Fim do voto do relator Gilmar Mendes favorável a Ednaldo Rodrigues no segundo dia do julgamento sobre a permanência ou não do presidente sustentado por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O ministro Flávio Dino pede vistas e, sem querer querendo, define bem o caso que se arrasta desde 7 de dezembro do ano passado, completou 10 meses e pode se arrastar por mais 90 dias.
Dino vira-se para Gilmar Mendes e compara o caso às novelas da escritora mineira Janete Clair (1925-1983) ao justificar o surpreendente pedido de vistas em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo PCdoB, partido do que fez parte de 2006 a 2021. Ele era do PSB quando trocou o Ministério da Justiça pela cadeira no STF.
“Reconheço a insuficiência do meu voto por causa da complexidade da matéria. Á um enredo janetecairiano, que é muito confuso”, argumentou. Em seguida, citou as nuances como quem proferisse nomes dos personagens de um folhetim. “Uma ação civil de 2017, um TAC, uma apelação de 2023. O que remete ao primeiro problema: a validade e a eficácia da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro”, destacou.
O ministro continuou: “Todos falaram em autonomia. A pergunta é: qual é o alcance da autonomia e a qual instância ela cede terreno: TJ, MP ou à Fifa? Eu vou recorrer ao VAR (menção à Arbitragem Auxiliar de Vídeo no futebol) e pela primeira vez neste tribunal vou pedir vistas”, encerrou Flávio Dino olhando o presidente do STF, Luis Roberto Barroso.
Como depois da novela costuma vir o futebol na grade horário global, houve alfinetada entre ministros-torcedores na “arquibancada” do STF durante afagos à ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carmem Lúcia: “Me mandaram na internet uma mensagem que, aparentemente, teria sido escrita pelo Doutor Drauzio Varella”, disse o santista Gilmar Mendes. “Ele dizia, e isso se aplica a outros clubes: ‘Se você é corintiano e quer ver títulos, não perca tempo: seja mesário voluntário do TSE.
O corintiano Alexandre de Moraes entrou de carrinho incendiado pelo botafoguense Flavio Dino: “Vindo do ministro Gilmar Mendes, cujo time está em terceiro na segunda divisão, óbvio que é uma fake news”, contra-atacou. “Por isso que eu disse que se aplicava a vários clubes”, retrucou Gilmar Mendes arrancando risos.
A novela janetecairiana não tem dia para acabar nem indica para quem será o final feliz, mas o ministro André Mendonça parece cansado dela. Ele não votou, mas encaminhou posicionamento contrário a Ednaldo Rodrigues ao precipitar-se antes do fim da sessão. Respeitou o voto de Gilmar Mendes, porém mostrou-se contrário. Assim como fez ao negar recurso a Ednaldo Rodrigues em 22 de dezembro do ano passado, ele manteve a coerência. Indicou voto contra a liminar e ainda sugeriu uma investigação da CBF antes de Barroso encerrar a plenária.
“Cumprimento o ministro Gilmar Mendes pelo voto, ainda que, eventualmente, eu apresente uma posição divergente, em parte ao menos, reconheço que é um voto substancioso e que demandou de todos nós uma atenção acurada”, afirmou André Mendonça. “Lendo os autos fiquei me perguntando se a CBF resistiria a uma investigação”, disse. Em tese, Ednaldo Rodrigues vai para o intervalo vencendo por 2 votos a 1.
Como publicado em posts anteriores do blog, dois ministros se posicionaram impedidos de votar. Luiz Fux considerou-se impedido sob alegação de que o filho, Rodrigo Fux, assina um dos recursos da CBF apresentados ao TJ-RJ. Luís Roberto Barroso tem o sobrinho, Rafael Barroso Fontelles, no time de defesa de Ednaldo Rodrigues no início do processo.
Antes do início da votação, advogados de partes interessadas no processo fizeram as sustentações: Gabrielle Tatith Pereira (Senado Federal), Aristides Junqueira Alvarenga (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Floriano Marques Neto (CBF) e Matheus Pimenta de Freitas Cardoso (Atlético-MG). Paulo Machado Guimarães havia se manifestado pelo PCdoB no primeiro dia do julgamento na semana passada.
O imbróglio se arrasta desde o dia seguinte ao término do Campeonato Brasileiro do ano passado. Em 7 de dezembro de 2023, o presidente eleito por aclamação em março de 2022 foi destituído por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Motivo: a CBF havia assinado um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Rio (MP-RJ) considerado indevido. Ednaldo deixou o cargo e a entidade passou a ser administrada temporariamente por um interventor, o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) à época, José Perdiz de Jesus.
Começava uma guerra jurídica com passagem pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo STF. Em 4 de janeiro, a suprema corte concedeu liminar a Ednaldo Rodrigues e devolveu o cartola à presidência da CBF com base em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) motivada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Antes do despacho, o relator Gilmar Mendes solicitou parecer da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República e recebeu aval manifestações de apoio à recondução do presidente eleito.
Desde então, a liminar ficou pendente de análise pelos ministros do STF. Dos 11 magistrados, dois não votarão. Primeiro sorteado ao papel de relator, Luiz Fux considerou-se impedido sob alegação de que o filho, Rodrigo Fux, assina um dos recursos da CBF apresentados ao TJ-RJ. Luís Roberto Barroso tem o sobrinho, Rafael Barroso Fontelles, no time de defesa de Ednaldo Rodrigues desde o início do processo.
Restam nove ministros. Embora seja fundador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), parceiro da CBF Academy desde 15 de agosto de 2023, o relator Gilmar Mendes se considerou apto e abriu o placar favorável a Ednaldo Rodrigues. Além dele, Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Carmem Lúcia, Edson Fachin, Flávio Dino, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin têm poder de decisão.
Ednaldo Rodrigues precisa de seis votos. Nos últimos nove meses, a CBF inaugurou uma casa em bairro nobre do DF, fez mimos aos três poderes em pelo menos três eventos na capital do país e viu Gustavo Feijó, um dos articuladores do levante contra Ednaldo Rodrigues, retirar processos contra o desafeto como mostrou o blog.
Os cenários depois do capítulo final da novela podem ser os seguintes: se Ednaldo Rodrigues vencer, cumprirá o mandato de quatro anos para o qual foi eleito em 23 de março de 2022. Se ele perder, o recém-empossado presidente do STJD, Luís Otávio Veríssimo, assumirá interinamente e convocará um novo pleito. O controverso colégio eleitoral seria formado pelas 27 federações, todas com peso de voto 3; os 20 clubes da Série A (peso 2); e os 20 da B (peso 1).
*Colaborou Renato Souza, repórter de Política, Brasil e Economia do Correio Braziliense.
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