De Santa Maria a Itália: um bate-papo com o meia-atacante brasiliense Felipe Anderson

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Entrevista publicada neste domingo no Correio

Na infância, Felipe Anderson Pereira Gomes plantou uma semente nos campos de várzea de Santa Maria. “O meu maior sonho, desde criança, é ser o melhor do mundo, mas isso demanda tempo”, diz o jogador brasiliense em entrevista por telefone ao Correio. Aos 22 anos, o camisa 7 da Lazio dá mostras no futebol italiano de que começa a brotar um craque. Em ótima fase, o meia-atacante foi comparado nesta semana a Cristiano Ronaldo depois de uma exibição de gala na qual fez um gol e deu duas assistências. O jornal La Gazzetta dello Sport usou o adjetivo “fenômeno” para exaltar a apresentação. Mas a história poderia ser diferente. Revelado por um time da Polícia Militar de Santa Maria, Felipe Anderson diz, no bate-papo a seguir, que a família e a escolinha Kandangos, do 26º BPM, o blindaram da criminalidade e despertaram alvos como a conquista da inédita medalha de ouro nas Olimpíadas do Rio, em 2016. Testado e aprovado pelo técnico da Seleção Sub-23, Alexandre Gallo, Felipe Anderson sabe que o clássico de hoje contra a Roma, pela 18ª rodada do Campeonato Italiano, também é um atalho para seduzir Dunga. “Tenho quatro gols nos últimos quatro jogos. Espero manter a média de um por jogo. Seria quase um Cristiano Ronaldo (risos)”, brinca.

Hoje tem clássico entre Lazio e Roma. Quem ganha? Vai ter gol seu?

É um sonho, um campeonato particular. Para você ter uma ideia, quando saiu a tabela do Italiano, disseram na Lazio: ‘dia 11 de janeiro é uma partida que nós temos de ganhar’. Eu espero fazer o meu melhor. Tenho quatro gols nos últimos quatro jogos. Espero manter a média de um por jogo. Seria quase um Cristiano Ronaldo (risos).

O técnico da Sampdoria, Sinisa Mihajlovic, o comparou ao Cristiano Ronaldo depois que você fez um gol e deu duas assistências na vitória da Lazio. O jornal Gazzetta dello Sport o chamou de “fenômeno”. Que fase é essa?

É uma comparação que me deixa feliz, ainda mais vindo de um adversário. Não é todo dia que alguém é comparado ao melhor do mundo. Meu trabalho está sendo reconhecido. Fiz cinco partidas seguidas muito boas. Agora, é trabalhar para chegar perto dele (Cristiano Ronaldo).

Curiosamente, você veste a camisa 7 e joga aberto na esquerda, como o CR7.

Tenho liberdade tanto na direita quanto na esquerda. Isso ajuda. Quando você se movimenta muito, não dá referência ao adversário. Naquele cantinho do Cristiano Ronaldo (risos) eu posso usar bem a minha perna direita para cortar para dentro em direção ao gol.

Ele fez gol aqui em Brasília, a sua cidade, na Copa do Mundo. Quando sai o seu?

Eu joguei pelo Santos em 2013, contra o Flamengo, na despedida do Neymar. Entrei no fim do jogo. Espero voltar a jogar no Mané Garrincha. Se for com a Seleção Brasileira, melhor ainda (risos).

Por falar em Seleção, o seu técnico na Lazio, Stefano Pioli, jogou com o Dunga na Fiorentina. Espera que ele dê uma força para uma possível convocação?

Não sabia. Caramba, legal. Vou falar com ele aqui. Seria um sonho ter uma recomendação dele ao Dunga, mas, agora, eu quero continuar focado na Lazio, marcando gols, dando assistências, fazendo grandes jogadas. Se eu fizer bem o meu papel, as outras coisas chegam.

Uma das metas em 2015 é disputar a Copa América, no Chile?

Fui convocado pelo técnico da Seleção Sub-23, (Alexandre) Gallo, para três amistosos na China. Eu confio muito em disputar as Olimpíadas. Fiz gols, dei passes para gol e tive uma experiência maravilhosa. Meu objetivo é estar no Rio em 2016. Quem faz um bom trabalho nas divisões de base abre portas na principal, é um trampolim. Tenho idade olímpica e esse é o meu maior sonho, brigar pela inédita medalha de ouro no meu país.

Basta de frustração na Seleção?

Chega. Em 2011, o objetivo era ganhar o Pan, mas a Seleção (do Ney Franco) não tinha grandes jogadores e fomos eliminados na primeira fase. Eu também disputei o Sul-Americano Sub-20 (2013) e não passamos da primeira fase. Para mim, foi pior. Nós tínhamos um grande time, esperança de ser campeões, e fomos eliminados cedo, o que jamais havia acontecido na história da Seleção.

A torcida da Lazio queria você como camisa 10, mas o Ederson pegou para ele?

Sim, os torcedores queriam, mas o Ederson também é muito querido, sempre usou a camisa 10. Mas isso não me importa. No próprio Santos eu usei algumas vezes a 7.

Comparado a Cristiano Ronaldo e chamado de “fenômeno”

Crédito da imagem: AFP PHOTO / TIZIANA FABI

Você está fazendo o torcedor da Lazio esquecer o Hernanes?

Ele é amado aqui. Teve uma passagem inesquecível pela Lazio antes de ir para a Inter. Ganhou títulos importantes e é um ídolo. O Hernanes é uma das minhas inspirações. Nos falamos sempre e ele está muito feliz com a minha evolução. Quero seguir os passos dele.

Você começou aos 6 anos no time da Polícia, aqui em Santa Maria. Lembranças?

Foi um momento maravilhoso. Foi aí, em Santa Maria, que eu aprendi as bases do futebol. Antes, eu jogava só na rua. No time da polícia, eu fiz muitos amigos e ganhei muita experiência. Uso, até hoje, na vida e no campo, coisas que eu aprendi ali. Meu professor era o Léviston e o campinho, um de terra, em Santa Maria Sul, atrás do Batalhão da Polícia Militar. Foi ali que tudo começou.

Aqui em Brasília, você também jogou, ainda menino, no Federal e no Gaminha…

O Federal levou-me pela primeira vez para jogar em um campo gramado. Em Santa Maria, não tinha isso, era campo de terra batida. Fui disputar um torneio, lá no Guará, com o Federal. Arrebentei e chamei a atenção de muitas escolinhas que ficaram loucas por mim. Mas eu não tinha dinheiro para pegar ônibus. As escolinhas eram muito longe. Um ano depois, eu fui para o Gaminha. Disputei torneios da Federação Brasiliense e os olheiros levaram-me para Curitiba.

No Paraná, defendeu o Astral e atraiu o Coritiba…

A ida para lá elevou o nível do meu futebol. Os adversários eram técnicos e os torneios mais profissionais. Eram times que disputavam o Estadual. Eu tinha 13 anos. Cheguei em uma cidade grande, joguei num estádio imenso (Couto Pereira). No início, foi difícil. Fui sozinho, mas tive força para ficar, chamar a atenção do Santos e estar na Lazio.

Pensou em desistir?

Eu tive foco. Cresci sabendo que, em Santa Maria, os garotos não têm tanta oportunidade. Eu queria só uma. A que eu tive, aproveitei. Muitos jogadores de qualidade da minha geração não aguentaram ficar longe da família. Não conseguiam jogar por causa de saudade.

O trabalho social da polícia o blindou dos maus caminhos?

Morei em Santa Maria até 2006. Até então, era um lugar tranquilo. Depois de um tempo, comecei a ler e ouvir notícias ruins. Quando ia lá, os meus amigos falavam que havia ficado perigoso, mas eu espero que melhore. Torço para que os jovens não sigam o mau caminho, prefiram o esporte e sejam homens trabalhadores. Meu treinador falava que o importante é ser trabalhador, suar a camisa e não ir para esse lado ruim da vida.

Um dos dramas de Brasília é o crack. As drogas tentaram mudar o seu caminho?

Sim, mas eu sempre procurei ouvir os meus pais, procurava sempre ter amizade com pessoas que não andavam por esse caminho errado. Ter a família sempre perto de mim ajudou muito. Ouvi muitos conselhos que, até hoje, fazem muita diferença na minha vida.

De férias em Santa Maria, onde nasceu

Crédito da imagem: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Você jogou no Santos, mas Fluminense e Noroeste têm um cantinho na sua memória?

A minha estreia no time profissional foi contra o Fluminense, no Engenhão. Foi o dia mais feliz da minha vida. Enfrentei ao vivo o Conca, que eu só via pela televisão. Vencemos por 3 x 0. Eu tinha 17 anos e realizei um sonho. Contra o Noroeste, eu fiz o meu primeiro gol.

Você era camisa 10 e capitão nas divisões de base do Santos. Quando chegou ao time principal, passou a duelar com o Ganso. A concorrência atrapalhou?

Subi na época daquele Santos mágico de 2010. O Ganso estava em um momento excelente. Depois, ele se machucou e eu subi. Joguei até ele voltar. Esperavam que eu fizesse o que ele vinha realizando. Todos me conheciam, sabiam que eu tinha futuro, potencial.

Por que você teve dificuldades?

É difícil chegar aos 17 anos em um time profissional como o Santos. Quando você entra em uma equipe que tem Robinho, Neymar e Ganso dando show, a responsabilidade aumenta. Fiquei um tempo sem jogar, mas as temporadas seguintes foram maravilhosas. Participei de 36 dos 38 jogos do Brasileirão de 2013, 56 no ano. Fiz gols e chamei a atenção da Lazio.

Falta paciência com os meninos na Vila?

Diziam que eu seria o sucessor do Ganso. As pessoas pressionavam dizendo que eu tinha capacidade. Até hoje, vejo gente dizendo que um garoto não está pronto. Não é assim. Tem que deixar jogar, dar liberdade, confiança para o menino ter experiência e mostrar potencial.

Pressão para ser o sucessor de Ganso no Santos

Crédito da imagem: AFP PHOTO / Miguel SCHINCHARIOL

O brasiliense Kaká foi eleito o melhor do mundo em 2007. Tem planos de igualar o conterrâneo?

Esse é o meu sonho desde criança, o meu maior objetivo, mas demanda tempo. A idade para isso é 26, 27 anos, quando o cara está preparado, tem personalidade forte, experiência, confiança em si próprio. Eu tenho calma para atingir esse sonho maior e posso chegar lá.

Você era um dos jogadores com direitos fatiados com o grupo de investimentos Doyen Sports, o mesmo que detém “ações” do Damião (Crueiro) e do Marcelo Cirino (Flamengo). Isso é bom ou ruim?

Se eu pudesse, não seria assim, mas o Santos e o fundo tinham o meu passe. Eu jamais me meti nesse assunto. Os dirigentes da Lazio ficaram chateados com o Santos. A minha negociação demorou. Chegavam a um acordo, depois desistiam. Era para eu ter vindo em janeiro de 2013. Isso é ruim. Você não sabe o amanhã. No fim, foi feita a minha vontade.

O alemão Klose sacaneia muito aí na Lazio por causa do 7 x 1?

Ele é um cara excepcional, baita profissional, não é gaiato como os argentinos. Escapei dessa. Até brinquei com ele no dia do jogo contra o Brasil. Enviei mensagem mandando ele não fazer gol, mas ele desobedeceu e a Alemanha fez até demais (risos).

As massas são as maiores vilãs da vida na Itália?

Nossa, cara, estou muito feliz aqui. A cidade é maravilhosa. As pessoas parecem brasileiras, são calorosas. A comida é uma tentação. Eu como massa todo dia. Eu já gostava, imagina agora. Pizza, massa, é tudo muito delicioso.

Marcos Paulo Lima

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