Torcedor é aquele sujeito capaz de chamar Cristiano Ronaldo de genial por trocar uma garrafa de Coca-Cola por água mineral na entrevista coletiva oficial da Uefa na Eurocopa e de criticar o técnico do próprio clube por exigir jantar balanceado para o elenco, no estádio, depois de um jogo, a fim de evitar que atletas consumam bebida alcoólica ou alimentos gordurosos e iniciem a recuperação do esforço de modo saudável.
A receita do chef português Paulo Sousa, depois da goleada do Flamengo por 6 x 0 sobre o Bangu pelo Campeonato Carioca, causou alvoroço nas redes sociais. Na insaciável busca pela treta, defenderam até que o lusitano perderia o vestiário por obrigar os jogadores a repor energia adequadamente nos embalos de sábado à noite. O patrício não está reinventando a roda. Age cientificamente. Falta maturidade para entender o processo. É mais fácil ir ao estádio xingar atleta de “gordo” do que investigar por que o cara está acima do peso.
Paulo Sousa aplica no Flamengo o que Sir Alex Ferguson fazia antes mesmo de passar 27 anos no Manchester United. Volta e meia dou dicas de leitura nos nossos encontros de sábado neste espaço. Lá vai mais uma: Liderança, de Alex Ferguson e Michael Moritz, é imperdível. No capítulo 11, “Desenvolvimento de negócios”, o técnico escocês revela como revolucionou a alimentação dos times por onde passou. Está nas páginas 240 a 242 da obra.
Ferguson diz que ninguém dava atenção à alimentação do jogador. O escocês começou a romper com esse desdém em 1974, logo no primeiro clube que assumiu — o East Stirlingshire, da Escócia. Antes do duelo com o Falkirk, ele revolucionou a rotina. Informou à diretoria que passaria a levar o time para almoçar antes dos jogos como parte da preparação. Em vez de servir sopa, carne assada ou moída com batata e pudim na sobremesa, o novo menu apontava duas postas de linguado e torradas com mel.”O Chef disse que os jogadores ficariam famintos, e respondi: ‘Ótimo’. Ganhamos de 2 x 0″, diverte-se Ferguson.
O treinador introduziu o método no Aberdeen e no Manchester United. O mentor da dieta dos Diabos Vermelhos passou a ser Trevor Lea na temporada de 1990/1991. Um nutricionista curto e grosso capaz de enquadrar até mesmo Ferguson: “Ele dizia: ‘ou você segue à risca o que digo, ou não faz nada, porque está desperdiçando o meu tempo'”.
Deu certo. Os níveis de gordura dos jogadores do United foram reduzidos de 15% para cerca de 8%. A inovação incluía até cadeiras de sol na área de treino para elevar os índices de vitamina D.
O futebol é cada vez menos tolerante com o estilo “pé na areia, caipirinha, água de coco, a cervejinha” de alguns boleiros. Se você exige dos técnicos importados que seu time dê banquete dentro das quatro linhas, amadureça. Respeite a entrada, o prato principal e a sobremesa do jantar de Paulo Sousa. Torcedor também precisa se atualizar.
*Coluna publicada na edição impressa de sábado (19.3.2022) do Correio Braziliense
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