Flamengo e Athletico-PR usarem a risca o legado dos tempos áureos do Barcelona, o jogo único terá muitos gols e pode ser resolvido no tempo normal. Em caso de empate, a decisão será nos pênaltis.
A biografia Jorge, amado e desamado, a incrível história do treinador do Flamengo, do escritor português Luís Garcia, conta que o técnico do Flamengo não procurou a escola, mas foi atrás dos mestres. Nos tempos de jogador, fez amizade com Nicolai Gracharov, amigo do meia búlgaro do Barcelona Hristo Stoichkov — um dos símbolos do Dream Team de Johan Cruyff.
O maior craque da história do futebol holandês inspirou o Barcelona vencedor da Copa dos Campeões, atual Champions League, em 1992, no futebol total da Laranja Mecânica, vice-campeã no Mundial da Alemanha, em 1974, e no todo-poderoso Ajax dos anos 1970. Jorge Jesus investiu seu rico dinheirinho numa viagem à Catalunha e foi aprender com Cruyff.
Era 1993. Em abril e maio daquele ano, acompanhou os treinamentos do técnico do Barcelona e ouviu o que ele falava a um elenco formado, entre outros, por Zubizarreta, Ronald Koeman, Pep Guardiola, Michael Laudrup e Hristo Stoichkov — quem lhe aproximou de Cruyff. O investimento em passagens aéreas, hotel e alimentação valeram a pena. Jesus passou a enxergar o futebol sob o ponto de vista do espetáculo.
Jesus aprendeu com Cruyff que existem dois tipos de time: o que joga por resultados e aquele que desperta os sonhos dos torcedores, como o Flamengo campeão da Libertadores, do Brasileirão, do Carioca e vice do Mundial de Clubes. Em vez da teoria, aprendeu na prática. Com Cruyff e o compatriota, aprendeu uma de suas máximas. “O mais sensato é colocar uma equipe para jogar de forma ofensiva em nome do espetáculo”. Perfeccionista, busca sempre o que costuma chamar de nota artística. Conta que aprendeu a expressão na ginástica.
Por sinal, quer deixar o Mister bravo, fala mal da lenda Cruyff. Um dos amigos dele contou no ano passado à Folha de S. Paulo o piti de Jorge Jesus numa resenha com amigos durante um momento de lazer. “Lembro que fomos a uma boate em um dia de folga e nos encontramos com ele. Do lado de fora, começamos a conversar e tivemos uma discussão tremenda. Ele era um defensor irredutível do Cruyff. ‘Ele é o grande treinador, está muito à frente’, argumentava. Foi uma discussão boa, com argumentos fortes. Ele defendia Cruyff e nós o atacávamos. Mas ele teve razão. Cruyff se afirmou como gênio”, relatou José Eduardo, ex-jogador do Sporting e amigo do treinador do Flamengo.
O dono da prancheta do Flamengo aprendeu também que é possível ganhar jogos usando o banco de reservas. Nesta temporada, chegaram suplentes com potencial de titulares. Os zagueiros Gustavo Henrique e Léo Pereira, o volante Thiago Maia, os meias-atacantes Michael e Pedro Rocha e o centroavante Pedro.
A partida pode dar início a uma nova sequência de títulos. O clube pode conquistar a Supercopa do Brasil, a Recopa Sul-Americana contra o Independiente del Valle do Equador. Em seguida, terá pela frente Boavista ou Volta Redonda na decisão da Taça Guanabara, o primeiro turno do Campeonato Carioca. O adversário será conhecido hoje, a partir das 16h.
Lembro que fomos a uma boate em um dia de folga e nos encontramos com ele (Jorge Jesus). Do lado de fora, começamos a conversar e tivemos uma discussão tremenda. Ele era um defensor irredutível do Cruyff. ‘Ele é o grande treinador, está muito à frente’, argumentava. Foi uma discussão boa, com argumentos fortes. Ele defendia Cruyff e nós o atacávamos. Mas ele tinha razão. Cruyff se afirmou como gênio
José Eduardo, amigo português do técnico do Flamengo
O mentor da reinvenção
Jorge Jesus bebeu da fonte de Johan Cruyff. Dorival Júnior buscou conhecimento com um discípulo do holandês. Em 2015, o técnico do Athletico-PR arrumou a mochila e partiu rumo à Europa ao lado dos amigos Vágner Mancini e Júlio Sérgio para um período de reciclagem. Uma das paradas foi na Alemanha, onde Pep Guardiola comandava o Bayern de Munique. Foram 10 dias de aprendizado. Desempregado, retornou ao Brasil transformado.
Assumiu o Santos e surpreendeu o elenco. Contratado pelo Flamengo no início deste ano, o volante Thiago Maia foi um dos primeiros a notar a diferença. “Dorival é o Pep Guardiola do Brasil. Se espelha muito no Bayern. Sempre assiste. Fez estágio, ficou um mês (na Alemanha) e trouxe novidades. Tem paciência com os moleques, combina com o Santos”, elogiou o então menino da Vila Belmiro. O Peixe foi vice-campeão brasileiro naquele ano.
O guardiolismo fazia parte daquele Santos. A posse de bola era uma das marcas daquele time. O time paulista encerrou o Brasileirão de 2016 médias de 53,4%, atrás apenas do São Paulo (53,8%). A média da posse de bola do Santos na temporada, ou seja, incluindo as outras competições, era de 70%. A do Bayern, de 78%. O “tiki-taka” de Dorival não era estéril. Tinha contundência. O alvinegro praiano teve o terceiro melhor ataque da Série A com 59 gols. O campeão Palmeiras fez 62; e o Atlético-MG, 61.
“o Dorival Júnior é o Pep Guardiola do Brasil. Se espelha muito no Bayern de Munique. Sempre assiste. Fez estágio, ficou um mês (na Alemanha) e trouxe novidades. Tem paciência com os moleques, combina com o Santos”
Thiago Maia, volante do Flamengo, em 2016, quando trabalhou com o técnico do Athletico-PR
Os jogadores admiravam tanto a determinação de Dorival Júnior por aplicar as ideias de Guardiola no Santos que começaram a brincar. “Posso ser o Xabi Alonso, mas dou mais bonito do que ele”, comparou Thiago maia. “Posso ser o Lahm”, brincou o lateral Zeca à época, sem ironias. “Ele e o filho foram estudar, aprender, foram humildes. Estudaram o futebol de lá (da Europa). Não se falava muito de linhas, de sair, de toque de bola. O Santos joga assim, encaixado em linhas. Uma das novidade era correr menos. Com os jogadores perto um do outro, a equipe fica mais com a bola e cansa o adversário”, lembra Zeca.
Na época, Lucas Silvestre admitiu a rendição ao guardiolismo. “O Bayern é nossa referência e todos esses números mostram a mudança de postura dos atletas e a melhora em todos os quesitos. O departamento de inteligência mostrou isso ao treinador e ao elenco e todos ficam felizes, nos procuram para saber mais informações”, explicou. Quando Bruno Henrique foi repatriado do Wolfsburg para o Santos, a imprensa alemã chegou a brincar dizendo que o atacante estava indo para o Bayern do Brasil. Hoje, o jogador será adversário na final.
Eu, ele (Dorival Júnior) e o Júlio Sérgio, passamos uma semana observando os treinamentos do Bayern Munique, na época treinado pelo Guardiola. Na sequência, visitamos outros clubes também. Roma, Lazio, Atlético, Real e PSG. O tour durou cinco semanas. Houve muita troca de informações. Foi muito válido, porque vimos e constatamos que não estamos distantes do que se pratica na Europa em termos táticos. A diferença está na intensidade que os atletas colocam em campo e na qualidade dos elencos. Foi uma viagem muito importante.
Vágner Mancini, em entrevista ao blog
O desafio neste início de ano é inserir o chip no Athletico-PR. O primeiro teste é contra o Flamengo. Em 2016, Dorival Júnior enfrentou estilo semelhante ao de Jorge Jesus no duelo contra o Audax na decisão do Paulistão. O adversário era comandado por Fernando Diniz.
Dorival Júnior perdeu cinco titulares do título da Copa do Brasil. As perdas são significativas: o lateral Madson, o zagueiro Léo Pereira e os atacantes Marcelo Cirino e Marco Ruben, além do meia Bruno Guimarães. Vendido ao Lyon, ele foi o símbolo da conquista contra o Inter.
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