Símbolos da vitória por 4 x 2 contra a Alemanha na estreia do Brasil em defesa do título no torneio masculino de futebol nos Jogos de Olímpicos de Tóquio, Richarlison e Paulinho têm mais características em comum do que o prazer de jogar bola e balançar a rede. Ambos exibem personalidade forte dentro e fora de campo. Posicionam-se sem medo sobre temas polêmicos. Nas quatro linhas, são objetivos. Enquanto alguns fazem firulas, eles resolvem.
Capixaba de Nova Venécia, Richarlison não é somente o cara que pediu dispensa ao Everton da Inglaterra para disputar os Jogos Olímpicos. Nem o que chamou a responsabilidade e solicitou a André Jardine a camisa 10 em Tóquio. Muito menos aquela figura tímida, com olhar de constrangimento na festa do título da Copa América de 2019 com a presença do presidente Jair Bolsonaro segurando a taça na mão, no gramado do Maracanã, no meio da festa de quem realmente havia feito por merecer aquele troféu: os jogadores, óbvio.
Richarlison é um dos atletas mais engajados não somente do elenco da Seleção, mas entre os 301 atletas que representam o Time Brasil. Fala e escreve contra o racismo. Opinou sobre a falta de luz no Amapá, deu recado no episódio do estupro da influencer Mariana Ferrer e a pandemia. Ele e o staff usam bem as redes sociais para mandar o recado.
A bola adora o jeitão dele. Procurou o artilheiro três vezes na vitória sobre a Alemanha. É o primeiro hat-trick da carreira dele. Jamais havia acontecido na trajetória profissional dele no América-MG, Fluminense, Watford, Everton nem nas seleções de base ou principal. Só faltou personalidade na hora da cobrança do pênalti. Em dia ilumindo, Richarlison deveria ter pedido a Matheus Cunha para cobrar. Humilde, viu o camisa 9 desperdiçar a chance.
O Brasil abriu 3 x 0 com gols de Richarlison, perdeu pênalti na cobrança de Matheus Cunha, viu a Alemanha encostar no placar, mas aí entrou em cena outro cara de personalidade. Revelado pelo Vasco, Paulinho, menino da Vila da Penha, não teve medo de se expor ao falar sobre religião. Em tempos de intolerância, fala abertamente sobre a crença dele.
“Gratidão aos Orixás por me conceder mais um ano de vida”, escreveu no último dia 15 de julho, data do aniversário do meia do Bayer Leverkusen. “Nunca foi sorte, sempre foi Exú Laroyê”, registrou logo que soube da convocação feita por André Jardine.
A fé dos jogadores quase sempre foi motivo de deboche, intolerância nos clubes e, principalmente, na Seleção. O sinal da cruz de Jairzinho a cada gol marcado na Copa de 1970 dividiu opiniões. Os evangélicos Kaká, Lúcio e Edmilson foram criticados na celebração do penta na Copa de 2002 ao se ajoelharem para uma oração no gramado.
Eleito melhor do mundo em 2007, Kaká era atacado por comemorar gols apontando para o céu. Uma capa histórica da revista Placar, em 2009, tem o título: “Seleção vira igreja” sobre a quantidade de atletas de Cristo na primeira Era Dunga — ciclo de 2006 até a Copa do Mundo de 2010. Até o dízimo do camisa 10 Kaká entrou no debate. Tolerância religiosa é respeitar a crença de Paulinho, Jairzinho, Kaká, Lúcio, Edmilson e qualquer fiel das diversas correntes espirituais. Nem sempre é assim. Lamentavelmente Precisamos lembrar isso.
Paulinho também tem opina sobre política. “Se sou crítico do atual governo é porque eu confio na ciência. Todo mundo enxerga o que se passa durante esse um ano e meio de pandemia, todo o descaso com a saúde. Mesmo vivendo em outro continente (Europa), tenho pessoas queridas que moram no Brasil. Elas precisam de segurança, de amparo, de vacinas. Hoje, milhares de pessoas me seguem nas redes sociais. Algumas delas me têm como exemplo. Enfim, sou uma pessoa que tem voz”, escreveu no Players Tribune Brasil.
O esporte tem saído cada vez mais da caixinha. Exige muito mais do que o alto rendimento nas competições. Pede opinião, posicionamento sobre questões que nem sempre deixam os atletas na zona de conforto. Esse deve ser um dos recados dos Jogos de Tóquio.
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